quarta-feira, 21 de novembro de 2012

O MUNDO EM CRISE

 

Mário Soares – Diário de Notícias, opinião
 
1-Ao contrário do que escreveu o Courrier International, de 17 do corrente mês, intitulado "Um novo mundo" e com subtítulo "Barack Obama e Xi Jinping, dois líderes para desenhar o planeta de amanhã", eu acho, sem ser pessimista, que, pelo contrário, o mundo do futuro próximo está em crise e muito grave. Porquê? Porque tanto os Estados Unidos como a China estão em crise. E vão ter de a vencer, antes que possam entre ambos entender-se para criar "um novo mundo": os Estados Unidos porque ainda não ultrapassou a crise financeira e económica, com que contaminou a União Europeia e não só a Zona Euro, embora esteja mais perto de o conseguir do que a própria Europa. E a China, cuja corrupção foi em grande parte reconhecida e criticada abertamente no recente Congresso de Pequim do Partido Comunista Chinês, mudou de líderes, é verdade, mas são da mesma formação, que terão de vencer a corrupção existente - o que não é nada fácil - e fazer reformas políticas e sociais que são muito difíceis de implantar, sem darem origem a conflitos sociais graves.
 
Depois, temos a crise da Zona Euro, cada vez mais profunda e grave, sobre a qual escreverei mais adiante. Mas temos também o Médio Oriente, que está em conflitos latentes, como é o caso da Síria. Um exemplo de enorme mortandade diária que está a agravar-se sem remédio à vista, contando o ditador Bashar al-Assad com o apoio da Rússia e da China (gravíssimo por paralisar a ONU); o retorno inesperado do conflito entre Israel e a Palestina, na Faixa de Gaza, que constitui um perigo imenso de guerra, com o emprego de mísseis cruzados; o Afeganistão, uma guerra infindável que continua, sem paz à vista; o Irão e o Iraque, com a luta entre sunitas e xiitas; o terrorismo da Al Qaeda, que, apesar da morte de Ben Laden e de um dos seus sucessores, Ahmed al-Jabari, continua a atuar, sobretudo no Norte de África, onde a "primavera democrática" está a dar lugar à luta entre as religiões e os militares, no caso do Egito, e a afastar-se na Líbia e até na Tunísia da democracia anunciada.
 
A Ásia também tem problemas graves, que começam a manifestar-se entre a China, o Japão e Taiwan e entre as duas Coreias, um conflito que parece eternizar-se.
 
A Índia, que é um dos países emergentes, tem crescido muito economicamente, mas sofre ainda de grandes desigualdades sociais, que são acentuadas com o problema das castas que subsiste. Outro país dito emergente com problemas é a Rússia de Putin, que voltou à presidência e tem dificuldades com a classe política em exercício, onde a corrupção reina. Um exemplo é a atual demissão imposta por Putin do ministro da Defesa, Anatoli Serdiukov, por essa mesma razão.
 
Depois, desde o fracasso da Conferência de Copenhaga, onde os grandes Estados deixaram cair as medidas para defesa do Planeta, ameaçado pelo aquecimento global e pela lixeira que os oceanos se estão a tornar, que provocam os tufões, os tsunamis, os terramotos e as catástrofes ditas naturais, que começam a multiplicar-se em todos os continentes. Os grandes interesses económicos planetários impõem-se à defesa do Planeta, ameaçando, no pior sentido, talvez sem remédio, o futuro das novas gerações...
 
Tudo isso é consequência de uma globalização desregulada e de uma ideologia neoliberal, mais grave do que foi, no século passado, a ideologia comunista. Por isso é preciso denunciá-la, onde quer que se manifeste.
 
Note-se que a ONU, em que se depositou tanta esperança, no século passado, também está paralisada nos últimos anos, pelo exercício de veto, mas não só por isso. Porque não há vontade política para combater os grandes interesses económicos. E assim o mundo do futuro se está a tornar cada vez mais uma incógnita que, a não ser corrigida, vai custar caro à Humanidade.
 
2-SINAIS DE MUDANÇA NA EUROPA A palavra austeridade, que a chanceler alemã simbolizou, nos últimos dois anos, e que as instâncias dirigentes europeias perfilharam (a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, este com algumas críticas, reconheça-se), tem vindo a verificar-se que não conduziu a nada de bom para resolver a crise e, pelo contrário, só faz subir a recessão económica dos Estados vítimas e, em consequência, o desemprego. Os Estados mais pequenos foram as maiores vítimas dos mercados usurários, como, por ordem cronológica: a Grécia, a Irlanda e Portugal. Se a Alemanha tivesse atuado a tempo, entrando com dinheiro para desenvolver as economias dos países referidos, o problema estaria hoje resolvido. Mas não foi o que aconteceu. A Alemanha e os Estados que a seguiram deixaram que os responsáveis europeus, talvez para permanecer nos seus lugares, se mantivessem paralisados, entre discursos e cimeiras completamente inúteis.
 
Entretanto, como se esperava, a crise alargou-se a duas importantes economias: a Espanha e a Itália. E, ao que parece, à própria França, que está já em recessão, bem como, agora, à Zona Euro, toda ela em recessão, com a subida em flecha do desemprego. Contra o que sucede com os Estados da União que não pertencem à Zona Euro. A própria Alemanha vai ter em 2013 uma queda grave, com a recessão e o desemprego a subir. É inevitável!
 
