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Paulo Ferreira –
Jornal de Notícias, opinião
A fúria recoletora
do ministro das Finanças cedeu, oficialmente, o passo à fúria pelo corte na
despesa. Até agora, Vítor Gaspar andou com um saco às costas à cata de tudo o
que cheirasse a imposto.
A partir de agora,
andará com uma tesoura semelhante à que os alfaiates usam para cortar o tecido
antes de compor o fato. Com ela, o ministro das Finanças deseja entrar pelas
gorduras do Estado adentro. Resta saber se, primeiro, a mão que segura a
tesoura terá força suficiente para cortar o tecido e, mais importante, se terá
a sensibilidade do alfaiate para não rasgar com violência o caríssimo pano.
A notícia mais
importante saída da conferência de imprensa em que o todo-poderoso ministro
anunciou a aprovação, pela troika, do sexto exame regular ao "bom
aluno" foi esta: alguém explicou a Vítor Gaspar que a coleta de impostos
atingiu o limite. Vale o mesmo dizer: alguém lhe disse que, esgotado esse
caminho (deu no que todos sentimos na pele e que a estatística oficial se
encarrega de confirmar), chegou a altura de saltar para o lugar de onde se
vislumbra o "monstro" - a despesa.
E Vítor Gaspar
saltou. Numa primeira espreitadela, já tinha reparado que não é possível manter
o famoso Estado Social tal como ele está, sob pena de o esforço em curso valer
zero no médio prazo. Agora, num olhar mais cuidado, o ministro das Finanças
percebeu que não basta aplicar aí a tesoura: também o tecido da Função Pública
vai ter de levar uns valentes cortes.
Gaspar não o disse
explicitamente na conferência de imprensa, mas o aviso aos funcionários
públicos foi claro - o Estado não tem lugar para muitos milhares dos seus
atuais trabalhadores, por isso vai empurrá-los para uma bolsa de disponíveis,
onde uma de duas coisas acontecerá: o salário vai descendo até ao limite do
insuportável, ou, em alternativa, o funcionário disponível sai, procura melhor
sorte no privado e alivia o Estado. E quem tiver a sorte de ficar sob o chapéu
do Estado vai ter de trabalhar mais.
Junte-se a isto o
facto de o Governo querer mexer, finalmente, na economia (mudança radical no
IRC, criação de um banco de fomento parta injetar liquidez nas empresas, etc.)
e percebe-se o alcance da declaração de Vítor Gaspar: "Se soubesse o que
sei hoje, teria feito coisas diferentes". A sério?
Sobram, pelo menos,
dois ligeiros problemas. Não é líquido, longe disso, que este súbito amor pela
economia chegue a tempo de nos salvar. E também não é líquido, longe disso, que
a discussão sobre o Estado Social se faça em três meses, como pretende o Governo.
Líquido, isso sim,
é que a estratégia até agora adotada pelo Governo está esgotada. Líquido, isso
sim, é que os motores da economia estão enregelados. Líquido, isso sim, é que
continuamos mais perto do Terceiro Mundo do que do primeiro.
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