Bruno Faria Lopes –
i online, opinião
A palestra da
presidente do Banco Alimentar não é relevante pela histeria acéfala que se
seguiu, mas pelo que representa do pensamento sobre a crise por boa parte da
direita
Em 1992 Vasco
Pulido Valente escrevia no “Independente” que nos outros países a riqueza era o
resultado visível do desenvolvimento das instituições e da economia. Já em
Portugal, notava o colunista no início da louca década de 90, acontecia o
oposto. A riqueza chegava primeiro, através dos fundos da “Europa” (e mais à
frente com a baixa dos juros com o euro) – o desenvolvimento estrutural viria a
seguir. Importante era meter o pé na porta para entrar no clube dos ricos, de
preferência sem grandes perguntas. Uma vez lá dentro havia que pedalar para
chegar ao nível dos outros, ao “pelotão da frente”, como dizia Cavaco.
A onda que veio a
seguir foi boa – em muitos aspectos Portugal é hoje um país muito melhor do que
aquele rectângulo pobre dos anos 70 e 80 (é só consultar as estatísticas). Mas
a mesma onda de maior abundância relativa aterrou em cima de um enorme atraso e
de uma malha institucional opaca que pouco mudou. Lado a lado com a melhoria
real e concreta das nossas vidas (e o crescimento exponencial das expectativas)
corria a má política económica e o salto inconsciente para uma zona monetária
mal feita e para a qual o país não estava preparado. Haveria alguma noção de
que o salto estava ser demasiado grande? Talvez – mas, como duvidar muito se a
casa nova está ali, se o salário é real (quem avisou que era “mau” se vinha de
um negócios não exportador?), se o filho está a estudar para ser doutor, se o
banco empresta barato, se a moeda que os “cabeças grandes” desenharam é a mesma
que os alemães usam?
Vem toda esta
aborrecida prédica a propósito da polémica palestra de Isabel Jonet sobre as
virtudes do empobrecimento e as origens da crise. Jonet hiper-simplificou o
problema, naquele tom habitual de professora de escola primária católica.
Deixou de fora a responsabilidade da ilusão vendida pela elite ao país (elite
de onde Jonet provém) e colocou sobre os ombros do já massacrado português o
ónus inteirinho da culpa moral pela crise. Jonet não falou de pobres, mas de
“uma determinada camada da população que tinha previsto viver bem”, aquela
classe média que agora tomba de novo para uma pobreza remediada. Falou como se
tal aspiração universal fosse estúpida perante todos os incentivos que o
Estado, os bancos e a Europa ofereciam.
As palavras de
Jonet não são relevantes pela histeria acéfala que se seguiu, promovida pela
grupeta (maioritariamente à esquerda) da indignação fácil e do ódio à
“caridade”. Aqui basta olhar para o que Isabel Jonet tem feito nos últimos 20
anos no Banco Alimentar e compará-lo com as conquistas de sofá dos campeões do
amor aos pobres, que agora clamam pela sua demissão (mostrando o monopólio que
dizem ter do amor à “liberdade de expressão”).
As palavras de
Jonet são importantes por outra razão – porque representam a forma simplista de
pensar de uma boa parte da direita portuguesa sobre as razões que trouxeram
Portugal a este beco. É uma narrativa que toca num ponto certo – a
responsabilidade individual das pessoas – mas que omite todas as restantes responsabilidades.
É uma narrativa perigosa porque é tão simples, tão sedutoramente parecida com
aquilo que os nossos pais e avós nos ensinaram (e bem). O problema é que nesta
crise não há inocentes, sobretudo as pessoas que Jonet deixa de fora da sua
mansa homilia. Apurar as responsabilidades é a única forma de corrigir os erros
– e de tentar evitá-los no futuro.
*Jornalista - Escreve
à sexta-feira
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