LINKIESTA, MILÃO
– 18.02.13 – Presseurop – imagem AFP
A poucos dias das
eleições de 24 e 25 de fevereiro, a comunicação social italiana ignora o êxito
do movimento fundado pelo ex-humorista, populista assumido. Porém, a acreditar
nas sondagens, Beppe Grillo e Silvio Berlusconi podem fazer nascer uma inédita
coligação eurofóbica.
Entrevistado há uns dias numa emissão de
televisão muito apreciada, Mario Monti, o chefe de Governo demissionário,
reconheceu que não sabe utilizar o Twitter, que não sabe o que são As Cinquenta Sombras de Grey, evita
cuidadosamente dar a sua opinião sobre os PACs e aflora o Festival da Canção de São Remo.
Na mesma altura, Beppe
Grillo, antigo humorista e fundador do Movimento 5 Estrelas (M5S) falava à
multidão em Marghera, perto de Veneza. À sua frente, pessoas normais enumeravam
os problemas e as angústias da vida de todos os dias. O trabalho, as creches, a
maternidade, as dificuldades dos patrões das PME. Enfiados nos seus casacos,
ali estavam ao frio, montes de gente, à tardinha, depois de almoço, a ouvir
Beppe Grillo e a tomar o lugar uns dos outros em cima do estrado.
Porém, no dia
seguinte, nem La Repubblica nem o Corriere della Seradedicaram
uma linha que fosse a Beppe Grillo. Como se não existisse. Mas a reação será
brutal. [Os dois diários com maior tiragem em Itália a dedicaram depois uns
artigos à subida do candidato nas sondagens.]
Passa-se qualquer
coisa em Itália. Este Movimento é benéfico ou nefasto? Podemos discutir isso.
Mas trata-se de um fenómeno de primeiro plano. O Movimento 5 Estrelas recolhe
17% nas sondagens, um número que muito poucos partidos foram capazes de
ultrapassar em Itália.
"Vamos abrir o
parlamento como abrimos uma lata de atum", proclama ele. E a multidão
inflama-se. "Acabou a época da representação, já não acreditamos mais.
Vamos arruinar a banca. E se não for hoje, será para o ano. Mas é apenas uma
questão de tempo. E, aliás, bem o podíamos fazer já hoje." Beppe Grillo
não para. "Populistas? Sim, digam-lhes que somos populistas" e a
multidão marca o ritmo em voz alta: "Po-pu-lis-tas!"
Tratado como um
pequeno ditador
O "Tsunami
Tour" faz lembrar uma política à antiga, mas também aquela que foi adotada
por um certo Barack Obama – que sabe utilizar o Twitter (e de que maneira!!!) e
que certamente conhece As Cinquenta Sombras de Grey, se é que ainda não o
leu. Porque é evidente que, se uma pessoa não vier à rua, não existe, não é
credível.
Nas suas reuniões,
Beppe Grillo fala muitas vezes das equipas de televisão estrangeiras que o
acompanham. De todo o mundo. Dinamarquesas ou canadianas. Porque o jornalismo
não se resume a análises e a interpretações, também conta uma história e faz um
relato. Se um estrangeiro abrir La Repubblica ou o Corriere
della Sera não vai perceber nada do que se passou nesta campanha
eleitoral. Será incapaz de ficar com uma ideia sobre o estado de espírito dos
italianos e sobre as duas perguntas que atormentam o país: quem vai votar no Movimento
5 Estrelas e quem fica a tremer só de pensar nisso?
A comunicação
social dita "de referência" trata Beppe Grillo como se este fosse um
pequeno ditador. Só se fala no Movimento 5 Estrelas quando alguém se rebela
contra o chefe de fila ou quando há qualquer coisa para dizer sobre o
"guru" Gianroberto Casaleggio, cofundador do Movimento de Beppe
Grillo. Como se toda esta gente, todos estes italianos que enfrentam o frio
para se concentrarem na rua um dia por semana fossem cidadãos de segunda
categoria, lobotomizados. Temos o direito de perguntar como é que um humorista
consegue ter um êxito destes. Chega a ser um dever de informação. Seja o que
for, não se pode ignorar.
Um lugar no
governo?
Quanto ao resto,
basta passar os olhos pelas sondagens. Publicado dia 6 de fevereiro, o último inquérito do
instituto de sondagens SWG (Studi e Proiezioni Elettorali) sobre as eleições
para o Senado dá à coligação de centro-esquerda 34,4% (o Partido Democrata fica
nos 29,6%) e à coligação de Monti, 11,5%. Teoricamente, Monti e os seus
apoiantes podem mesmo não ultrapassar a barreira dos 10%. O centro-esquerda e
Monti não ultrapassam portanto a barreira dos 45%.
Os mesmos números
são obtidos se juntarmos os 28,7% do centro-direita (o Povo da Liberdade fica
nos 19%) e os 17,5% de Beppe Grillo (que recolhe 18% dos votos na Câmara dos
Deputados). Se só olharmos para os números, o duo Berlusconi-Grillo (46,2%),
por muito hipotético e dificilmente imaginável que seja, concentra hoje mais
intenções de voto no país do que a dupla Bersani-Monti (45,8%), a única de que
os jornais falam.
Dito de outra
forma, para se compreenderem bem as coisas, no caso muito pouco provável de
Beppe Grillo e Silvio Berlusconi forjarem uma aliança, será difícil ao chefe de
Estado não oferecer a um destes dois homens a responsabilidade de formar
governo.
Uma Itália dividida
ao meio
Números
inquietantes? Cenários fantasistas? A verdade é que estes números são reais. E
mais do que os números, há os cérebros, os corações, as pessoas, as famílias.
Há duas Itálias. Uma que podemos resumidamente considerar europeia, ou seja,
responsável, credível, mas que vacila e se perde em questiúnculas e debates
inúteis, e uma outra difícil de identificar porque Beppe Grillo e Silvio
Berlusconi são diferentes, mesmo tendo alguns pontos em comum.
Os italianos que
tencionam votar em Bersani ou em Monti são em mesmo número que os que tencionam
votar em Beppe Grillo ou em Berlusconi. E estamos a dezassete dias das
eleições! É esta a realidade dos factos. Vejamos melhor. Há qualquer coisa que
se passa em Itália. Uma coisa grave. Intensa. E que nada tem que ver com o
cãozito de Mario Monti. Previnam as estrelas do Twitter. E até mesmo os
dirigentes políticos, que ainda podem restabelecer a vantagem.
Nota PG: Neste
momento as urnas de voto estão a encerrar em Itália.
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