segunda-feira, 26 de novembro de 2012

OS PORTUGUESES SUICIDAM-SE E NINGUÉM OS CONTA

 

Vasco Barreto* - Jornal i, opinião
 
Antes falava-se da “mais alta taxa de suicídio do mundo” de Sabóia como uma característica natural do Baixo Alentejo envelhecido: homens sem ninguém à distância de lhes dar a mão, como sobreiros no montado cujos ramos nunca se tocam. Veio depois a vergonha, quando percebemos que os velhos não deixam de se matar nas cidades, sucede apenas que damos pelo cheiro antes de darmos pela falta.
 
E hoje? Há expectativa quanto aos números, porque está condenada em democracia uma política que leve ao suicídio, como se viu com os despejos forçados em Espanha. Sucede que, nas nossas notícias, é notável a tensão entre o desejo de fazer uma “caixa” e a deontologia. O problema é este: somos bons a calcular variadíssimas taxas de variação homóloga, da natalidade ao preço do bacalhau, mas não sabemos contar suicidas.
 
Segundo o “Público”, para o INE houve menos 60-70 suicídios em 2011 do que em 2010, mas para o Instituto Nacional de Medicina Legal houve mais 110. Em todas as famílias e entre amigos há histórias mal contadas. Uns sabem como foi, outros suspeitam, faz-se um daqueles silêncios que só as crianças têm a coragem de romper. É bom que o nosso pudor não se esgote no sexo; é também bom que ainda haja algum respeito pelo suicídio de figuras públicas. Mas tal como aprendemos que a economia de um Estado não se gere como as contas de casa, é incompreensível que este nosso pudor condicione o conhecimento do número oficial de suicídios.
 
A isto junta-se o – enfim, revoltante – problema dos seguros, não atribuídos em caso de suicídio, o que aumenta as mortes por causa não identificada. Não se trata de saber se nos suicidamos menos do que os gregos, mas de usar estatísticas para definir prioridades. Espanta que, em plena crise, o plano de prevenção do suicídio só seja apresentado daqui a uns dias; lembra as típicas discussões de Julho sobre a prevenção de incêndios. Ou não, se calhar só vamos começar a beber. Ninguém sabe.
 
* Investigador do Instituto Gulbenkian de Ciência. Escreve à segunda-feira
 

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