segunda-feira, 8 de junho de 2015

REGIME ANGOLANO VAI CONTROLAR A WEB




ELES TÊM MEDO DA PRÓPRIA SOMBRA

Folha 8 digital, 6 junho 2015

Gover­no está a preparar legislação sobre ciber­-segurança. Procura, a reboque de ser membro do Conselho de Segurança da ONU, novas fontes que possam entrar na cadeia alimentar dos jacarés sob a sentença de crimes contra a segurança do Estado. O secretário de Estado para as Tecnologias de Infor­mação assegura, como lhe foi recomendado que dissesse, que não se pre­vê qualquer controlo ou filtragem no acesso à In­ternet.

Angola não impõe qual­quer restrição no acesso à informação e às novas tecnologias, garante Pedro Sebastião Teta, conside­rando que o fundamental é saber usar as redes sociais, que não podem ser vistas apenas como um instru­mento de crítica às políti­cas governamentais.

Mesmo sem querer, Pedro Sebastião Teta deixou que a língua fugisse para a ver­dade. Isto é, liberdade total para bajular o regime mas não para criticar o gover­no. Criticar a Oposição, via redes sociais e outros meios na internet, é legíti­mo. O contrário já não se aceita.

“Não vamos pôr filtros. Neste momento, não te­mos nenhum filtro”, diz o governante, referindo que “nós vamos é criar legisla­ção sobre ciber-segurança, para que todos sejam edu­cados que não se pode violar a privacidade de alguém só porque se tem uma ‘arma’, que deve ser usada seguindo as regras democráticas”.

Pedro Sebastião Teta não sabe o que é democracia, muito menos um Estado de Direito e ainda menos o que é a liberdade. Não fala em prisões mas, antes, em educação. E, na linguagem do regime, reeducar signi­fica pensar pela cabeça do “querido líder” e ter uma fidelidade ultra-canina ao “escolhido de Deus”.

O pacote legislativo, a ser submetido ao Conselho de Ministros, deverá estar concluído provavelmente antes do final deste ano. A legislação sobre a ciber­-segurança será replicada no Código Penal e Civil, instrumentos que se en­contram ultrapassados pela dinâmica das novas tecnologias.

As redes sociais, adver­te Pedro Sebastião Teta, devem ser usadas com responsabilidade. E o que é que isso quer dizer? “Muitas vezes, os jovens colocam informações de uso pessoal na rede que os podem comprometer no futuro. Aquilo que é pos­tado no Facebook nunca mais é apagado. Não é só uma questão de ‘atacar’, essa até pode ser uma arma para os atacar a eles mesmos, se não forem educados.”

A pedagogia “tetiana” é comovedora. Tanta preo­cupação com o futuro dos jovens chega mesmo a provocar uma lágrima no canto do olho.

Sebastião Teta considera que a educação é uma das medidas para evitar o uso indevido das redes sociais. O executivo angolano projecta ter, até 2017, um centro de mediateca ope­racional em cada provín­cia, destinado a cerca de 20 mil pessoas, sobretudo jovens. Jovens bem educa­dos, formatados à medida e por medida segundo os moldes do regime.

Nesta altura, Angola já dispõe de seis mediatecas móveis, distribuídas por seis províncias, e seis fi­xas em Luanda, Benguela, Huambo, Lubango, Sau­rimo e Soyo. Outras seis unidades serão inaugura­das este ano, no âmbito das celebrações dos 40 anos da independência.

“É importante a criação de modelos como a media­teca, de inclusão digital e social, porque as pessoas, quando não têm acesso às tecnologias e ninguém as ensina, usam-nas mal. Mas não somos apologis­tas de criar filtros ou banir sites”, afirma Teta queren­do, dessa forma, passar um atestado de matumbez a todos quantos, por serem mal educados, querem pensar pela própria ca­beça.Diz Pedro Sebastião Teta que “a educação e uma legislação forte po­dem ser instrumentos que podem facilitar esse fluxo de informação, até porque, neste momento, quem for a Angola vai encontrar vá­rios jornais digitais e não temos história de nenhum jornalista a ser preso por causa da informação.”

Este parágrafo é digno de, como muitos outros, figu­rar no anedotário interna­cional. Prova, no entanto, que Pedro Sebastião Teta está também ele a ser edu­cado segundo as regras re­gimentais.

Angola, Brasil e Guiné Equatorial, países anali­sados pela Human Rights Watch, têm em comum, em maior ou menor grau, registos de corrupção e repressão. Nada de novo, portanto. Por alguma coisa Angola está no Conselho de Segurança da ONU e até vai legislar sobre ciber­-segurança.

