terça-feira, 29 de maio de 2012

O BOSQUE EM FLOR



Rui Peralta

A Finançáfrica

As instituições financeiras internacionais em África

O peso das instituições financeiras internacionais (IFI) em África fez-se sentir de forma relevante na década de 80 do século passado. A crise económica sentida no continente, agravada pelos fracassos sucessivos das experiencias de modernização e a crise da divida, levaram as IFI a penetrarem em todo o continente africano. As suas políticas fizeram-se sentir de imediato e de forma brutal, provocando profundas alterações estruturais, cinicamente chamadas de “terapias de choque”. Sob a capa de terminar com as “práticas nocivas” acumuladas nas décadas anteriores, as IFI estabeleceram reformas que visavam o fortalecimento dos mecanismos de mercado.

As transições preconizadas pelas IFI para estabelecerem “economias de mercado” no continente, foram realizadas de forma violenta, através dos programas de ajustamento estrutural (PAE), consideradas o suprassumo das medidas, que iriam alterar de uma vez por todas as economias moribundas, criando as bases da “economia de mercado” e de “sociedades mais liberais” através da disciplina fiscal, da redução de gastos públicos e sociais, privatização das empresas públicas e maior flexibilidade do mercado de trabalho. Este era o remedio das IFI para tirar África da pobreza.

África, América-Latina e parte da Ásia (onde o capitalismo já estava a funcionar em pleno no Japão e os tigres asiáticos já caminhavam com passos decisivos para essa posição, alargando-se depois á China Popular e á Indochina, numa mistura de neoliberalismo com capitalismo de estado, tão ao gosto das elites asiáticas, da qual o Chile de Pinochet mais Chicago Boys serviu de modelo) tornaram-se os grandes laboratórios capitalistas para a Tricontinental. Os dados foram depois analisados no chamado Consenso de Washington, onde foram observados os sucessos do mercado na América-Latina e na Ásia e o fracasso do neoliberalismo em África.

As instituições gémeas de Washington, Banco Mundial (BM) e Fundo Monetário Internacional (FMI), consideraram ser necessário dar mais tempo ao continente africano, para que essas políticas fossem absorvidas, aumentando a amplitude destas medidas e priorizando o investimento estrangeiro. Perante as consequências sociais destas medidas foram anexados os documentos estratégicos para a redução da pobreza (DERP), que desde 1996 são exigidas pelo FMI e BM, aos países fortemente endividados, como condição para a redução da divida e fortalecimento dos mecanismo institucionais.

O Consenso de Washington comporta a teoria da “vantagem competitiva” retirada dos arquivos históricos do capitalismo, que se resume a isto: o comércio mundial é vantajoso para os países que se especializarem num sector em que tenham clara vantagem. Este princípio não leva em conta algumas realidades básicas essenciais. É que nem todos os países são iguais em termos de concorrência aberta, devido a factores políticos, tecnológicos, geográficos, macroeconómicos e estruturais. Produtividade e competitividade são dois pilares deste princípio económico, que transposto para a realidade africana demonstrou-se suicidário (mesmo para Africa do Sul, baluarte do capitalismo em África, único país africano onde a revolução industrial foi concluída e onde existe uma forte burguesia nacional, esta politica teve de ser repensada)

As trevas das receitas neoliberais

Se por um lado a globalização capitalista permitiu o aumento da riqueza em proporções nunca anteriormente alcançada, abrindo caminho a uma revolução sem precedentes na comunicação, informação, transportes e tecnologias diversas, por outro lado aprofundou as desigualdades entre Centro e periferias. Mas esta é a razão de ser desta fase da globalização. Ela só pode ser efectuada em condições de desigualdade.

