Painel de quatro
constitucionalistas debateu os direitos sociais e os modelos de Estado Social
permitidos pela Constituição. Catedrático Gomes Canotilho alerta para perigo de
cidadania transformada numa lógica do "cliente".
O
constitucionalista Jorge Miranda defendeu esta segunda-feira de manhã, num
debate sobre a sustentabilidade do Estado social, que é “indispensável” a
fiscalização do Orçamento do Estado (OE). E insistiu que o Presidente da
República deve enviá-lo para o Tribunal Constitucional.
Acompanhado de
outros três constitucionalistas – Gomes Canotilho, Jorge Reis Novais e Carlos
Blanco de Morais –, que compunham um painel de debate sobre o Estado social, na
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Jorge Miranda acrescentou que a
situação económica e financeira tem de se compaginar com a existência de
direitos fundamentais. E que, em sua defesa, “a última palavra deve ser dos
tribunais, não da classe política nem da classe dos banqueiros”.
Jorge Miranda
voltou a insistir na necessidade de o Presidente da República solicitar a
fiscalização preventiva de algumas normas do OE para 2013 e disse que pode
estar em causa um “projecto de refundação do Estado neoliberal”.
O professor
catedrático de Direito Constitucional voltou a defender, no âmbito da Educação,
o ensino obrigatório como gratuito – sob pena de violar a Constituição –, e
disse que o problema básico de sustentabilidade do Estado social é um problema
de natalidade e não financeiro.
O também professor
catedrático Gomes Canotilho, que se referiu à Constituição como “um amplo
catálogo de direitos económicos, sociais e culturais”, defendeu que há uma
falta de sintonia entre os discursos económicos e constitucionais. Canotilho
disse ainda que, no “linguajar económico”, direitos económicos, sociais e
culturais são “excepcionalmente públicos” e não “fundamentalmente públicos”.
Numa intervenção em
que colocou a questão sobre como articular o Estado social com a crise fiscal
do Estado, o professor de Coimbra criticou ainda os “intelectuais” que deixaram
de questionar se uma medida é boa ou má, mas inquirem apenas se é eficaz, numa
visão da política económica que se restringe a gerar recursos e não a
redistribuir riqueza. Para Gomes Canotilho, a discussão pressupõe responder se
há ou não jurisdição estatal e se estamos ou não ainda num Estado
constitucional e democrático. “A pergunta é importante, porque, às vezes,
parece que não”, disse.
Gomes Canotilho
disse que o Direito Constitucional deve acompanhar o esforço de racionalização
dos recursos, o que é diferente, disse, de “estar na transição para um Estado
pós-social com subversão de alguma justiça social.” E justificou: “Não há
cidadania que pressuponha o cidadão como cliente, utente e consumidor”. “Basta
ver quem paga impostos: são trabalhadores e pensionistas”, acrescentou, em
defesa da sua tese.
Direitos sociais
custam dinheiro, diz Blanco de Morais
Já o constitucionalista Carlos Blanco de Morais criticou a maioria governamental, que não apresentou “uma ideia” para a reforma do Estado Social e disse acreditar que está em causa apenas “um corte de quatro mil milhões de euros sem critério” que não seja o dos credores internacionais.
Já o constitucionalista Carlos Blanco de Morais criticou a maioria governamental, que não apresentou “uma ideia” para a reforma do Estado Social e disse acreditar que está em causa apenas “um corte de quatro mil milhões de euros sem critério” que não seja o dos credores internacionais.
O também
catedrático de Direito defendeu, no entanto, que a Constituição está
“hiperinflacionada” de direitos sociais, que “custam muito dinheiro”. Para o
professor, houve um crescimento não sustentado do Estado Social e é necessário
pensar o modelo de Estado tendo em conta os recursos financeiros disponíveis.
O
constitucionalista defendeu ainda que terá de ser repensado o modelo de
gratuitidade dos ensinos básico e secundário e que uma revisão das tarefas do
Estado deve englobar sectores como as autarquias, o ambiente, as obras públicas
e “até a cultura”.
O catedrático Jorge
Reis Novais foi mais duro em relação às opções políticas do actual Governo de
maioria e defendeu o Tribunal Constitucional (TC) como o garante dos direitos
sociais como direitos fundamentais. Reis Novais disse que o TC deve intervir
não para dizer se a carga fiscal deve incidir mais nos rendimentos do trabalho,
na Saúde ou na Educação, mas se, dentro do quadro constitucional, o poder político
tomou uma decisão que fere ou não os princípios constitucionais.
O
constitucionalista exemplificou com o acórdão de 2012 e disse que, apesar de
concordar com a decisão de inconstitucionalidade do corte dos subsídios de
férias e de Natal aos funcionários públicos e pensionistas, discordou da sua
fundamentação jurídica. E avisou que, se o OE for para o TC, a decisão pode não
ser a mesma: “No acórdão de 2012, o TC disse que estava a fazer um controlo de
evidência, a desigualdade não é tão ostensiva neste Orçamento”.
“Há um grande
défice de funcionamento democrático, neste momento”, disse Jorge Reis Novais,
acrescentando que, quando os cidadãos não encontram respostas no poder
político, têm o TC.
Sem comentários:
Enviar um comentário