E com essa legislação, em­bora garantindo que não haverá filtros no acesso à Internet, o regime preten­de evitar que os angolanos saibam, por exemplo, que a corrupção, a má gover­nação e a repressão go­vernamental em Angola assumem “proporções ca­tastróficas”.

Crê-se, aliás, que o facto de Angola liderar na cor­rupção, má governação e repressão governamental (“proporções catastrófi­cas”) foi fundamental para a escolha como membro não permanente do Con­selho de Segurança das Nações Unidas.

Destacando que Angola tem um “poder influen­te em África”, a Human Rights Watch considera que o regime do Presiden­te (nunca nominalmente eleito) José Eduardo dos Santos enfrenta “um cres­cente criticismo”, mas la­menta que quem faz negó­cios em Luanda tenha “em muito pouca consideração o mau registo do país em matéria de governação e direitos humanos”.

A HRW destaca que as autoridades angolanas “in­tensificaram as medidas repressivas, restringindo a liberdade de expressão, associação e reunião”, lembrando que o Gover­no angolano tem visado jornalistas e activistas com processos em tribunal, detenções arbitrárias, in­timidação, perseguição e vigilância.

Neste capítulo Angola tem as costas quentes. Portu­gal, como bom súbdito do regime de Eduardo dos Santos, dá cobertura a tudo na ONU onde integra o Conselho dos Direitos Humanos. Fica, digamos, tudo em família.

“A polícia usa excessiva­mente da força e das de­tenções arbitrárias para impedir manifestações pacíficas e antigoverna­mentais”, recorda a orga­nização, criticando “a im­punidade para os abusos violentos exercidos por forças de segurança”.

A HRW identifica ainda outros abusos, entre os quais o novo adiamento das muito adiadas eleições autárquicas, os “despejos forçados” em Luanda e o “afastamento violento dos comerciantes de rua, in­cluindo mulheres grávidas e com filhos”.

Para que se vejam as enor­mes similitudes, recorde­-se que a “corrupção, pobreza e repressão conti­nuam a ser uma praga na Guiné Equatorial”, senten­cia a HRW, recordando que o regime de Teodo­ro Obiang, tal como o de Eduardo dos Santos, tem apostado em “melhorar a imagem” externa, apoiado em apoios internacionais como a adesão à Comuni­dade dos Países de Língua Portuguesa.

A HRW denuncia a “má utilização de fundos pú­blicos” e a concentração do poder e da riqueza nas mãos de “uma pequena elite que rodeia o Presi­dente”, ao mesmo tempo que “uma grande parte da população continua a viver na pobreza”. Tortu­ra, detenção arbitrária e julgamentos parciais são abusos comuns na Guiné Equatorial, tal como por cá.

Mas há mais. Muito mais. A liberdade económica de Angola é classificada num índice criado pela Heritage Foundation e o Wall Street Journal como “reprimida”, situando-se o país no 158º lugar do ranking, com um ‘score’ de 47,9%.

No Índice de Liberdade Económica 2015, Angola figura na 39ª posição entre 46 países da região da Áfri­ca subsariana e a sua pon­tuação permanece muito abaixo da média mundial e das médias regionais.

O índice está divido em cinco escalões, consoan­te, a nível económico, os países podem ser conside­rados “livres” (80 a 100%), “quase livres” (70 a 79,9%), “moderadamente livres” (60 a 69,9%), “maiorita­riamente não livres” (50 a 59,9%) ou “reprimidos” (40 a 49,9%).

O ranking surge da ava­liação de uma dezena de critérios agrupados em quatro categorias: aspec­tos jurídicos (direitos de propriedade e ausência de corrupção), limitações impostas pelos governos (liberdade fiscal e gastos governamentais), eficiên­cia da regulação (liberda­de empresarial, liberdade de trabalho e liberdade monetária) e abertura dos mercados (liberdade de comércio, liberdade de investimento e liberdade financeira).

Na perspectiva dos últi­mos cinco anos, Angola teve avanços de 1,7 pontos percentuais na liberdade económica, embora exis­tam ainda alguns aspectos a travar o progresso eco­nómico, refere a análise que acompanha o ranking.

“O governo está muito dependente das receitas do petróleo e dos diaman­tes e assume um papel demasiado dominante na economia, com prejuízo da eficiência”, além de “os monopólios e quase-mo­nopólios serem comuns nos sectores mais im­portantes da economia”, adianta o texto.

De acordo com os orga­nizadores do ranking, a liberdade económica deve ser entendida como “o di­reito fundamental de todo ser humano a controlar o seu próprio trabalho e propriedade”, sendo que, numa sociedade economi­camente livre, as pessoas têm autonomia para “tra­balhar, produzir, consumir e investir” da forma que quiserem, e os governos permitem que “o trabalho, os capitais e os bens circu­lem livremente “.

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