Diário de Notícias, editorial
Quinze mil pessoas
só em Lisboa para aplaudir o protesto dos muitos artistas, da dança ao teatro,
da literatura à música, e quase tantas outras em manifestações semelhantes de
norte a sul. 4500 farmacêuticos e profissionais das farmácias percorrendo as
ruas e gritando contra os cortes do Ministério da Saúde. Uma marcha de muitos
milhares de desempregados, promovida pela CGTP, a desembocar em frente à
Assembleia da República, de onde já nem são retiradas as grades de contenção,
tantas têm sido as contestações no local. A rua, o povo, voltou ontem a
fazer-se ouvir. As manifestações tornaram-se uma constante em Portugal e
repetem-se quase todas as semanas. A indignação social não para de crescer no
País.
Não foi só contra a
TSU. Os sinais da rutura social vêm de trás e não param de se avolumar. Dos
movimentos apolíticos às greves e aos protestos sindicais, a agenda de
manifestações tem estado cheia e teve o seu ponto alto a 15 de setembro (com o
"Que Se Lixe a Troika"). A greve geral da CGTP anunciada para 14 de
novembro será o próximo momento-chave. Os riscos de alguma coisa poder sair do
controlo é cada vez maior. Até porque, além da contestação natural a uma
austeridade nunca vista, há a ideia já instalada de que pressão pode fazer
ceder o Governo, que vem revelando fragilidades e desnorte.
Para combater este
enfraquecimento, o Governo terá de mostrar clareza. Revelar de uma vez, sem avanços
e recuos, as medidas que esperam os portugueses em 2013 e, se possível, se elas
chegam para os objetivos que tem de cumprir em 2014. E explicar tudo com
racionalidade e dispensando experimentalismos. Esta ideia de que estamos
perante um Orçamento em progresso, em construção, aberto a propostas dos
partidos e parceiros sociais, e sujeito à crueldade dos erros cometidos, é
assustadora. E a tática de incendiar com notícias bombásticas para depois poder
ceder e mostrar que era só fumaça pode ser fatal: um fogo com várias frentes é
muito difícil de travar.
... e as outras
pressões
Cavaco Silva
aproveitou as declarações da diretora-geral do Fundo Monetário Internacional
(FMI), Christine Lagarde, para enviar uma mensagem. Após Lagarde ter afirmado
que o ajustamento orçamental "deve estar calibrado" a cada país e
ajustado especificamente às bases de cada economia, Cavaco decidiu intervir.
Numa declaração na sua página no Facebook, veio avisar o Governo de que não se
pode cumprir o objetivo do défice "a todo o custo" e que se deve
pedir à troika que suavize as metas impostas.
Este recado do
Presidente só aumenta o rol de pressões a que o Governo está sujeito a dois
dias da apresentação oficial do Orçamento. Junta-se às ameaças dos
sociais-democratas da Madeira e Açores (Guilherme Silva e Mota Amaral) de que
podem votar contra o documento. E à multiplicação de vozes contra a dimensão da
austeridade, vindas de todos os quadrantes políticos.
Este sinal do PR -
depois de ter dito, ainda que a um jornal estrangeiro e não nas cerimónias à
porta fechada do 5 de Outubro, que é preciso ouvir a voz do povo - é também ele
fragilizador. O Governo está sob pressão total.
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