terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Cabo Verde: PESCAR O FUTURO

 

Mário Silva – Expresso das Ilhas (cv), opinião
 
Tem setenta anos. Passou a vida a trabalhar. Era pescador. Na Ribeira da Barca, pescou de tudo um pouco. Inclusive, o presente. Sobreviveu. Nunca conseguiu pescar o futuro. Nunca! E não sabe o porquê. Vai morrer sem saber onde mora o futuro. Destino traçado.
 
Teve seis filhos, com três mulheres diferentes. Poucos, para a sua geração. Os filhos cresceram. Queria que estudassem. Mas o peixe não foi suficiente para tanto. Sabia que o peixe ia acabar. Um dia. Como acabou. Mais cedo do que pensava.
 
Chegou a hora de fazer o balanço da sua geração. Suas vidas. E concluiu: foram para o mar; fizeram filhos; jogaram cartas; beberam grogue. Foi assim. Nas noites e nas tardes da Ribeira da Barca. E de Rincão. Há cem. Trinta. Vinte anos. Desde o «tempo Português». Passando pelo «tempo do partido único». E, agora, no «tempo da democracia». Para eles nada muda. Salvo a idade.
 
Quando o céu está limpo, desabafam. Falam com o Vulcão do Fogo. Aí à sua frente. Tão perto! Às vezes, dá vontade de cair no mar. Nadar. Ir abraçá-lo. Mas o vulcão não resolve o problema dos outros. O que pode fazer, e fá-lo sempre com prazer, é oferecer a sua presença amiga.
 
Há uns anos insistiu com os filhos. Para partirem. Não para o estrangeiro, claro está! Mas para a Boa Vista. Ilha Prometida. Os pescadores de Santa Cruz entenderam isso. Desde muito cedo, partiram. Hoje, são a maioria na Boa Vista. Tiveram boa vista. Ainda não pescaram o futuro. Mas sabem onde fica. Já não é mau. Pode ser que um dia o pesquem! Pode ser! Pode ser!
 
- Por que será, Joa Quim, que para muitos, a vida não melhora? Governo vai. Governo vem. Ora do centro; ora de esquerda; ora não se sabe muito bem de que lado. Se não souberes responder-me, pergunta a quem sabe. Ou ninguém sabe?
 

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