Se aprovado,
ex-militar pode representar uma mudança sutil na política de Defesa do atual
governo
Nos últimos dias,
vem sendo veiculada em todos os Estados Unidos uma propaganda de TV nada
abonadora para Chuck Hagel, ex-senador nomeado pelo presidente Barack Obama
como seu novo secretário de Defesa. Ele se prepara para enfrentar, nesta
quinta-feira (31/01), uma sabatina de confirmação no Senado norte-americano.
Financiada pelo American Future Fund (AFF), organização que “defende princípios
conservadores e de livre-mercado”, a peça publicitária chama a atenção para
supostos conflitos de interesses caso ele de fato assuma o comando do
Pentágono. “Quando era senador, Chuck Hagel recusou-se a divulgar seus bens
ocultos”, diz o narrador. “Hagel aceitou caras viagens oferecidas por lobistas
e doações de campanha de bancos que ele deveria regular”, completa.
A propaganda, que
vai ao ar em canais como Fox News e CNN, revela ainda que o
ex-senador é parte dos conselhos da petrolífera Chevron – que, por sua vez, se
beneficia de contratos com o Pentágono – e de uma empresa que mantém
investimentos no Irã.
Os ataques a Hagel presentes no vídeo do AFF estão focados exclusivamente em
questões éticas. Mas suas motivações são claramente políticas – e isso apesar
de o ex-senador integrar há décadas as fileiras do Partido Republicano.
Desde que seu nome apareceu como provável sucessor de Leon Panetta, no fim do
ano passado, uma campanha de oposição à sua confirmação no cargo vem ganhando
força entre os setores conservadores dos Estados Unidos. Embora sua aprovação
pelo Senado seja o cenário mais provável – possivelmente, por uma pequena
margem –, as manifestações explícitas de desagrado por parte de alguns
parlamentares alertam que há riscos de veto.
Republicano moderado do estado de Nebraska, Hagel é famoso por suas críticas ao
lobby israelense, pela oposição às guerras norte-americanas no Iraque e no
Afeganistão e pela defesa de uma solução negociada no caso da suposta intenção
iraniana de produzir uma bomba atômica. Além disso, é favorável a cortes no
orçamento de Defesa.
Tal perfil poderia
prenunciar alterações na política de Segurança Nacional do governo Obama, que
promoveu trocas de comando nos outros dois postos-chave do setor. No
Departamento de Estado, o senador democrata John Kerry – confirmado pelo Senado
nessa terça-feira (29/01) – substitui Hillary Clinton.
Na CIA, o
presidente norte-americano nomeou John Brennan, que, se aprovado na sabatina
marcada para 7 de fevereiro, assumirá o cargo deixado vago por David Petraeus
após um escândalo sexual.
Análise
Na opinião de analistas ouvidos pelo Opera Mundi, no entanto, a estratégia
fundamental permanecerá a mesma. “Kerry, Hagel e Brennan não são pessoas que eu
escolheria ou que os norte-americanos escolheriam por meio do voto. São
apoiadores da guerra, opositores da lei internacional e servidores do poder”,
afirma o ativista e escritor norte-americano David Swanson, integrante da
organização Democratas Progressistas da América.
Para Jack Hammond, professor de Sociologia da City University, de Nova York,
haverá apenas diferenças de estilo. “De maneira geral, podemos esperar que a
nova equipe permanecerá próxima à Casa Branca e atuará em conjunto”, pontua.
Ele acredita que se Chuck Hagel mantiver suas posições como secretário de
Defesa, poderá exercer alguma influência positiva sobre os rumos do governo.
“A oposição a ele vem de apoiadores linha-dura da política israelense, que
acreditam que os Estados Unidos devem estar preparados para executar uma ação
militar contra o Irã com o objetivo de aniquilar sua capacidade nuclear. Nesse
sentido, se ele for confirmado – como suponho que será –, será um sinal de que
essas forças não são fortes o bastante para fazer Obama adotar uma posição mais
linha-dura”, analisa.
O analista político norte-americano Alex Main é mais otimista. Em sua visão, as
nomeações anunciadas por Obama entre o fim do ano passado e o começo de 2013
parecem confirmar que o presidente dos Estados Unidos esteja focando
crescentemente na limitação do engajamento militar do país no exterior,
particularmente na Ásia Central e no Oriente Médio.
“A mais emblemática e corajosa nomeação é a de Hagel, que foi muito mais
crítico da política de Defesa de Bush que muitos proeminentes democratas,
incluindo Hillary Clinton, quando era senadora. Então, do ponto de vista político,
ele representa uma guinada à esquerda em comparação com os dois secretários de
Defesa anteriores de Obama [Robert Gates e Leon Panetta]”, opina.
Segundo Main, as críticas abertas do ex-senador à influência do lobby
israelense em Washington podem significar que ele esteja preparado para
desafiar o atual governo de Israel, especialmente em relação às ameaças de um
ataque militar ao Irã. “O fato de o presidente ter nomeado um franco defensor
de posições que rompem claramente com as orientações da política para a Defesa
dos últimos 12 anos sugere que podemos antecipar mudanças significativas nessa
política.”
