sexta-feira, 12 de abril de 2013

Guiné-Bissau: GOLPE DE ESTADO SÓ “VALEU A PENA” PARA GOLPISTAS E APOIANTES




Golpe fez regredir todos os indicadores, dizem analistas um ano depois

10 de Abril de 2013, 05:00

Bissau, 10 abr (Lusa) - O golpe de Estado de há um ano fez regredir todos os indicadores da Guiné-Bissau, incluindo o respeito pelos direitos humanos, dizem analistas ouvidos pela Lusa, um deles a defender mesmo uma "administração internacional" para salvar o país.

"Tem de haver uma administração internacional e tem de começar desde já, com a organização das eleições, tem de começar a intervir e com uma intervenção pró-ativa", defende o analista Rui Landim, a propósito do primeiro aniversário do golpe de Estado de 12 de abril de 2012, que derrubou o poder legítimo.

Porque o país "piorou" em todos os domínios, defende o analista que seja a comunidade internacional a "intervir com mais afinco" e que seja o Conselho de Segurança das Nações Unidas a marcar a data das eleições e a ONU a apoiar depois "uma nova administração internacional, para se reconstituir um Estado que não existe".

"Os ministros que tratem dos aspetos políticos, os aspetos técnicos e administrativos devem de ser decididos pela comunidade internacional. Que não seja permitido que qualquer primeiro-ministro, qualquer ministro, nomeie parentes, filhos e tios", diz Rui Landim, para quem "um Estado muito partidarizado enfraquece as instituições democráticas".

Até agora, as nomeações familiares ou partidárias (mesmo antes do golpe) "destruíram as instituições", afirma o analista, acrescentando: "há golpes de Estado militares mas há golpes de Estado que se fizeram durante muito tempo, golpes nas instituições, que são relegadas para segundo ou terceiro plano e são as vontades das pessoas que imperam".

No entender de Rui Landim, "é sempre mau" uma rotura da ordem constitucional, embora por vezes seja "a última saída" (exemplo do 25 de Abril em Portugal). Mas no caso da Guiné-Bissau, o último golpe militar, e outros anteriores, desde a guerra de 1998, só têm feito regredir o país.

Não foi diferente o de 12 de abril: "todos os indicadores macroeconómicos e sociais mostram que há uma grande regressão", para já não falar "do respeito pelos direitos humanos", que na Guiné-Bissau "caiu grandemente", avisa Rui Landim.

Fodé Mané, antigo diretor da Faculdade de Direito de Bissau, explica de outra forma uma ideia quase idêntica. Antes do golpe de há um ano já havia "turbulência política" e havia manifestações constantes contra má governação e mau funcionamento da Justiça, lembra.

"Quando houve o golpe de Estado em que saíram vencedores os que contestavam o regime esperava-se que fizessem algo diferente. Será que temos melhor Justiça? Creio que não", diz o analista, considerando que ao contrário houve reformas que pararam e o Ministério Público foi politizado, pelo que houve nessa matéria "um falhanço total".

"O golpe tinha como um dos pressupostos que havia perseguições e instabilidade. Não deixou de haver mortes depois do golpe e continuamos com restrições à liberdade, como a de informação, de expressão, de manifestação e mesmo até de circulação", acusa Fodé Mané, que critica ainda não haver um calendário para as eleições nem um processo de reconciliação nacional, algo que estava a ser preparado antes do golpe de há um ano.

Neste último ano, sintetiza Fodé Mané, "o país não se encontrou" e houve "retrocesso" em todos os indicadores, das exportações à produtividade. E aumentaram as tensões entre as várias instituições, como o Parlamento, o Governo ou a Presidência, a que se juntou uma diplomacia débil, de confronto, que redundou "num fracasso total".

E no poder estão as pessoas que se manifestaram semanalmente no passado e que hoje proíbem as marchas e exercem censura na comunicação social estatal, acrescenta.

O analista defende que se realizem eleições ainda este ano, como também Rui Landim, com ambos a criticar que não haja já uma agenda com datas marcadas. Segundo Rui Landim, não há uma perspetiva de esperança para a Guiné-Bissau e o país vive sim "num clima nebuloso".

FP // VM

Golpe de Estado de 2012 valeu a pena - Artur Sanhá

10 de Abril de 2013, 05:00

Bissau, 10 abr (Lusa) - O coordenador do Fórum de partidos que sustentam o Governo de transição na Guiné-Bissau, Artur Sanhá, considera que "valeu a pena" o golpe de Estado de 12 de abril de 2012, com o qual concordou.

Antigo primeiro-ministro e atual presidente da Câmara Municipal de Bissau, Artur Sanhá defende que o regime deposto pelos militares praticava "muitos males" pelo que, nota, só podia ser destituído através de um golpe de Estado.

"Realmente valeu a pena, porque nós temos muitas provas de maldade do regime deposto com o golpe de 12 de abril de 2012, temos provas de muitas perseguições, abusos de alienação de recursos naturais, factos que devem fazer com que, em qualquer Estado, um punhado de indivíduos nacionalistas se levantem um dia para por fim a essas coisas", diz Sanhá.

O coordenador do Fórum de partidos signatários do pacto de transição (instrumento pelo qual se regem o Governo e a Presidência da República desde o golpe) diz que decidiram apoiar o levantamento militar por concordarem com a ação.

