Paulo Gaião –
Expresso, opinião, em Blogues
A vida dá muitas
voltas. Há dez anos, António Guterres era o pai do monstro. Hoje, o monstro tem
uma nova paternidade, posta a nu pelo Governo ao querer refundar o memorando e
reduzir a despesa pública. Mas quem será? Mas quem será? Pois é: Cavaco Silva,
a personagem mais improvável de todas.
Os sectores onde
Passos Coelho e Vitor Gaspar querem reduzir 3,5 mil milhões de euros estão na
Saúde, Educação e Segurança Social (garante Marques Mendes). Ora são precisamente
estes onde mais subiu a despesa pública durante o cavaquismo, entre 1985 e
1995, quando Cavaco Silva foi primeiro-ministro.
Escreve o
historiador António José Telo na sua História Contemporânea (edição Presença),
citando o balanço feito por Eduardo Catroga, um dos ministros das Finanças de
Cavaco (há 20 anos, ficava bem o elogio ao despesismo, que era a prova de que
um executivo governava bem): "O cavaquismo levou o sistema do Estado
Providência (...) ao seu desenvolvimento pleno.
Na década de
1985/1995 o sistema de saúde, o sistema educativo e o sistema de segurança
social (os três pilares do Estado Providência) são alargados de modo a abarcar
toda a realidade nacional e alcançam a sua expressão máxima.
As despesas do
Estado com a Saúde passam de 3,3% do PIB (em 1986) para 4,3% (em 1995); as
despesas do Estado com a educação passam de 3,7% do PIB (em 1985) para 5,1%(em
1995). Verifica-se pois que os três pilares do Estado-Providência cresceram
significativamente nos dez anos do cavaquismo, tendo passado as despesas do
Estado com eles de 8,7% do PIB (em 1985) para 13,2% (em 1995), um grande
aumento de 51%" (os números são de Eduardo Catroga, no livro Politica
Económica, 12 meses no Ministério das Finanças, p.140).
António José Telo
recorda com ironia que o lema central do cavaquismo era "Menos Estado,
Melhor Estado". A realidade foi completamente diferente. Cavaco aumentou
funcionários, criou novas estruturas, fez novas despesas, aumentou salários da
Função Pública. Criou um monstro despesista (continuado por Guterres). O que
foi gasto não trouxe, de todo, benefícios proporcionais.
Até hoje Cavaco
Silva passou sob os pingos da chuva quando a matéria é despesa pública. Ainda
disfarçou mais quando em 2000 se atirou a António Guterres por causa do monstro
despesista deste. "Na ciência económica há um modelo explicativo do
crescimento das despesas públicas em que o Estado é visto como um monstro de
apetite insaciável para gastar mais e mais. É o modelo do Leviatão". Era
assim que começava o seu artigo "O Monstro", no Diário de Notícias,
de 17 de Fevereiro de 2000. Depois era o desanque a Guterres.
"Há indicações
de que hoje, em Portugal, o monstro anda à solta, atinge um tamanho alarmante e
está incontrolável. O orçamento para o ano 2000, em discussão na Assembleia da
República, é a prova disso". Terminava assim: "Receio bem que o
monstro atinja uma tal dimensão que o combate, depois, não se faça sem muitos
feridos quer do lado do Governo, quer do lado dos partidos da oposição, sem
falar nos estragos causados à economia nacional e ao bem-estar dos
Portugueses."
Quem com ferro mata,
com ferro morre. Ou pela boca morre o peixe. Hoje, o Presidente da República,
encontra-se numa situação difícil. Que fazer? Junta-se ao povo e à esquerda e
não permite cortes na Saúde, Educação e Segurança Social? Mas assim afronta o
Governo e a própria troika. Aceita que é preciso baixar a despesa, cortar
funcionários e até reduzir alguns gastos sociais? Mas assim está a por-se a
jeito para lhe atirarem à cara que foi ele o grande responsável há dez anos
pelo aumento destas despesas....
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