segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Portugal: POLÍCIAS E JORNALISTAS

 


António Marinho Pinto* – Jornal de Notícias, opinião
 
O visionamento e/ou obtenção, por parte de agentes da PSP, na RTP, de imagens não editadas referentes à manifestação de 14 de novembro em frente à Assembleia da República suscita dois tipos de questões. A primeira tem a ver com a própria PSP, nomeadamente, para se saber sob as ordens de quem atuaram os agentes que se deslocaram à sede daquela empresa pública de Comunicação Social e, concomitantemente, para que fins se destinavam tais imagens ou o seu visionamento. Saber exatamente a finalidade de tal ação policial é importante para se poder avaliar da sua conformidade legal. Saber se a iniciativa dos agentes da PSP era apenas motivada por preocupações de segurança em relação a futuras manifestações ou se estava inserida numa investigação para apurar a responsabilidade criminal pelos factos que as imagens documentavam não é despiciendo ou se era, apenas, a concretização de impulsos individuais de zelo funcional. Antes, pois, de se apreciar o comportamento de quem autorizou o visionamento ou cedeu tais imagens, teríamos de averiguar o fim a que se destinavam para identificarmos quem está por detrás dessa iniciativa policial.
 
Convém, no entanto, frisar que, em Portugal, as polícias não atuam, na investigação criminal, pelo seu livre arbítrio. Atuam sempre sob a direção funcional de um magistrado do Ministério Público, que é a entidade que detém em exclusivo a titularidade da ação penal. Em Portugal não há investigações criminais fora de um processo dirigido por um magistrado do MP, sendo mesmo necessário para a realização de certas diligências a autorização de um juiz e, por vezes até, que certas diligências processuais sejam presididas pelo próprio juiz. Estranha-se, pois, que a Procuradoria-Geral da República ainda não tenha dito nada sobre o caso, designadamente esclarecendo se os polícias atuaram sob as ordens de um procurador no âmbito de um inquérito criminal dirigido por esse procurador.
 
A segunda questão prende-se com a ética e a deontologia jornalísticas, nomeadamente com o sigilo profissional dos jornalistas. Contrariamente ao que muita gente pensa, o sigilo profissional do jornalista não se esgota no dever de proteção da identidade das suas fontes de informação, mas abrange todos os factos ou circunstâncias de que o jornalista tem conhecimento no exercício da sua atividade e que não revistam o interesse público suficiente para serem publicados. No exercício da sua profissão, o jornalista goza de certas prerrogativas com vista à procura da verdade, desde imunidades, facilidades de acesso a certos locais, etc. Tais prerrogativas existem não como direitos laborais, mas sim como garantias da liberdade de informação, que é em si mesma um valor superior do Estado de Direito democrático. Sem liberdade de informação não haverá democracia e, como tal, não haverá Estado de Direito. O Estado só será de Direito se for democrático e só será democrático se for Estado de Direito.
 
Nessa medida, a obrigação de um jornalista colaborar com a Justiça só se pode aceitar quando não ponha em causa os deveres éticos e deontológicos do jornalismo. A liberdade de Imprensa é, numa sociedade democrática, tão importante como a administração da Justiça e, por isso, esta não pode colonizar ou instrumentalizar aquela. O jornalista não pode nunca ser olhado como auxiliar ou colaborador da Polícia ou da Justiça, sob pena de trair os princípios éticos basilares da sua atividade e a confiança de quem com ele se relaciona. Se a Polícia queria imagens da manifestação que as tivesse filmado ela própria e se a lei não lho permite então não pode tornear essa proibição obtendo (para os seus fins policiais) imagens que foram registadas unicamente para efeitos informativos. É escandaloso como certos "jornalistas" se aliam à Polícia e a certos magistrados, criando uma promiscuidade funcional nociva para a justiça e para a própria liberdade de informação.
 
No caso das imagens não editadas da RTP, a Direção de Informação deveria não só ter recusado o seu visionamento e/ou obtenção, mas até opor-se com veemência a qualquer autorização que outrem tivesse dado para esse fim.
 
*Bastonário da Ordem dos Advogados
 

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