"Nós apoiámos os promotores do golpe de Estado, porque sabíamos dos males que se passavam que iam contra a nossa realidade e o nosso destino", observa Artur Sanhá, enumerando de seguida os "avanços alcançados" pelo Governo de transição.

"Em termos governativos, o governo está de parabéns porque estamos a ver bons sinais em termos de uma gestão transparente, uma gestão com austeridade e um certo dinamismo no campo político e diplomático, o que mostra que existe um aval dos parceiros regionais e sub-regionais", afirma.

"Pode ter havido algum atraso em relação ao processo eleitoral, mas isto justifica-se por causa de falta de reforma legal, mas estamos convictos que será uma tarefa para breve", observa o responsável.

Artur Sanhá disse ainda que não é fácil governar a partir de um golpe de Estado, mas mesmo assim diz que "dias melhores virão" para a Guiné-Bissau.

"O país aguarda sucessos dentro dos parâmetros do Programa do Governo de transição, no entanto qualquer regime que saia de um golpe de Estado tem sempre dificuldades em termos de relacionamento externo a nível de política internacional", sublinha Sanhá.

O coordenador do Fórum entende que é preciso que os guineenses se juntem para levar avante o país.

"É muito importante um consenso nacional amplo. Ninguém deve ficar de fora", observa Sanhá, referindo-se às demais forças que têm aderido ao pacto de transição.

A 12 de abril do ano passado os militares da Guiné-Bissau afastaram os governantes legítimos. O governo de transição não é reconhecido pela maior parte da comunidade internacional.

MB // VM

Guineenses fazem balanço negativo um ano após golpe de Estado

10 de Abril de 2013, 05:00

Bissau, 10 abr (Lusa) - Carlitos Fafé vende jornais há mais de 20 anos pelas ruas de Bissau mas nunca teve um ano "tão fraco" como os 12 meses que se passaram desde o golpe de Estado de 12 de abril de 2012.

Carlitos anda de bicicleta na distribuição de sete títulos de jornais (do estatal aos privados) mas, contou à Agência Lusa, "o negócio tem sido tão fraco" que às vezes nem chega a negociar 200 jornais por dia.

"A situação do país está cada vez mais difícil. O país vai mal", afirma Carlitos, no meio de uma tentativa de vender um dos jornais a um cidadão estrangeiro no mercado central de Bissau.

"Dantes os estrangeiros, meus clientes, por exemplo compravam-me de uma assentada 4,5,6 jornais, mas hoje alguns compram um jornal e é já muita coisa", enfatiza, acrescentando: "Há algumas pessoas, funcionários públicos, que fazem 'vaquinha' para comprar um jornal, que leem à vez".

Um ano após o golpe de Estado que depôs, a 12 de abril de 2012, o poder legítimo, Cadidjatu Baldé fala também das dificuldades que vai tendo "desde a entrada em função da transição" para vender todos os dias a banana e o amendoim pelas ruas de Bissau.

"Antes da 'transição' eu vendia muito. Havia muito dinheiro e tinha muitos clientes que compravam as minhas coisas rapidamente, agora não há nada. As pessoas estão sem dinheiro e nós não conseguimos vender nada", explica à Lusa.

Cadidjatu diz que não percebe muito bem da política, mas ainda assim acha que "a transição não está a conseguir nada".

À conversa com a jovem no largo da Baiana (centro de Bissau) junta-se o taxista Umaru Ly, que afirma: "Sendo jovem, não devia estar a conduzir um táxi, devia estar era a estudar, mas não posso, porque não há saída. O golpe de Estado veio trazer mais atraso, sobretudo para nós jovens".

"Mas posso garantir que há aqueles que saíram a ganhar com este golpe", defende, quando arranca para mais uma corrida, que diz ser cada vez mais "para queimar o gasóleo".

Como jornalista, José Augusto Mendonça tem informações que lhe dão esperança no futuro desde que haja "vontade política" dos guineenses. Ainda assim, o jornalista da ANG (Agência Noticiosa da Guiné, estatal) mostra-se triste com a realidade volvidos 12 meses desde o golpe de Estado militar.

"Infelizmente, é com muita mágoa que estou a constatar as coisas. Infelizmente não estou a ver nada como sinais que indiquem que as coisas estão a evoluir pela positiva. Estamos estagnados, onde estamos, durante 12 meses que já se passaram depois do golpe", observa José Augusto Mendonça.

"Mas, por aquilo que se está a agendar como próximos passos, acredito que as coisas poderão evoluir, mas deve ser acompanhado de muita vontade política dos atores internos do país", acrescenta.

Quando questionado sobre em que setor se sente mais a estagnação de que fala, Mendonça aponta a situação económica do país. "É na parte económica porque isso toca muito com o dia-a-dia da população. Antes (do golpe de Estado) a Guiné-Bissau estava na cauda do desenvolvimento humano, agora com esse bloqueio não sei se já não ultrapassámos essa escala", defende Augusto Mendonça.

Com o golpe de Estado de 12 de abril de 2012, grande parte da comunidade internacional cortou todos os apoios e cooperação com as novas autoridades que gerem o período de transição entretanto instituído.

MB // VM

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