Algumas bem-intencionadas vozes africanas defendem que em África o Estado debilitou-se, sendo essa a base de incremento da corrupção. Dizem que ao aplicar o princípio do Estado Mínimo (que eu não encontro em parte alguma do continente, a não ser na Somália, na Líbia actual e em países destruídos por guerras internas de grande amplitude destrutiva. O que assistimos é á desresponsabilização do estado, ou seja, á minimização do que já era um parco papel social), rompeu-se o equilíbrio da sociedade multiétnica, assente num modelo económico clientelista (?) que o Estado em construção havia conseguido (mas não foram as soberanias nacionais e populares, que se afirmaram nos processos de independência, dinâmicas de equilíbrio? E o que é isso de modelo económico clientelista? Não foram as indefinições nas macropolíticas que possibilitaram a existência de clientelas e originaram as gretas por onde penetraram os interesses neocolonialistas?). Isso, prosseguem, levou á perca da legitimidade sociológica e filosófica, por ser colocado debaixo da tutela estrangeira e por não satisfazer as necessidades das populações (legitimidade sociológica e filosófica? Mas a única legitimidade de um estado é a soberania popular e essa não é “sociológica” e muito menos “filosófica” é politica e revolucionaria). Como resultado, dizem ainda, adveio a instabilidade politica e a generalização das guerras civis da década de 90 até hoje (as guerras internas e a instabilidade politica foram constantes em todos os processos de construção dos estados africanos, causadas pelas dinâmicas sociais de classe e pelas ingerências imperialistas).

Além do mais, estes processos de “minimização”, de rupturas de “equilíbrios” de “legitimidade” e aculturação, são as dinâmicas do processo de globalização capitalista a funcionar em África. A lei da vantagem competitiva é um mecanismo cego, que foi colocado em funcionamento automático pelo Consenso de Washington e também pela Conferencia de Lomé. Todas as instituições de integração criadas no continente africano regem-se pela vantagem competitiva. Foi uma opção fatal, imposta aos estados africanos, ainda antes de serem “minimizados”. As políticas impostas pelas IFI não foram um falhanço. Elas cumpriram e cumprem a sua função: Reembolsar a divida externa e estabilidade da economia, para permitir um ambiente viável ao capital internacional de se estabelecer nas novas conjuntaras do continente, criadas através dos processos das independências nacionais. É para isso que servem os PAE e os DERP e todos os mecanismos financeiros vendidos e impostos aos governos africanos. O Fórum Social Africano alertou recentemente, pela voz do seu líder, o senhor Demba Moussa Dembélé, que (passo a citar) “ O enfoque ultraliberal dos PAE está no centro de uma tremenda contradição: debilitou consideravelmente o estado africano, desprovido de capacidade financeira e humana, mas exige o cumprimento das suas tarefas, particularmente a de gendarme do mercado. As obrigações externas a que se submetem os governos africanos, inclusive os democraticamente eleitos, são incompatíveis com o desenvolvimento económico e social interno” (fim de citação – ver www.revistapueblos.org ou em www.rebelion.org dia 26-05-12).

Torna-se evidente que o objectivo principal das IFI é o controlo dos recursos. Óbvio que para controlar recursos há, antes de mais nada, enfraquecer os estados que podem causar obstáculos. Como esses estados sofrem de debilidades estruturais internas graves, causadas pelos processos económicos do colonialismo (independentemente das infraestruturas deixadas ou não pelo colonialismo. As andorinhas saudosistas do colonialismo português, por exemplo, falam constantemente deste factor, que aliás tornou-se um estandarte do discurso sulfatoso de vendedores de banha da cobra do neocolonialismo luso) e obviamente pelas situações internas inerentes aos seus processos independentistas, revelaram-se incapazes de executar esse controlo. Ora os processos de “democratização política” (as “democracias multipartidárias”, “pluralistas”) levados a cabo por exigência externa, condição essencial para aplicação dos PAE e dos mecanismos de execução dos projectos de financiamento apresentados pelas IFI, servem exactamente para criar as condições de negociação entre os diversos agentes. Ou seja, a “democratização politica” não é um fim da política neocolonial, mas sim um meio, que permitirá realizar o processo de inserção de África nos novos paradigmas globais da Nova Ordem Capitalista. Uns são emergentes e no continente só há um, a Africa do Sul que está inserida na plataforma intercontinental das economias em avançado processo global (os BRICS) outros são candidatos a emergentes e outros estão em processo de restruturação, o que representa grandes dores de parto e muito sofrimento pela frente.

As mentiras

O Banco Mundial, o FMI, a OCDE e o G8, pilares da globalização capitalista, referem que todos os países da Asia e da América Latina melhoraram substancialmente as suas economias, com efeitos positivos na criação de emprego, excepto África, afundada (segundo eles) pelos “conflitos étnicos, a pobreza e a SIDA” (ver IMF, African Department; Statistical Annex and Staff Report for 2011; IMF, 2012 e WB; Public expenditure Issues – Africa; World Bank, 2011). Repetem, de forma monocórdica, que se os países africanos aplicassem correctamente as medidas preconizadas por estas instituições, melhorariam de forma considerável a sua situação económica. Citam os exemplos de sucesso relativo de alguns países da Africa subsariana, onde as taxas de crescimento são prometedoras e incitam á aplicação integral das medidas liberalizadoras das suas economias.

