segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Catalunha: CRESCEM AS ESQUERDAS NAS ELEIÇÕES

 


Os partidos chamados de “soberanistas” na Catalunha venceram as eleições deste domingo nesta “província rebelde” da Espanha. Mas a vitória veio de um modo inesperado: cresceram as esquerdas, embora em todas as direções. A tentativa do presidente da província, Artur Más, da Convergência e União, de ampliar sua maioria no parlamento, fracassou. Por outro lado, cresceu o partido da Esquerra Republicana, de esquerda, e seu líder, o professor de história Oriol Junqueros, apontado como o grande vencedor do pleito. O artigo é de Flávio Aguiar, direto de Barcelona.
 
Flávio Aguiar, de Barcelona - Carta Maior
 
Barcelona - Como era esperado, os partidos chamados de “soberanistas” na Catalunha venceram as eleições deste domingo nesta “província rebelde” da Espanha. Mas a vitória veio de um modo inteiramente inesperado, pelo menos de início: cresceram as esquerdas, embora em todas as direções.

Esta eleição parlamentar antecipada foi resultado de uma tentativa, por parte do presidente da província, Artur Más, de conseguir ampliar sua maioria no Parlamento. Seu partido, a Convergência e União, tinha 62 cadeiras. Mas o tiro lhe saiu pela culatra: perdendo 12 cadeiras, a CiU, como é conhecida, ficou com apenas 50. Mas é um político considerado como um “conservador moderado”, liberal em matéria de economia, conhecido por dar uma no cravo e outra na ferradura: por exemplo, é favorável ao fim da discriminação contra gays, mas não do casamento entre pessoas do mesmo sexo, e é a favor da “livre discussão” sobre o tema do aborto em seu partido.

Por outro lado, cresceu o partido da Esquerra Republicana, de esquerda, e seu líder, o professor de história Oriol Junqueras, é apontado na mídia catalã e do restante da Espanha como o grande vencedor do pleito. Foi de 10 cadeiras no Parlamento para 21. O Esquerra Republicana é um partido historicamente independentista desde antes do tempo de Franco. Seu líder e presidente da província em 1934, Lluís Companys, foi preso e condenado depois de uma tentativa de levante contra o governo (então conservador) de Madri. Depois da vitória da Frente Popular em 1936, foi libertado, e foi líder da resistência anti-franquista na Catalunha. Exilado na França depois do fim da Guerra Civil, deixou de fugir deste país, após à invasão alemã, porque seu filho se achava gravemente enfermo num hospital parisiense.

Preso pelos nazistas em 1940, foi deportado para a Espanha, sendo fuzilado em outubro deste ano pelo governo franquista depois de um julgamento considerado vergonhoso. Antes da execução líderes franquistas iam até sua cela para dizer-lhe insultos e jogar moedas e migalhas de pão contra seu corpo. Hoje seu nome batiza o Estádio Olímpico em Barcelona.

As eleições marcaram também uma derrota para o Partido Socialista, que pregava um federalismo renovado, que caiu de 28 para 20 cadeiras. O PP de Mariano Rajoy, claramente contra a independência, ficou onde estava: de 18 foi para 19 cadeiras. A Iniciativa Verde-Esquerda Unida, que se autodenomina ecossocialista, ganhou mais 3 cadeiras, ficando com 13. Já o partido Ciudadans, tido como de esquerda, mas anti-independência, teve 9 cadeiras (tinha 3). E outro partido considerado vencedor, a CUP – Candidatura de Unidad Popular, de extrema esquerda – ficou com 3; apesar do número pequeno, é a primeira vez que toma assento no Parlamento.

Os partidos “soberanistas”, com seu leque de opções ideológicas, ficaram com 87 assentos, três a menos do que os 2/3 necessários para, por exemplo, um voto favorável à independência. Os partidos contrários ficaram com 48 cadeiras.

Artur Más viu seu desempenho prejudicado por denúncias de corrupção levantadas em Madri. Mas também teve um erro de avaliação política. Depois de eleito em 2010, viu o descontentamento catalão com Madri crescer por duas razões. A primeira foi a resistência do governo madrilenho em renegociar a repartição de impostos com Barcelona, o que aumentou a insatisfação geral, mas sobretudo de um setor mais conservador da Catalunha, que pensa estar esta província “financiando” outras mais pobres. Explique-se que a Catalunha é a província mais rica do país, sendo, historicamente, uma das primeiras que se industrializou na Espanha.

A segunda foi a recusa pela Suprema Corte Espanhola em aprovar o novo Estatuto da Autonomia Catalã, aprovado depois de um extenso processo de negociação com o então governo socialista de Zapataro, num julgamento exarado em 2010. A decisão declarava inválido, inclusive, o uso da palavra “nação” no preâmbulo do Estatuto, além de invalidar outros 14 itens.

No embalo deste descontentamento realizou-se uma manifestação no dia 11 de setembro deste ano em Barcelona, que reuniu de 1,5 a 2 milhões de pessoas, segundo diferentes avaliações. No embalo destes movimentos, Más decidiu antecipar as eleições parlamentares, num movimento cujos contornos não eram muito claros, ficando entre a soberania e fortalecer sua posição para renegociar com Madri. Essa ambigüidade ficava clara na proposta que levantou, que era a de realizar, ao invés de um plebiscito vinculante, para o que precisaria de uma validação do Poder Judiciário (que já proibira algo desse tipo no País Basco), uma “consulta não vinculante”, que contornaria o problema.

Porém entre a chamada ao pleito e a sua realização aconteceu a greve geral ibérica e européia de 14 de novembro, com grande adesão na Catalunha, que elevou a temperatura à esquerda. O resultado é que Más plantou e a Esquerda Republicana colheu. Analistas da tendência à soberania dizem também que o eleitorado rejeitou a ambiguidade de Más, preferindo um partido clara e historicamente independentista. É possível. Mas não dá para negar a evidência que a esquerda cresceu em todas as direções, pela soberania e contra ela.

O debate em torno da soberania vai continuar, embora o plano de Más no sentido de chamar a consulta para breve tenha sofrido uma pane. Mas o que o pleito mostra é o crescimento de uma clara insatisfação com a linha “austera” de Rajoy e que hoje predomina na Europa, além de um desejo, ainda que fragmentário, de mudança na direção de uma social-democracia tradicional, do estado de bem-estar social.
 

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