Eduardo Oliveira Silva – jornal i, opinião
Como é possível
achar uma catástrofe o salário mínimo chegar aos quinhentos euros?
Não é tanto aquilo
que João César das Neves diz que arrepia; é a forma como o exprime. Este
católico, que foi um precioso auxiliar de governante e um alto quadro da época
do dinheiro para tudo, transmite hoje em dia uma severa e castigadora mensagem
com um olhar fulminante que mais lembra o de um fundamentalista.
César das Neves
recorre ao "sound bite" sistemático para propalar a partir da sua
cátedra o que acha serem verdades para fazer escola, mas não se lhe ouve um
acto de contrição por ter sido parte de escolhas que mandaram para casa
trabalhadores em plena idade produtiva para libertar as empresas à conta da
Segurança Social, engrossando lucros e balanços para facilitar privatizações
altamente rentáveis. E isso aconteceu quando ele era um consultor influente do
governo, quadro do Banco de Portugal, onde teve, também ele, um poiso e um
regaço cumulativo.
Com tanta bagagem,
tanta ciência e tanto mestrado, não há, porém, nota dele na economia real e
verdadeira das empresas. Mesmo assim, fala sobre o que seria uma catástrofe
nacional se o salário mínimo chegasse aos astronómicos quinhentos euros,
quando, por exemplo, na Irlanda é cerca de três vezes mais.
Como não podia deixar
de ser, César das Neves, numa elucidativa entrevista ao "Diário de
Notícias", atira-se também ao Tribunal Constitucional, com o hilariante
argumento de que não faz análises jurídicas mas políticas. Ora se a
Constituição é uma lei política, como seria possível fazer leituras que não
envolvessem considerações sobre direitos e questões de igualdade?
No seu discurso, o
professor diz também muitas coisas certas, mas sente-se nele uma permanente
necessidade de se afirmar como quem procura seguidores ou até criar escola,
através de proclamações bombásticas e fulgurantes, como a de que "subir o
salário mínimo é a melhor maneira de destruir a vida dos pobres", ou de
que "há uma data de gente a falar de pobres que não são pobres e que em
nome dos pobres querem defender o seu, a fingir que são pobres".
Pobres os que usam
uma linguagem dessas, isso sim! Pobres porque não percebem que há uma classe
média que trabalhou fora da universidade, do Banco de Portugal e dos gabinetes
governamentais cumprindo ao longo de anos horários e deveres e que hoje em dia
tem medo do futuro ou do empobrecimento para o qual a estão a empurrar
irremediavelmente. O que essa gente recebe como salário é contrapartida de
trabalho e esforço efectivo. Quanto aos que são pensionistas e vão tendo algum
conforto mas estão preocupados e por isso falam publicamente, é bom lembrar que
recebem em função de descontos efectuados em concreto por eles próprios e pelas
empresas para as quais trabalharam.
Quando se ouvem
afirmações peremptórias e absolutas proferidas por alguns católicos,
percebem-se perfeitamente os problemas que enfrenta o Papa Francisco e a
dificuldade que vai sentir para tornar mais consensual e actualizada a mensagem
da Igreja. Esperemos que o Santo Padre tenha êxito.
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