terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Portugal: O OPTIMISMO GOVERNAMENTAL NÃO TEM SENTIDO

 

Mário Soares – Diário de Notícias, opinião
 
Nas duas últimas semanas, o Governo, que continua absolutamente paralisado, tem tentado convencer os portugueses de que tudo está a melhorar. Não é verdade. Só se for para os corruptos e alguns (poucos) ricos. Tudo vai cada vez pior. Porque o atual Governo não ousa tocar-lhes. A ministra da Justiça nunca deixou que fossem julgados os grandes corruptos que por aí andam a gozar a vida. São exemplo disso os que tanto ganharam com os bancos falidos, como o BPN, o BPP de Rendeiro e outros mais.
 
Pelo contrário, a classe média está cada vez mais pobre. E os pobres vivem no desespero da miséria, quando não emigram.
 
Mas isso não interessa nada a este Governo. Não tem qualquer sensibilidade para com os pobres nem para com a miséria. Mesmo quando alguns não sabem como alimentar os filhos e saem do País. Note-se que o Presidente da República também não tem nenhuma preocupação quanto a isso. No discurso de ano novo só falou dos mercados. As pessoas e a política - que horror - parecem não lhe interessar.
 
Os pensionistas a quem o Governo tirou parte das pensões são forçados a emigrar. Os suicídios aumentam e a criminalidade também. Permite o Governo que se faça um referendo para saber o que pensam os portugueses sobre a apregoada melhoria da atividade governamental? Certamente que não.
 
O Governo fala muito, diz coisas contraditórias, fala em números e mais números, mas nunca se refere ao essencial. Por exemplo: quanto ganham os ministros, os secretários de Estado, os chefes de gabinete e os múltiplos assessores no conjunto e cada um de per si? Quanto gastaram nas últimas viagens que fizeram e quanto custaram as respetivas comitivas? Ninguém sabe!
 
A desigualdade entre os portugueses é cada vez maior, escandalosamente maior. Mesmo no tempo de Salazar, porque Salazar não roubava, embora deixasse alguns fazê-lo. Nunca foi tão longe, mesmo durante a guerra, na destruição do País. Nas vendas do património, etc. É certo que as crianças na província andavam de pé descalço, mas não tinham fome.
 
E por falar em Salazar - o ditador que sempre combati e me enviou para São Tomé, sem julgamento prévio -, será que a nova polícia especial que o atual Governo anunciou criar vai ser uma outra espécie de PIDE? Estamos a caminho de uma nova ditadura (embora sempre a falar de democracia) e há infelizmente tantos com medo que lhe tirem ainda mais do pouco que tem, que estão cada vez mais desesperados.
 
Talvez o Governo tenha aceitado a minha advertência contra a violência (que tanto deu que falar) e queira tão-só mais e melhor segurança, porque o diabo tece-as... Mas era bom saber quanto isso vai custar ao Estado.
 
Repito, o Governo fala mas pouco diz. Só o que lhe interessa. Dou exemplos. Quanto é que até hoje pagou à troika e quanto vai pagar ainda? Por quanto é que vendeu o património português (que já não é português) e como é que o gastou? Os portugueses gostariam de saber tudo isso. Mas poucos sabem.
 
Quanto tem o Governo recebido da Europa, nestes dois anos e meio, e para onde foi o dinheiro? Era importante que os portugueses soubessem.
 
Considero que o atual Governo não tem tido - julgo mesmo que nunca teve - uma estratégia para a sua atividade política. Era importante que o tivesse feito, mas não me parece que assim tenha sido. Em qualquer caso, nunca foi divulgada.
 
Estamos a poucos meses das próximas eleições para o Parlamento Europeu. Era interessante que se soubesse qual a estratégia a adotar - se é que têm alguma - pelos partidos do Governo, que, ao que parece, cada vez mais se entendem pior.
 
A crise que vivemos é evidente que não é só nossa. Deveu-se fundamentalmente à austeridade, tão cara à senhora Merkel. Porque, como diz o Papa Francisco, a austeridade mata. Sabem, com certeza, o senhor Presidente e o senhor primeiro-ministro que no atual Governo haverá alguns católicos aos quais o bispo D. Januário disse, e muito bem, que não podiam comungar porque não pensam nos seus compatriotas nem, especialmente, nos pobres, alguns na total miséria. Têm as duas personalidades citadas, e ainda o vice-primeiro-ministro que, depois de ter transformado o CDS em PP, disse agora que é democrata-cristão, conhecimento do que diz e faz Sua Santidade? Ou preconizam uma política de sentido contrário?
 
É certo que os partidos da coligação não se entendem e, quando se irritam, falam em tons e políticas diferentes. Mas por que razão continuam na coligação? Pelo gosto, pelo poder, ou por medo do que aí virá quando saírem? Contudo, alguma vez, será. E talvez mais próximo do que julgam.
 
Tanto quanto julgo saber, o que os trabalhadores perderam, em média, de salários (privados e públicos) desde a posse deste Governo é de 10%. Será assim? Para onde foi esse dinheiro?
 