Oposição no Senado
Nesta quinta-feira, Hagel será sabatinado no Senado dos Estados Unidos pelo
Comitê de Serviços Armados, cuja composição é de 14 democratas e 12
republicanos. Após a votação desses 26 parlamentares – que pode ocorrer em
alguns dias – o nome do secretário de Defesa nomeado por Obama ainda tem de ser
aprovado pelo plenário da Casa.
Muitos integrantes republicanos do Comitê já anunciaram – aberta ou veladamente
– ser quase certo votarem contra a nomeação do ex-senador, entre eles Ted Cruz,
Marco Rubio, Lindsay Graham, Kelly Ayotte e John McCain, concorrente de Obama
nas eleições presidenciais de 2008.
“Há muito tempo ele rompeu seus laços com o Partido Republicano. Sua nomeação é
um tapa do presidente na cara de todos nós que apoiamos Israel”, disse Graham
no dia 7. Em entrevista à CNN, o senador afirmou acreditar que Hagel, se
confirmado, “seria o secretário de Defesa mais antagonista de Israel da
história de nossa nação”. O problema para o indicado de Obama é ainda maior
porque se especula que, pressionados pelo lobby judeu, mesmo integrantes
democratas do Comitê de Serviços Armados podem vetá-lo.
“Hagel é um político diferente de um militar. Portanto, sua característica deve
ser a habilidade de costurar tanto apoio interno – dentro do Congresso, espaço
importante da formulação da política externa dos Estados Unidos – quanto no
âmbito diplomático”, analisa o sociólogo Reginaldo Nasser, professor de
Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC-SP).
Segundo ele, no entanto, Hagel precisaria de um apoio maior no parlamento
norte-americano para conseguir enfrentar o lobby israelense – algo muito
difícil de acontecer. “Se por um lado suas posições representam um sinal
importante, por outro a política dos Estados Unidos para Israel não sofreu
alteração alguma durante os últimos 30 anos. Não é impossível, mas é difícil
acreditar que possa acontecer uma mudança como essa”, pondera.
Brennan e Kerry
Quase tão polêmica quanto a nomeação de Hagel para o Pentágono é a de Brennan
para o comando da CIA – nesse caso, porém, a oposição vem de setores mais
progressistas. Funcionário da agência de inteligência norte-americana há 25
anos, ele é desde 2009 o principal assessor de contraterrorismo de Obama. É
considerado um dos responsáveis pela operação de assassinato de Osama bin Laden
em 2011 e um dos principais mentores da polêmica política de assassinatos
seletivos por meio do uso de aviões não tripulados, os chamados drones.
Chegou a ser cotado para o cargo no início do primeiro mandato do atual
presidente, mas retirou seu nome em meio a questionamentos sobre sua suposta
ligação com as criticadas técnicas de interrogatório utilizadas contra
suspeitos de terrorismo, incluindo o afogamento. Ele nega o envolvimento.
“Brennan mentiu sobre o ataque a Osama bin Laden e geriu o programa de
assassinatos por drones de fora da Casa Branca e, portanto, livre de qualquer
supervisão do Congresso. Ele foi o Dick Cheney [vice-presidente de Bush,
conhecido por seu militarismo linha-dura] do Obama. Brennan foi considerado
inaceitável há quatro anos por causa do seu apoio à tortura. Agora, ele é mais
aceitável; o que nos mostra para qual direção os Estados Unidos estão voltados”,
critica David Swanson.
De qualquer forma, na avaliação de Reginaldo Nasser, o possível novo comandante
da CIA não será definidor de políticas e estratégias. “De técnicas, de táticas,
para lidar com a questão do terror, isso sim. Mas a definição de grandes
objetivos políticos, a médio e longo prazo, não viria dele, e sim do Pentágono,
que desde o 11 de Setembro tem se credenciado mais para isso do que
propriamente a CIA”, analisa.
Sobre John Kerry, Jack Hammond não acredita que haverá diferenças significativas
em relação à Hillary Clinton. “Notavelmente, Hillary atuava mais com uma pessoa
independente e de alto perfil do que o normal para uma secretária de Estado,
chamando mais atenção para si. É menos provável que Kerry faça isso”, opina.
O professor da City University lembra que nos anos 1970, como veterano da
Guerra do Vietnã, ele depôs sobre as violações de direitos humanos cometidas
por soldados norte-americanos contra civis vietnamitas. “Em seus primeiros anos
no Congresso e no Senado ele defendeu visões pacifistas. Mais experiente, e
especialmente em sua campanha presidencial de 2004, teve muito menos vontade de
se opor ao militarismo. Não tenho muita expectativa de que ele irá se
distanciar da linha ‘pragmática’ de Obama, relutante a usar a força militar,
mas disposto a fazê-lo quando parece ser politicamente necessário.”
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