Ora nos países africanos onde se revelam taxas de crescimento consideráveis, os alunos melhor comportados, os números contrastam com a acentuada deterioração social. Por outro lado em grande parte deles, onde a economia rural pode constituir um motor de desenvolvimento autossustentável, os progressos na agricultura resultaram quase nulos, com resultados insignificantes. Os camponeses foram afastados das redes de abastecimentos aos mercados locais e estão completamente colocados fora do processo de abastecimento aos mercados internacionais, o processo de exportação.

Os PAE beneficiaram, essencialmente, os grandes funcionários e elites administrativas (agentes do neocolonialismo), que investem no sector privado os capitais sacados. Mas nem outra coisa seria de esperar em países onde a burguesia nacional é quase inexistente ou incipiente, á data das independências. Ë claro que mesmo nos poucos casos africanos onde a burguesia nacional já tinha algum estatuto colonial, a corrupção e a falência estrutural é tão grave como nos restantes estados do continente. Mas, no processo geral, somos transportados a um fim escondido das práticas neoliberais. “Quais são as elites? Estão agenciadas? Então vamos associá-las”. É assim que surgem os enormes processos de exportação de capital, que é uma outra forma da prática ilegal de fuga de divisas, que alimentam os investimentos privados no exterior, impedindo que esse capital seja reutilizado no desenvolvimento interno.

Os processos destrutivos

Na vertente ecológica a exigência de reembolso da divida externa e o cumprimento das obrigações externas fomentaram a sobre-exploração dos recursos naturais exportáveis. Os quatro países africanos que praticamente já destruíram grande área das suas selvas tropicais para satisfazer as exigências dos PAE (a Costa do Marfim, Gabão, Gana e Uganda) são considerados os mais cumpridores.

Os governos africanos que privatizaram a água e a electricidade, acabaram por excluir amplas camadas da população no acesso a estes bens públicos, aumentando os problemas de falta de higiene e as doenças consequentes.

A saúde, a educação e a habitação, bandeiras dos movimentos de libertação, estão completamente esquecidas nos PAE. Os sistemas públicos nacionais de saúde e as redes públicas de educação são completamente inexistente e no melhor dos casos profundamente deficientes, assim como a parca política de habitação social é manifestamente insuficiente para cobrir as necessidades das populações.

Por sua vez as opções de desenvolvimento neoliberal em África levaram ao quase desaparecimento mais de 600 das cercas de 1500 línguas africanas, consequências não só dos cortes de custos impostos às políticas culturais, como também pelo manifesto propósito etnocêntrico da neocolonização.

Conclusão

Desemprego, ausência de políticas sociais, miséria, decomposição politica e económica, perca de controlo sobre os recursos naturais, ausências de políticas para a juventude (eliminando o futuro), obrigando-a á emigração, ou á marginalidade, ou ainda a servir de carne para canhão nos conflitos internos provocados pela interferência externa, é o quadro geral do continente nesta época de globalização do capital. Os projectos políticos das independências foram arrumados numa prateleira do fundo das caves. Dos grandes líderes africanos (Numa, Lumumba, Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Mondlane, Nyerere e tantos outros – não referidos por falta de espaço) restam os mitos fundacionais, as estátuas e a bruma da memória.

No entanto da mesma forma que, sobre os escombros do colonialismo, os povos africanos construíram as suas independências, as batalhas pelo Desenvolvimento serão desenvolvidas por sobre os escombros do neocolonialismo. Num processo de luta longa e árdua, a África-Futuro será construída passo a passo pelos Povos africanos, donos de si mesmo e senhores da sua vontade.

Fontes
IMF, African Department; Statistical Annex and Staff Report for 2011; IMF, 2012
WB; Public expenditure Issues – Africa; World Bank, 2011
Samir Amin; Os desafios da mundialização; Edições Dinossauro, 2000
Yves Benot; Ideologias das Independências Africanas – vol. e II; Livraria Sá da Costa Editora, 1981

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