O Governo desde que tomou posse teve, ao que julgo, 47,4 milhões de euros gastos em 2012; 49,2 milhões de euros em 2013 e em 2014, 50,7 milhões de euros, em despesas de funcionamento do Governo. Se for assim, qual é o motivo por que o Governo gastou sempre mais? E por que razão não explica isso aos portugueses? Será que o senhor Presidente da República sabe isso tudo e nunca julgou necessário falar disso aos portugueses?
 
É certo que o número total de membros dos gabinetes dos ministros e dos secretários de Estado somam 1023? Para que são necessários tantos, dadas as dificuldades enormes que Portugal atravessa? Quanto custam? Será que os outros Estados europeus sabem disso? Como a dívida não é amortizada devemos à troika 78 mil milhões de euros (pagaremos algum dia?), além dos juros, que representam cerca de metade da dívida. Pode o Governo explicar aos portugueses como e se vai pagar? Sobretudo nesta fase em que grita que tudo vai no melhor dos mundos porque estamos a vencer a crise? Mas então por que motivo é que os de-sempregados são cada vez mais e tantos portugueses se veem obrigados a sair de Portugal? Como é que vamos ter mais empresas e trabalho se a cada dia há mais escassez de trabalhadores e técnicos qualificados, que foram obrigados a deixar o País?
 
O Governo tem vindo a vender o património português sem dizer (com rigor) porquê nem por quanto. Dada a euforia em que se encontra para o futuro próximo, seria útil que dissesse aos portugueses como fará esse "milagre". Ou se isso vai diminuir o desemprego e aumentar o crescimento da economia e como?
 
Mas, ao que dizem, para os pobres pensionistas o roubo continua. Porque a contribuição extraordinária de solidariedade passa a aplicar-se à totalidade das pensões, 3,5% progressivamente, a partir de mil euros. Como explica isto e as suas consequências, o Governo?
 
Com tantas perguntas não respondidas, é fácil chegar-se à conclusão de que não há nenhuma melhoria nem esperança dela. Entretanto, o desemprego cresce, o Serviço Nacional de Saúde está a ser destruído aos poucos, as universidades públicas, que eram de longe as melhores, estão a ter cortes gravíssimos que, a prazo, as liquidam.
 
Os sindicatos, cujos apoios tinham, também escasseiam e estão a ser dificultados pelo Governo. Bem como os cientistas e tudo o que cheire a cultura ou a artes. O Governo fala muito de democracia (voltou a ser útil), mas as liberdades escasseiam, na comunicação social, por exemplo. O Estado social tem vindo a ser destruído. Os municípios e o próprio Estado de direito sofrem de grandes carências. A crise continua a avolumar-se em Portugal e em Espanha. Enquanto houver troika e austeridade tudo se agrava. Mas na Europa há sinais de que as coisas vão mudar. Contra o economicismo, os mercados usurários e insaciáveis. E em defesa das liberdades e dos Estados sociais. Oxalá assim seja!
 
AS PRAXES SÃO HORRÍVEIS
 
No meu tempo de estudante universitário, em plena ditadura salazarista, praticamente não havia praxes. Porquê? Porque eram malvistas e consideradas reacionárias. A capa e a batina rarissimamente eram usadas. É certo que os estudantes salazaristas, às vezes, atreviam-se a vestir a farda da Mocidade Portuguesa. Mas não me lembro de que nas faculdades, todas públicas, da época, que frequentei em nome do MUD Juvenil tivesse visto alunos de capa e batina. E quanto a praxes, zero.
 
Em Coimbra não era assim. Fui lá várias vezes, até dormi numa república em que Salgado Zenha habitava, aliás muito suja, onde não havia sequer lugar para um banho, e só vi umas poucas batinas velhas e esburacadas.
 
Quanto a praxes, em Coimbra, admito que houvesse algumas, mas em Lisboa, não. Era algo de repugnante e considerado reacionário.
 
Creio que em Lisboa, hoje, as praxes são mais frequentes nas faculdades privadas do que nas públicas. Como vivo no Campo Grande e, quando há bom tempo, tenho o hábito de passear no jardim, este ano vi imensos estudantes de capa e batina, julgo que na maioria eram estudantes da Universidade Lusófona (privada). Falei com eles e compreendi que estavam a ensaiar as praxes.
 
Os praxadores, normalmente maus alunos, abusam em matéria de violência. Para mim é incompreensível e inaceitável. Por isso acho que as praxes deviam ser proibidas. Naturalmente que os mandam são os que têm menos cultura e inteligência e como estudantes geralmente são fracos. Por isso se vingam nos caloiros. Há no praxismo um misto de autoritarismo e até de fascismo.
 
O que se passou no Meco, com a morte dos jovens engolidos pelas ondas gigantes, foi naturalmente um azar e para os pais e para toda a gente bem-formada uma tristeza imensa. Mas obriga-nos a pensar. É preciso tornar as praxes ilegais e acabar com elas.
 

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