Die Welt, Berlim – Presseurop – imagem Sondron
Acusada de ter
mantido a cabeça enterrada na areia no início da crise, a França acaba de ver o
seu rating cortado pela Moody’s e torna-se assim o paciente mais preocupante da
Europa. Mas a elite política francesa persiste em fechar os olhos, afirma um escritor
alemão, nas colunas do diário conservador Die Welt.
Estranho: há anos
que economistas e sociólogos se debruçam sobre a cabeceira dos países em crise
do Sul da Europa e nos comunicam em seguida as más notícias, cada uma delas
mais preocupante do que a outra. E, ao longo de todo esse tempo, continuam a
massacrar-nos os ouvidos com discursos sobre a "Kerneuropa" [o núcleo
duro da Europa], que continua a funcionar graças a um "motor
franco-alemão" sem falhas.
Entretanto, tendo
em conta a competitividade constantemente a meia haste e a dívida pública
astronómica da França (que ascende agora aos 90% do seu PIB), coloca-se uma
questão: estaremos perante uma cegueira ingénua generalizada ou perante o que
poderá ser a última vitória demasiado cara de uma arte francesa – a de criar
cortinas de fumo?
Como foi que ninguém
olhou mais de perto? Há duas semanas, Louis Gallois, antigo diretor da EADS,
apresentou involuntariamente uma explicação indireta, ao expor a sua análise
impiedosa da economia francesa e ao apelar a reformas drásticas. É conveniente
um "choque de confiança", poetizou o homem que, em tempos, fez
carreira graças a lucrativos contratos públicos. Os seus tremidos de voz sobre
a crise soavam uma vez mais como uma mistura de bolchevismo e de elegância de
mau gosto, o que é a especialidade de Arnaud Montebourg, mata-mouros declarado
da globalização e "ministro da Reconstrução Produtiva" de condição.
Dirigentes
elitistas e incompetentes
"O estilo é o
homem", escreveu um dia Madame de Staël. A sociedade francesa dá a
impressão de estar bloqueada em modo "tagarelice". O casamento de
Nicolas Sarkozy interessava mais, durante os cinco anos do seu mandato, do que
o seu desprezo sem disfarce relativamente à repartição democrática dos poderes,
ou do que o desvio escandaloso dos serviços secretos para vigiar os últimos jornalistas
críticos do país (em França, os órgãos de comunicação na Internet e em papel
são subsidiados em milhões – entre eles alguns tabus previsíveis).
Mas um artigo,
mesmo que escrito por membros do microcosmo parisiense, deve respeitar
fronteiras claramente traçadas. Se fosse de outro modo, talvez tivesse sido
possível observar que, apesar do desemprego em massa, Monsieur Montebourg*
estava sobretudo preocupado em instalar a sua deslumbrante esposa na cadeira de
diretora da lendária revista musical Inrocks. Além disso, poder-se-ia ter
recordado ao atual ministro dos Negócios Estrangeiros, Laurent Fabius, o seu
passado de ministro de François Mitterrand: na época, três mil franceses
receberam sangue contaminado, com pleno conhecimento de causa, nos centros de
transfusões sanguíneas; Laurent Fabius e os seus ministros foram posteriormente
branqueados por uma justiça independente só em parte, mas muitas vítimas
morreram depois disso.
Não é preciso
ser-se um anglo-saxon* [anglo-saxão] que odeia o Estado (o insulto é mais grave
na França atual do que o epíteto "boche" em tempos reservado aos
alemães) para se ver o potencial explosivo deste recalcamento conjugado do
presente e do passado e para se ver na persistência de dirigentes, tão
elitistas quanto incompetentes, um fator determinante da crise.
Estado ameaçado de
falência
As verdadeiras
opções não são muitas. Em França, não há social-democracia, nem democracia
cristã, e portanto a esquerda e a direita são unidas sobretudo pelo seu gosto
pelo estatismo, pela sua minimização das iniciativas privadas da classe média e
por um protecionismo pregado por todos, que assenta sem vergonha no discurso
anticapitalista de "l’égalité toujours*" [igualdade sempre].
Entretanto, as exportações francesas recuam, o desemprego explode, o
antissemitismo dos muçulmanos grassa nos bairros periféricos, a segurança
social está à beira do abismo e o Estado está ameaçado de falência.
Onde estão pois os
ensaístas franceses, que deveriam acertar contas com a deriva quase comunista
do seu país? Onde estão os politólogos que deveriam remeter-nos para a
separação de poderes cara a Montesquieu e analisar em profundidade as relações
estabelecidas entre as instituições?
É precisamente a
sociedade do país que viveu o ano de 1968 mais problemático que, de todas as
sociedades da Europa Ocidental, se manteve mais autoritária. Ainda hoje, a
imensa maioria dos jovens diz que quer ser "fonctionnaire*"
[funcionário], um lugar de betão num aparelho administrativo que esses jovens
odeiam tanto quanto amam! Entretanto, os cinemas continuam a apresentar
comédias sentimentais completamente no espírito do grande sucesso que foi Le
Fabuleux destin d’Amélie Poulain [O Fabuloso Destino de Amélie]: o regresso
sonhado ao hortus conclusus, ao paraíso gaulês onde o beaujolais continua a ser
famoso e onde até a baguette* é subsidiada.
* em francês no
original
Visto de Paris
Perder o triplo AAA
é uma boa notícia!
Na madrugada de 19
para 20 de novembro, a
agência de notação Moody’s baixou a nota dada às obrigações que o Tesouro
francês emitiu para obter financiamento nos mercados: a França perdeu o seu
triplo A e tem agora a classificação de Aa1. “Será realmente uma má notícia?”, questiona
o editorialista de Les Echos. “Correndo o risco de surpreender e de parecer
paradoxal e irónico, apetece-me dizer que também é uma boa notícia”:
Importante é que
esta decisão da Moody’s vai obrigar a França a reagir, a adaptar-se. A Moody’s
refere a perda de competitividade da nossa economia, a rigidez do mercado de
trabalho e de bens e serviços, a situação orçamental e a nossa dificuldade em
resistir a novos choques na zona euro, visto que as nossas trocas comerciais
não são em número suficiente com os países emergentes. [...] Além disso, é
apontada a nossa incapacidade de manter compromissos a longo prazo (30 anos de
desemprego e défice público).
O Governo pensava
que tinha tempo, mas não tem. Evitou o choque e agora apanhou um eletrochoque.
[...] Há dez dias que anda nas nuvens. Boa recetividade do relatório
Gallois [sobre a competitividade da indústria francesa] e das medidas que
se seguiram, bom indicador de crescimento para o 3º trimestre. [...] Bom,
acabou-se!
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