quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Portugal: GASPAR MÃOS DE TESOURA

 
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Paulo Ferreira – Jornal de Notícias, opinião
 
A fúria recoletora do ministro das Finanças cedeu, oficialmente, o passo à fúria pelo corte na despesa. Até agora, Vítor Gaspar andou com um saco às costas à cata de tudo o que cheirasse a imposto.
 
A partir de agora, andará com uma tesoura semelhante à que os alfaiates usam para cortar o tecido antes de compor o fato. Com ela, o ministro das Finanças deseja entrar pelas gorduras do Estado adentro. Resta saber se, primeiro, a mão que segura a tesoura terá força suficiente para cortar o tecido e, mais importante, se terá a sensibilidade do alfaiate para não rasgar com violência o caríssimo pano.
 
A notícia mais importante saída da conferência de imprensa em que o todo-poderoso ministro anunciou a aprovação, pela troika, do sexto exame regular ao "bom aluno" foi esta: alguém explicou a Vítor Gaspar que a coleta de impostos atingiu o limite. Vale o mesmo dizer: alguém lhe disse que, esgotado esse caminho (deu no que todos sentimos na pele e que a estatística oficial se encarrega de confirmar), chegou a altura de saltar para o lugar de onde se vislumbra o "monstro" - a despesa.
 
E Vítor Gaspar saltou. Numa primeira espreitadela, já tinha reparado que não é possível manter o famoso Estado Social tal como ele está, sob pena de o esforço em curso valer zero no médio prazo. Agora, num olhar mais cuidado, o ministro das Finanças percebeu que não basta aplicar aí a tesoura: também o tecido da Função Pública vai ter de levar uns valentes cortes.
 
Gaspar não o disse explicitamente na conferência de imprensa, mas o aviso aos funcionários públicos foi claro - o Estado não tem lugar para muitos milhares dos seus atuais trabalhadores, por isso vai empurrá-los para uma bolsa de disponíveis, onde uma de duas coisas acontecerá: o salário vai descendo até ao limite do insuportável, ou, em alternativa, o funcionário disponível sai, procura melhor sorte no privado e alivia o Estado. E quem tiver a sorte de ficar sob o chapéu do Estado vai ter de trabalhar mais.
 
Junte-se a isto o facto de o Governo querer mexer, finalmente, na economia (mudança radical no IRC, criação de um banco de fomento parta injetar liquidez nas empresas, etc.) e percebe-se o alcance da declaração de Vítor Gaspar: "Se soubesse o que sei hoje, teria feito coisas diferentes". A sério?
 
Sobram, pelo menos, dois ligeiros problemas. Não é líquido, longe disso, que este súbito amor pela economia chegue a tempo de nos salvar. E também não é líquido, longe disso, que a discussão sobre o Estado Social se faça em três meses, como pretende o Governo.
 
Líquido, isso sim, é que a estratégia até agora adotada pelo Governo está esgotada. Líquido, isso sim, é que os motores da economia estão enregelados. Líquido, isso sim, é que continuamos mais perto do Terceiro Mundo do que do primeiro.
 

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