É essa situação que vai obrigar, penso eu, a mudar de rumo para que a União Europeia e o euro não caiam no abismo, como avisou Helmut Schmidt. Acabar com a austeridade e as manobras das troikas e mudar de paradigma - como está a fazer a América de Obama - é a única forma de relançar o crescimento económico e de baixar o flagelo do desemprego. Quanto ao dinheiro, basta pôr a máquina que fabrica o euro a trabalhar e depois se verá...
 
Daí a motivação - e as manifestações - que por toda a Europa estão a suceder contra a austeridade, por levarem à recessão e ao desemprego e para obrigar os mercados a obedecer aos Estados, mantendo a concertação social, acabando com as troikas (que estão ao serviço dos grandes interesses), sem medo de que isso dê lugar a alguma inevitável inflação. É o único caminho possível para nos tirar da crise, como disse, com toda a razão, a Presidente Dilma, do Brasil, no encontro Ibero-Americano de Cádiz, na presença do Presidente português e do primeiro-ministro, Passos Coelho, que não se atreveram a responder. Apesar da Presidente Dilma denunciar como um erro colossal as medidas de austeridade, que só levam os países que as utilizam, como é o ensinamento latino-americano, à pior recessão e ao flagelo do desemprego...
 
3-AS SONDAGENS VALEM O QUE VALEM... É certo. Mas a última sondagem revelada pelo Expresso, de sábado último, foi de tal modo reveladora da péssima situação em que nos encontramos que se tornou, ao que parece, propositadamente ignorada pelas rádios, televisões, jornais e pelos comentadores do costume. Permito-me, por isso, dizer aos leitores - que a não leram ou o fizeram em diagonal - a conclusão que pode retirar-se da sondagem (que vale o que vale, repito) sobre o estado em que se encontram os partidos da coligação e da oposição e a fraqueza incomensurável em que está o Governo e a atual coligação.
 
Trata-se de uma sondagem, publicada pelo Expresso de sábado, feita pela reputada agência Eurosondagem. O PS, que se manifestou claramente, ao cabo de um ano e meio de Governo, contra a política de austeridade, é hoje o maior partido (35%), seguido pelo PSD (26,9%) - não confundir com o Governo -, uma vez que uma percentagem considerável de quadros do PSD não está com o Governo, como se verá. O PP-CDS, o outro partido da coligação, mantém-se, estranhamente, com 10,1%, seguido muito de perto pelo PCP, 10%, e pelo Bloco de Esquerda, 9,5%.
 
Contudo, o mais interessante da sondagem está na popularidade ou na contrapopularidade dos líderes partidários, que não condiz com a dos partidos. Seguro, líder do PS, é o mais popular, 15,2%, seguido de Paulo Portas, o que é curioso, 13,9%, Francisco Louçã, 8,8%, Jerónimo de Sousa, 5,6%, o Presidente, Cavaco Silva, 4,2% e, finalmente, pelo primeiro-ministro, Passos Coelho, -0,4%. Quanto às instituições, a Assembleia da República representa -4,5%, o Ministério Público, -17,4%, o Governo, -20,5%, e os Juízes, -23,8%. Se a sondagem estiver certa, Governo e Justiça andam pelas ruas da amargura!
 
Talvez por os resultados serem tão maus para o Governo é que a sondagem, no seu conjunto, tenha sido tão pouco comentada... Mas, que diabo, o primeiro-ministro com -0,4% de popularidade e o seu Governo -20,5% é caso para nos perguntarmos: o que espera o Governo para se demitir, sendo certo que sabe bem que o próximo ano de 2013 - com esta política de austeridade - será muito pior do que o atual...?
 
4-AS UNIVERSIDADES PÚBLICAS EM FÚRIA Estão a cortar os fundos às universidade públicas, que atingiram um grau de competência verdadeiramente excecional, só comparado às melhores universidades estrangeiras. Os reitores e os professores em geral estão em fúria e já ameaçaram que terão de interromper os seus trabalhos escolares, nos primeiros meses do próximo ano. Os estudantes - os melhores - veem-se obrigados a emigrar, como aconselhou o primeiro-ministro. Trata-se de uma calamidade nacional, visto que sem conhecimento nada progride e ficaremos confrontados com um recuo civilizacional de muitos anos. Penso no anterior ministro, professor Mariano Gago, que tanto esforço fez em favor da Ciência, do Conhecimento e das Universidades. Tudo isso se irá perder, por causa da maldita austeridade, que só é aplaudida pelos grandes interesses económicos, que ganham com os mercados usurários e que mandam nas troikas.
 
O ministro da Educação, que, ao que dizem, é um ilustre matemático, não pode calar-se, sob pena de estragar a sua reputação.
 
5-UMA HOMENAGEM MERECIDA O Grémio Literário, que conta três séculos de história, criado no século XIX por figuras como Alexandre Herculano e Almeida Garrett, entre outras igualmente ilustres, resolveu homenagear o grande crítico e historiador de Arte, doutorado na Sorbonne, José-Augusto França, no dia em que celebrou 90 anos, em perfeita lucidez. Estive lá, com minha mulher, que aliás integra o Conselho Literário do Grémio.
 
Conheço e sou amigo de José-Augusto França desde a nossa comum juventude. Nunca fomos íntimos, porque as nossas vidas foram muito diversas. Mas sempre o admirei, pelo seu extraordinário sentido crítico, em matéria de Arte e de História, e pelos inúmeros livros que publicou em português e em francês. Foi, para mim, um grande gosto passar com ele - e sua mulher - o jantar dos seus 90 anos, rodeado de amigos, muitos dos quais também são meus, com tão boa disposição e juventude de espírito...
 

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