Nota
prévia: nada tenho contra a harmonização da escrita da língua portuguesa entre
os diferentes países que a usam como sua língua oficial desde que as
especificidades de cada cultura sejam ressalvadas e guardadas. Por isso, não
tenho qualquer distinção contra o Acordo Ortográfico (AO), em si, mas não
acredito nas bondades tão evidenciadas por certos linguistas quanto à sua total
inserção impositiva nos fóruns nacionais e internacionais, sendo o contrário
visto não como um arcaísmo, mas sim como um enorme erro, fortemente penalizado
nos órgãos institucionais e de ensino.
Como
já devem ter reparado, todas as minhas crónicas, ensaios, e outros tipos de
obras são escritas, sempre – apesar de aceitar a tal harmonização linguística,
leia-se o AO – escritas na versão antiga, aquela que nós ainda usamos e
escrevemos.
Posto
esta nota prévia, vamos ao que interessa. Recentemente, li um artigo no Jornal
de Angola (versão online) que o AO está em desenvolvimento, “bem encaminhado”,
segundo o título do artigo, com Moçambique a já ter aprovado, a nível de
Conselho de Ministros a entrada em vigor do AO, aguardando a ratificação pelo
Parlamento, e que Angola já está em discussão para a sua implementação.
Como
disse no início, nada tenho contra o AO, mas há situações que se tornam
insustentáveis com o AO, devido aos homónimos que se vão criar com evidentes
lapsos semânticos e de sintaxe que os mesmos vão fomentar.
No
início de Maio, o primeiro canal da televisão pública portuguesa (RTP)
apresentou um novo formato de debate intitulado, salvo erro – porque estive
mais de 3 semanas sem poder ver televisão por razões de saúde, motivo porque
durante o mês de Maio não estive junto dos leitores –, «Palavras com atos».
Palavras
com atos? São o quê, palavras atadas, manietadas? É totalmente diferente de
umas Palavras com Actos, que definem acção, definição, objectivo. Resumindo,
uma simples letrinha é suficiente, numa frase curta e directa, para alterar um
sentido; uma letrinha dita “ c “.
Será
o mesmo que dizer que acontecimento, um sucesso, ou um evento ou episódio é um
«fato» em vez de um «facto». Ou seja, em vez de evento (também outro sinónimo
para facto) é uma vestimenta, ou como dizem os brasileiros é um «terno» que
nada tem a ver com ternura!
Ou
«pára» e «para», ou «pêlo» e «pelo». Tira-se o acento e o que confusões vão dar
se apresentarem-se sozinhos? Pelo menos se nós dissermos «ainda» assim sozinha,
todos sabemos bem o que quer dizer. Outros países ficarão na dúvida e
reforçarão a pergunta querendo ouvir o “não”. É uma questão de cultura que deve
ser preservada.
E
por questão de culturas locais, recordemos que dizemos «machimbombo», enquanto
os brasileiros dizem «ónibus» e os portugueses, para o mesmo tipo de transporte,
dizem «autocarros», se for para transportes urbanos, e «camionetas» quando são
transportes suburbanos. Além de outras, recordemos o nosso agente secreto
celebrizado por Pepetela, Jaime “Bunda”; ora esta palavra tem várias versões
conforme o país e mesmo dentro do nosso país. São os méritos da
multiculturalidade.
Repito,
nada existe da minha parte algum incómodo com o AO, mas há mutações que se
tornam insustentáveis com o AO, devido aos equívocos que se vão criar com
evidentes lapsos semânticos que os mesmos vão facilitar.
Até
porque, recordemos em acordos anteriores entre a potência colonial, Portugal, e
o Brasil, houve outros acordos ortográficos, o último das quais, salvo erro,
por volta dos inícios de 70 do século passado (1972/73?), onde algumas palavras
perderam o “c” como por exemplo, Victor/Vitor, ou os advérbios de modo, em que
os adjectivos acentuados, adicionados ao sufixo “mente”, trocavam o acento
agudo para acento grave e passaram a deixar de ter o “novo” acento. Ou nomes
passaram a ter duas grafias, como Luís e Luiz, Lourdes e Lurdes, Eugênio e
Eugénio. Não havia, na prática, qualquer alteração semântica, com não havia
variações de sintaxe.
Volto
a repetir, nada tenho contra com o AO, mas há transmutações que se tornam
insuportáveis com o AO, devido às confusões que se vão criar com evidentes
lapsos semânticos e de sintaxe que os mesmos vão alimentar.
Mas
quando essas transformações podem criar um total abandalhamento da língua, aí,
lamento, e mesmo que o País adopte a nova grafia, terei de passar a ser
ambilinguista; ou seja, enquanto escrita institucional e académica, terei,
obrigatoriamente, de escrever de acordo com o AO, sem o qual, os documentos
serão rejeitados pelas instituições estatais e académicas; enquanto
“escrevinhador” de assuntos particulares, usarei a versão antiga, ou, mais
correctamente, a que passa a ser reconhecida como versão arcaica.
Só
espero que as minhas crónicas possam manter a versão anterior ao AO, mesmo que
no fim os editores assinalem que o “autor escreve segundo a versão anterior ao
Acordo Ortográfico”.
Publicado
no semanário Novo Jornal, edição 383, de 5/Jun./2015, 1º Caderno, página
18.
Nota: já
depois de enviado o texto e publicado a RTP voltou ao programa e o nome
correcto é "As Palavras e os Atos"
*Investigador
do CEI-IUL e CINAMIL
**Eugénio
Costa Almeida* – Pululu -
Página de um lusofónico angolano-português, licenciado e mestre em Relações Internacionais e
Doutorado em
Ciências Sociais - ramo Relações Internacionais -; nele
poderão aceder a ensaios académicos e artigos de opinião, relacionados com a
actividade académica, social e associativa.
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