Verdade (mz) - Editorial
Afinal não custou
oito milhões de dólares o carro da Presidente da Assembleia da República? O
Presidente da República, sabe-se lá porquê, não resolveu passar a desfilar de
helicópteros naquilo que baptizou de presidência aberta? Afinal o INSS não
gasta um milhão de dólares para comprar blocos e canetas num concurso público
fajuto?
Os deputados não
andam de carros que chegariam para irrigar Chigubo? Afinal o SISE não vive com
um orçamento pornográfico num país cujas salas de aulas desconhecem carteiras?
Porque que cargas de água temos de nos indignar, agora, com os 16 milhões de
meticais que a Hidroeléctrica de Cahora Bassa vai gastar num monumento. Afinal
o país não é deles?
Temos de deixar de
nos preocupar com quem não nos liga a mínima. Não existe dinheiro público neste
país. É tudo deles e podem fazer o que bem entenderem com ele. Podem construir
uma ponte e baptizarem com um nome impopular. O que vamos fazer? Nada.
Eles podem decidir
mudar a Constituição e perpetuarem a promiscuidade que afecta o país. O que
vamos fazer? Nada. Somos demasiado brandos porque, dizem, anestesiados com a
vacina da libertação.
Nós nunca movemos
uma palha para mudar o curso das coisas. Limitamo-nos a chorar nos cantos e a
murmurar insultos no conforto da nossa pobreza. De eleição em eleição votamos
para legitimar o assalto ao cofre das nossas expectativas, fazendo as escolhas
que nos realçam os ossos nos empréstimos/armadilha feitos no país dos homens de
olhos finos.
Estamos à espera de
morrer numa terra que deixou de nos pertencer, mas que julgamos nossa porque
nos chamam, sempre que convém, de povo maravilhoso, humilde e trabalhador.
Pois, somos maravilhosos, mas maravilhosamente apáticos e preocupados com o
acessório.
Desde quando é que
somos trabalhadores? Não há emprego e somos trabalhadores, nós? Aceitamos tudo
de forma acrítica. O único trabalho que temos, enquanto que povo, é sobreviver.
E isso não pode ser considerado trabalho.
Há meses não
ouvimos que empresa X é de fulano Y? Ouvimos, sim. O que fizemos? Nada. Eles
vão ficar com o negócio da conversão do sinal analógico para o digital. Vão
enriquecer por causa da cadeira na qual estão sentados e nós, mais uma vez,
vamos fazer o quê? Nada.
Não que a apatia e
o conformismo façam parte do nosso código genético. É que os roubos são tão
frequentes que se tornam ordinários. Não nos escandalizam. Até dizemos, entre
os nossos botões, quem não faria o mesmo naquele lugar para amordaçar e
anestesiar a nossa consciência? Por isso é que não nos espanta o esbanjamento
megalómano da Hidroeléctrica de Cahora Bassa. É nossa cultura gastar no
acessório. Fazer mais como?
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