segunda-feira, 15 de abril de 2013

UNIÃO EUROPEIA, UM BARCO À DERIVA




Com a zona do euro em recessão no ano passado e provavelmente neste também, com países fora da órbita do euro, como o Reino Unido, igualmente em situação de contração econômica, está claro que o Plano A (Austeridade) está fazendo água, mas uma mistura de visões ideológicas e preferência política atuam como trava para formular uma alternativa. O artigo é de Marcelo Justo, direto de Londres.

Marcelo Justo – Carta Maior

Londres – A União Europeia é um barco à deriva no qual não há acordo sequer sobre o tipo de salva-vidas a usar em caso de naufrágio. Na reunião dos ministros de finanças europeus, em Dublin, ficou claro que Chipre terá que se virar como puder com sua crise e que o esforço se concentrará em evitar o contágio sem que se avance um centímetro na questão central do problema: o crescimento econômico. O avanço mais positivo do encontro – o combate aos paraísos fiscais – encontrou a oposição cerrada da Áustria a uma medida reclamada pelas ONGs que lutam contra a evasão fiscal: o intercâmbio automático de informação sobre as contas bancárias.

A falta de rumo na União Europeia ficou clara quando os ministros tomaram como base de suas discussões um estudo encomendado a um think-tank, o Zsolt Darvas, de Bruxelas, para ver o que podia ser feito para estimular o crescimento. Com a zona do euro em recessão no ano passado e provavelmente neste também, com países fora da órbita do euro, como o Reino Unido, igualmente mergulhados em uma contração econômica, está claro que o Plano A (Austeridade) está fazendo água, mas uma mistura de visões ideológicas e preferência política atuam como trava para formular uma alternativa.

Segundo disse à Carta Maior John Bowler, diretor de risco-país da Unidade de Inteligência do semanário britânico The Economist, tudo dependerá do governo da chanceler Angela Merkel. “A Alemanha insiste que a periferia tem que colocar suas contas fiscais em ordem e é muito reticente em concordar que isso seja um objetivo de longo prazo e que no curto prazo seja adotada uma estratégia diferente porque a austeridade fiscal está provocando mais problemas do que soluções ao aprofundar a recessão e impactar negativamente a arrecadação. O tema é que a Alemanha tem que prestar contas ao seu próprio eleitorado em um ano de eleições”, observou Bowler.

As eleições alemãs são em setembro e não há garantia de que apontem um resultado que incline a balança na direção de um Plano B. A zona do euro tem tempo para isso? O debacle do Chipre deixou claro que a afirmação de Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE), de que utilizaria todo o poder que tem em suas mãos para salvar o euro, serviu para conter a sangria em agosto do ano passado, mas não representa uma cura definitiva.

Em Dublin, os ministros de finanças da União Europeia estimaram que o custo total da debacle cipriota é de 23 bilhões de euros, cerca de 7 bilhões a mais do inicialmente previsto, e deixaram claro que não colocariam um euro a mais sobre a mesa: Chipre deverá se encarregar de cobrir essa diferença. Por seu peso específico, uma queda de Chipre não pode colocar em perigo o euro: o temor é a possibilidade de contágio. Em sua tentativa de abrir o guarda-chuva ante uma iminente tormenta, os ministros de finanças decidiram prolongar o prazo de Portugal e Irlanda para pagar os empréstimos da Troika (Banco Central Europeu, FMI e Comissão Europeia) até 2020: sete anos além do que havia sido acordado.

No caso de Portugal não está claro se isso é suficiente. A recente resolução da Corte Suprema que declarou inconstitucional a redução salarial e da aposentadoria dos funcionários públicos colocou sobre as cordas o plano de austeridade pactuado com a Troika. O primeiro ministro conservador Pedro Passos Coelho indicou que o país se encontrava em uma “emergência financeira” e teria que fazer novos cortes para ter acesso aos fundos de resgate. O ex-primeiro ministro Mario Soares, chave na transição para a democracia que se seguiu à ditadura de Salazar, foi mais além e defendeu a formação de uma grande coalizão para repudiar o resgate. “Portugal nunca pagará sua dívida. Se alguém não pode pagar, a única solução é não fazê-lo. Quando a Argentina esteve em crise, não pagou. Aconteceu algo? Não, não aconteceu nada”, assinalou.

Candidatos a ser o novo Chipre não faltam. Com cerca de 7 bilhões de euros em “empréstimos incobráveis”, equivalentes a uma quinta parte de seu Produto Interno Bruto (PIB), a Eslovênia é o mais óbvio. O governo de centro-esquerda da primeira ministra Alenka Bratusek, que assumiu o poder em 20 de março, desmentiu categoricamente que o país precisará de um resgate. O problema é que os resgates da Grécia e Irlanda em 2010, de Portugal em 2011, do setor bancário espanhol no ano passado e de Chipre agora começaram com desmentidos similares.

Nos mercados o impacto já é visível. Na sexta-feira, o preço internacional do ouro caiu ao seu nível mais baixo em 18 meses em função do medo de que a venda de ouro que Chipre terá que fazer para arrecadar os 7 bilhões de euros adicionais de que necessita, seja somente um primeiro capítulo. “Se Chipre conseguir atingir o mercado do ouro, há boas razões para estar preocupados já que Eslovênia, Hungria, Portugal, Espanha e Itália poderiam adotar a mesma política para lidar com seus problemas de financiamento”, disse ao “The Guardian” o analista de investimentos de SK Hart Management, Milko Markow.

O único capítulo em que a reunião de Dublin mostrou um avanço foi o tema dos paraísos fiscais. Nove países – Espanha, Reino Unido, Itália, França, Alemanha, Polônia, Holanda, Bélgica e Romênia – aderiram a um projeto piloto de intercâmbio automático de informação bancária sobre os dados dos não residentes. A Áustria se opôs a uma iniciativa que requer unanimidade entre os 27 países que conformam a União Europeia. Segundo a Áustria, o direito à privacidade das contas, consagrado no princípio do sigilo bancário, é sagrado. O tema será decidido na cúpula da UE, em 22 de maio.

Tradução: Katarina Peixoto

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