Liliana Valente –
Jornal i
Governo aposta
todas as fichas nesta avaliação: ou uma flexibilização ou a sobrevivência do
executivo pode estar em risco
Hoje é o dia em que
o programa de ajustamento entra no quilómetro 30 da maratona que é como quem
diz mais uma prova de fogo para o governo e para o país. A equipa da troika
começa hoje a sétima avaliação ao cumprimento do Memorando de entendimento e a
discutir os cortes na despesa do Estado de cerca de quatro mil milhões de
euros. E o país chega ao “muro da maratona” com sinais de desidratação e a
pedir ajuda (e a culpar) o exterior em duas frentes: uma redução do corte da
despesa e o seu prolongamento por mais anos e um prolongamento das metas do
défice e da maturidade do empréstimo. Em jogo pode estar a sobrevivência do
próprio governo e a estabilidade do país.
O executivo de Passos Coelho aposta todas as fichas nesta avaliação e numa
flexibilização europeia. Numa estratégia de ou vai ou racha, os dois ministros
de Estado Vítor Gaspar e Paulo Portas vão debater com os técnicos do
Banco Central Europeu, da Comissão Europeia e do Fundo Monetário Internacional
o plano que têm vindo a desenhar nos últimos tempos de corte na despesa pública
de cerca de quatro mil milhões de euros. Em cima da mesa está uma suavização
deste programa com um prolongamento no tempo. Ou seja, uma vez que há uma
previsão de queda do PIB maior do que a esperada, o corte, sendo em percentagem
do produto, deve ele próprio ser mais baixo, defendeu ao i uma fonte da maioria.
Ao mesmo tempo, em termos políticos, nos bastidores de Bruxelas, o governo
insiste em ter mais um ano para que o país alcance a meta do défice, o que já
perfaz dois anos a mais do que o inicialmente previsto – primeira
flexibilização europeia foi dada em Setembro do ano passado. Esta é uma
questão que se coloca sobretudo na negociação apenas com os parceiros europeus
uma vez que é uma obrigação decorrente do procedimento de défices excessivos.
Além disso, Gaspar pediu oficialmente no último Ecofin o alargamento das
maturidades. Enquanto estas reivindicações são feitas, o primeiro-ministro
coloca o ónus da culpa do exterior: a quebra da procura externa.
No seio do governo há quem acredite que esta não é só uma avaliação importante,
como a mais importante para a sobrevivência do governo e para a estabilidade do
país. Depois das boas notícias do início de Janeiro com o regresso aos
mercados, os números do desemprego, a previsão de uma recessão maior deitaram
por terra o bom momento do início do ano.
Para já, a negociação técnica com os membros da troika vai debater o plano
total de corte na despesa bem como a parte desse programa a aplicar já este
ano. Pelo menos 800 milhões de euros (0,5% do PIB) têm de ser retirados da
balança da despesa do Estado para que Portugal atinja a meta do défice. Mas se
tudo correr mal na negociação política, o garrote vai ter de apertar mais. Pode
aliás ser preciso um plano C caso os parceiros europeus não dêem mais um ano
para que o país alcance a meta do défice. É que com a derrapagem na execução
orçamental, o buraco pode chegar a 1,3 mil milhões de euros, e o governo ainda
tem de encontrar poupanças adicionais de cerca de 500 milhões de euros.
Um cenário em que o governo não quer ouvir falar. O primeiro-ministro já
garantiu que não haverá necessidade de “mais austeridade”, mas na verdade não
deixou de parte a possibilidade de rectificar o Orçamento que está há menos de
dois meses em execução. O executivo de Passos Coelho tem ainda esperança numa
mudança de política económica na Alemanha e referiu-o no final do último
Conselho Europeu, quando disse que a chanceler Angela Merkel estava preparava a
levar a cabo uma política mais expansionista que iria ajudar países como
Portugal. A ajudar a esse lado, está em marcha o grupo de trabalho para a
reestruturação do IRC para promover investimento.
Do lado político, há pelo menos um motivo que deixa a troika mais aliviada: o
CDS está totalmente comprometido ao ponto de Paulo Portas ter ficado
encarregue, em conjunto com Vítor Gaspar, do plano de corte na despesa.
O FMI tem vindo a avisar ao longo das diferentes avaliações ao programa para o
risco de uma ruptura quer interna (na coligação) quer externa (com os parceiros
sociais, sociedade e restantes partidos), e se a primeira pode agora ser uma
preocupação menor, a segunda dá mostras de não abrandar. Os membros do governo
têm sido alvo de contestação cirúrgica mais intensiva nos últimos tempos e o PS
já descolou por completo da relação com a troika. O secretário-geral do PS tem
vindo a endurecer o discurso político culpando o governo da actual situação do
país.
Depois de uma reunião com o Presidente da República na última sexta-feira onde
avisou para a possibilidade de uma ruptura social, António José Seguro começa
hoje uma ronda de encontros com os parceiros sociais. A CGTP é a primeira a ser
recebida e a ronda termina na terça-feira com a UGT. As reuniões antecedem o
debate de urgência sobre a saída da crise que será marcado para quinta ou
sexta-feira. Os socialistas exigem a presença do primeiro-ministro para
explicar não só a revisão do cenário macroeconómico do país como também o
pedido de mais tempo.
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