Breno Altman –
Correio do Brasil, opinião
A bem da verdade,
alguns dos magistrados foram coerentes com sua trajetória. Atiraram-se
avidamente à chance de criminalizar dirigentes de esquerda e prestar bons
serviços aos setores que representam.
O voto de Gilmar
Mendes, por exemplo, transbordava de revanchismo contra o Partido dos
Trabalhadores. O ministro Marco Aurélio de Mello, o mesmo que já havia dito, em
entrevista, que considerava o golpe de 1964 como um “mal necessário”, seguiu
pelo mesmo caminho. Mandaram às favas a análise concreta das provas e
testemunhos. Apegaram-se às declarações de Roberto Jefferson para fabricar
discurso de rancor ideológico, ainda que disfarçado por filigranas jurídicas.
Outros juízes,
porém, simplesmente abaixaram a cabeça, acovardados. Balbuciavam convicções sem
fatos ou argumentos dignos. A ministra Carmen Lúcia não listou uma única
evidência firme contra José Dirceu ou Genoíno, contentando-se com ilações que
invertem o ônus da prova. Foi pelo mesmo caminho de Rosa Weber, sempre
pontificando sobre a “elasticidade das provas” em julgamentos desse naipe.
O papel nobre e
honroso de resistência à chacina judicial coube ao ministro Lewandovski, o
único a se ater com rigor aos autos, esmiuçando tanto os elementos acusatórios
quanto as contraposições da defesa. Teve a companhia claudicante de Dias
Toffoli, sempre apresentado pela velha mídia como “ex-advogado do PT”, sem que
o mesmo tratamento fosse conferido a Mendes, notório áulico tucano.
Assistimos a um
julgamento político e de exceção. Um aleijão que fere os princípios
constitucionais e contamina as instituições democráticas. O processo está sendo
presidido por teorias que possam levar ao objetivo pré-concebido, em marcha
batida na qual são atropeladas seculares garantias civis.
A existência da compra
de votos dos parlamentares é reconhecida sem que haja qualquer prova factual ou
testemunhal. A transferência de recursos financeiros entre partidos passa
automaticamente a ser considerada corrupção passiva, mesmo que não haja ato de
ofício ou compromisso ilícito, renegando a jurisprudência da corte e abrindo as
portas para toda sorte de subjetivismo.
Quadros de partido
e governo são condenados porque a função que exercem traz em seu bojo a
responsabilidade penal por supostos atos de seus subordinados ou até por
aqueles sobre os quais teriam ascendência não-funcional. Em nome dessa
doutrina, denominada “domínio do fato”, a presunção de inocência é fuzilada.
Cabe ao réu comprovar que não teria como desconhecer o fato eventualmente
delituoso.
Essa coleção de
barbaridades e ofensas à Constituição ontem levou à condenação, por corrupção
ativa, de José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares. Dos três, apenas o
ex-tesoureiro petista esteva vinculado a situações materiais, mas sem que
houvesse qualquer elemento comprobatório de ação corruptora. Arrecadou e
transferiu irregularmente fundos para os partidos, e desse procedimento é réu
confesso, mas não houve registro fático que ele algo tivesse comprado que
tivesse sido posto à venda pelos parlamentares denunciados.
Quando o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso conseguiu a emenda da reeleição, o
deputado Ronivon Santiago, então no PFL do Acre, confessou ter recebido R$ 200
mil para dar seu voto a favor dessa medida. Aqui temos valor, fato e prova
mediante confissão – aliás, de um crime que o STF jamais se dispôs a julgar.
Nada disso, no entanto, apareceu na ação penal 470. Apenas ilações e
conjecturas a partir de mecanismos anormais de financiamento partidário ou
eleitoral.
Mas o caso de
Dirceu e Genoíno é ainda pior. Não aparecem na cena de qualquer crime, delito
ou contravenção. A suposta prova contra o ex-guerrilheiro do Araguaia é um
contrato de empréstimo contabilizado e quitado, cujas verbas não constam das
transações interpartidárias, como bem demonstrou o ministro Lewandovski. Foi
condenado porque a ele se aplicou a lógica de exceção: se era presidente do PT,
não tinha como ser inocente das denúncias formuladas.
A condenação do
ex-chefe da Casa Civil, por sua vez, apresenta-se como a maior das brutalidades
legais cometidas. Salvo acusações do condenado Roberto Jefferson, não há contra
si qualquer testemunho ou evidência. Ao contrário: dezenas de depoimentos
juramentados corroboram sua inocência, formando verdadeira contra-prova. Mas a
maioria dos ministros sequer se deu ao trabalho de citá-los ou analisá-los.
Ambos, Dirceu e
Genoíno, tiveram seus direitos degolados para que os interesses mobilizadores
do processo se consumassem. Há sete anos as forças conservadoras e seu partido
midiático fizeram do chamado “mensalão” o centro da estratégia para enfrentar a
liderança crescente do PT e do presidente Lula, de vitalidade reconfirmada em
seguidas eleições, incluindo a do último domingo. Condenar os dois dirigentes
era marco imprescindível dessa escalada.
O STF, acossado
pela mídia corporativa, além de aviltado pelo reacionarismo e a covardia,
prestou-se a um triste papel, escrevendo página de vergonha e arbítrio em sua
história. De instituição responsável pela salvaguarda constitucional, abriu-se
para ser o teatro onde se encena a reinvenção da direita. Quem viver, verá.
* Breno Altman é
diretor editorial do sítio Opera Mundi e da revista Samuel.
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