Deutsche Welle
Em entrevista à DW,
ministro das Relações Exteriores defende a reforma no Conselho de Segurança das
Nações Unidas para garantir que países emergentes tenham voz na mediação de
conflitos.
O ministro
brasileiro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, participou no domingo
(02/03) da Conferência sobre Segurança em Munique. Durante o encontro, a
Deutsche Welle conversou com Patriota sobre a mudança das relações de poder no
mundo, a posição atual do Brasil e mudanças no Conselho de Segurança das Nações
Unidas.
Deutsche Welle: Por
que o governo brasileiro deseja obter uma cadeira como membro permanente no
Conselho de Segurança das Nações Unidas? Qual é a sua posição sobre esse
assunto?
Antonio Patriota: O
Brasil considera que, em virtude das aceleradas transformações pelas quais
passa o mundo atualmente e que se refletem numa redistribuição de poder
econômico e influência global, é necessário atualizar os mecanismos de
governança, e isso já está acontecendo, por exemplo, no plano das finanças e da
economia, com o surgimento do G20. Na área ambiental e do desenvolvimento
sustentável também estamos discutindo maneiras de fortalecer a governança.
Parece-nos que é chegado o momento de abordarmos com coragem a questão do
Conselho de Segurança, porque, caso contrário, existe um risco de falência do
sistema das Nações Unidas na segurança coletiva.
Quais são as
contribuições específicas do Brasil que fariam do país um candidato a membro
permanente no Conselho de Segurança?
Depois de um
período, que até veio a ser chamado de momento unipolar, no qual os Estados
Unidos desenvolveram certas ações militares, como a intervenção no Iraque em
2003, eu creio que hoje em dia – e essa conferência de Munique reflete esse
estado de espírito –, se está chegando à conclusão de que para muitas questões
internacionais não há solução militar. É necessário dar maior ênfase ao
diálogo, à negociação e à diplomacia. E o Brasil, nesse contexto, traz uma
tradição de capacidade de contribuir para que haja maior confiança entre
interlocutores que estão à beira de um conflito.
Além disso, temos
participado de operações de paz da ONU na África, agora mais recentemente no
Haiti e também no Líbano e consideramos que conhecemos o sistema multilateral.
Junto com o Japão, o Brasil é o país que esteve sentado no Conselho de
Segurança como membro não permanente no maior número de anos, praticamente 1/3
da existência do Conselho de Segurança. Acreditamos que temos uma contribuição
boa a dar para que prevaleça a diplomacia no respeito ao direito internacional.
O senhor acredita
que as potências ocidentais estão perdendo a sua influência global? Nesse
sentindo, como as potências emergentes podem ganhar influência?
Eu não creio que as
chamadas potências ocidentais vão deixar de ter influência no futuro
previsível. Os Estados Unidos continuarão sendo uma força econômica e militar
de primeira grandeza, e a Europa também.
Mas, ao mesmo
tempo, creio que existe um reconhecimento saudável de que Estados Unidos e
Europa sozinhos não são capazes de determinar resultados em situações que
exigem coordenação internacional, sejam elas na esfera econômica e financeira,
sejam elas na esfera da mudança do clima ou meio ambiente, ou também, sejam na
esfera da paz e segurança internacionais.
Nesse sentido, é
importante que outras vozes sejam ouvidas. Eu pude comentar aqui em Munique que
me chamou a atenção o fato de não haver nenhum debate sobre a situação
Israel-Palestina. Isso me parece um equívoco, porque a situação do Oriente
Médio entre palestinos e israelenses está no centro de muitos dos problemas com
os quais a comunidade internacional têm que se debater hoje em dia. E o que nós
vemos é a falência dos esforços de mediação atuais, sejam eles levados a cabo
no chamado quarteto que reúne Estados Unidos, Secretário Geral da ONU, União
Europeia e Federação Russa, ou seja no fato de que o assunto não é sequer
tratado pelo Conselho de Segurança.
Assim, creio que
seria bom, positivo e saudável se outros países como o Brasil, a Índia, a
África do Sul, países que têm boas relações tanto com Israel quanto com o mundo
árabe e a Palestina, pudessem participar de um esforço diplomático coordenado.
O Brasil mudou
muito nos últimos anos. Como essas mudanças internas contribuem para mudar a
imagem do país em um contexto global?
Nesses últimos dez
anos, o Brasil cresceu a taxas elevadas, e a qualidade do crescimento foi
interessante, porque houve distribuição de renda e mais de quarenta milhões de
brasileiros puderam migrar da extrema pobreza para a classe média. Isso nos dá
muita autoridade para interagirmos, sobretudo, com outros países em
desenvolvimento que tenham interesse no tipo de política que nós desenvolvemos
de apoio social, de desenvolvimento rural e também de busca de maior justiça
social.
A sociedade
brasileira é considerada multicultural. Qual a importância dessa questão para o
Brasil e também para a sua diplomacia?
Você tem razão em
sublinhar o aspecto multicultural da sociedade brasileira. Ela foi constituída
por três grupos humanos: europeus, indígenas da América do Sul e africanos que
vieram para o Brasil, sobretudo, através do fenômeno da escravidão, que deixou
uma marca, uma cicatriz na sociedade brasileira que precisa ser superada
através de políticas especiais. Nesse ambiente, que é um ambiente de
comparativa tolerância e convivência harmoniosa – não quero dizer que seja uma
sociedade perfeita, porque nós identificamos que as pessoas de origem africana,
por exemplo, ainda estão menos bem posicionadas em termos de salário e de
capacidade de influência política e econômica –, creio que temos alguma
contribuição a dar na questão do convívio entre etnias, religiões. Também é uma
sociedade muito tolerante e que está, digamos, na vanguarda de outras questões
como a do homossexualismo.
E isso se reflete
também em algumas iniciativas diplomáticas. No ano passado, por exemplo, eu
organizei um seminário que reuniu representantes da diáspora judaica e da
diáspora de origem árabe e palestina num exercício de busca de convergência e
de aproximação, para promover maior compreensão mútua, com vistas,
eventualmente, até mesmo para interagirmos com a juventude palestina e
israelense no Oriente Médio. É uma contribuição modesta, mas eu acho que
reflete bem essa vocação brasileira para o diálogo e para a harmonia entre os
diferentes grupos.
Autor: Kersten
Knipp (cn) - Revisão: Francis França
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