Alfredo Barroso –
Dinheiro Vivo, opinião
Morreu Margaret
Thatcher, uma das principais responsáveis pela contra-revolução neoliberal que
há mais de 30 anos vem devastando os regimes democráticos ocidentais,
distorcendo a economia, tornando as sociedades democráticas cada vez mais
desiguais, destruindo a coesão social, impondo o «casino da especulação
monetária» e a ditadura dos mercados financeiros globais que hoje mandam em
nós.
Morreu, além disso,
a amiga de Pinochet, um dos ditadores mais sanguinários e corruptos da América
Latina, que permitiu que o Chile se tornasse banco de ensaio das políticas
ultraliberais preconizadas pela famigerada «escola de Chicago» e levadas a cabo
pelos «Chicago boys», apadrinhados por Milton Friedman e Friederich von Hayek,
figuras tutelares do pensamento de Margaret Thatcher, além da mercearia do
pai.
Não faço esta
acusação de ânimo leve. São factos conhecidos, designadamente a sua acendrada
admiração por Augusto Pinochet, como se projectasse nele aquilo que ela
desejaria impor, mas nunca poderia conseguir, na velha democracia inglesa. Há
muitas fotos em que aparecem ambos sorridentes, lado a lado, quer quando o
ditador estava no poder, quer quando o detiveram em Londres na sequência do
pedido de extradição efectuado pelo juiz espanhol Baltazar Garzon, que o acusou
de ser responsável, durante a ditadura, pelo assassínio e desaparecimento de
vários cidadãos espanhóis.
Esta mulher a quem
chamaram «dama de ferro», como poderiam ter chamado «de zinco» ou «de chumbo»,
nutria um profundo desprezo pelos grandes intelectuais ingleses do seu tempo,
designadamente Aldous Huxley, John Maynard Keynes, Bertrand Russell, Virgínia
Woolf e T. S. Eliot, conhecidos como o «círculo de Bloomsbury» (do nome do
famoso bairro londrino de editores e livreiros e de boémia intelectual). A frustração
dela perante o talento e a inteligência que irradiavam deles, e que ela não
conseguia captar, levaram-na a considerá-los «intelectuais estouvados, que
conduziram o Reino (Unido) pelos caminhos nada recomendáveis da segunda metade
do século XX». Ao diabo as «literatices» da «clique de Bloomsbury», dizia ela.
«O meu Bloomsbury foi Grantham» (onde o pai tinha a famosa mercearia) (…) Para
compreender a economia de mercado, não há melhor escola do que a mercearia da
esquina». Deve ser por isso que as mercearias estão a falir…
Thatcher
considerava «a distância entre ricos e pobres perfeitamente legítima» e
proclamava «as virtudes da desigualdade social» como motor da economia. A
verdade dos números é, no entanto, bastante diferente. Como salienta John Gray,
um dos mais importantes pensadores contemporâneos, na Grã-Bretanha da chamada
«dama de ferro» os níveis dos impostos e das despesas públicas eram tão ou mais
altos, ao fim de 18 anos de governos conservadores, do que quando os
trabalhistas deixaram o poder, em 1979. Ao mesmo tempo, nos EUA de Ronald
Reagan, co-autor da «contra-revolução neoliberal», o mercado livre e
desregulado destruiu a civilização de capitalismo liberal baseada no New Deal
de Roosevelt, em que assentou a prosperidade do pós-guerra.
Convém dizer que
John Gray, autor de vários livros editados em português, entre os quais Falso
Amanhecer (False Dawn), chegou a ser uma das figuras dominantes do pensamento
da chamada «Nova Direita», que teve uma grande influência nas políticas que
Thatcher pôs em prática.
Mas ficou desiludido e alarmado com as terríveis
consequências dessas políticas e tornou-se um dos críticos mais lúcidos e
implacáveis dos «mercados livres globais», cuja desregulação tem causado os
efeitos mais perversos nas sociedades contemporâneas, provocando a
desintegração social e o colapso de muitas economias. O capitalismo global
parece funcionar, segundo Gray, de acordo com as regras da selecção natural,
destruindo e eliminando os que não conseguem adaptar-se e recompensando, quase
sempre de maneira desproporcionada, os que se adaptam com sucesso. Estas são,
logicamente, as inevitáveis consequências do pensamento de Thatcher, ao pôr em
prática «as virtudes da desigualdade social» como motor da economia.
A pesada herança de
Margaret Thatcher, tal como a de Ronald Reagan - adoptadas não apenas pela
direita ultraliberal, mas também por uma certa esquerda neoliberal (Tony Blair,
Gerhard Schröder e alguns discípulos da Europa do Sul, designadamente
lusitanos) - é esta crise brutal em que a UE e os EUA estão mergulhados há já
cinco anos. E o mais terrível é que é o pensamento dos principais responsáveis
por esta crise que continua e prevalecer na maioria dos governos que prometem
acabar com a crise através da austeridade, do empobrecimento dos cidadãos e do
confisco dos seus direitos sociais. Thatcher foi um ser maléfico e não deixa
saudades.
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