Mário Soares – Diário
de Notícias, opinião
Nas duas últimas
semanas, o Governo, que continua absolutamente paralisado, tem tentado
convencer os portugueses de que tudo está a melhorar. Não é verdade. Só se for
para os corruptos e alguns (poucos) ricos. Tudo vai cada vez pior. Porque o
atual Governo não ousa tocar-lhes. A ministra da Justiça nunca deixou que
fossem julgados os grandes corruptos que por aí andam a gozar a vida. São
exemplo disso os que tanto ganharam com os bancos falidos, como o BPN, o BPP de
Rendeiro e outros mais.
Pelo contrário, a
classe média está cada vez mais pobre. E os pobres vivem no desespero da
miséria, quando não emigram.
Mas isso não
interessa nada a este Governo. Não tem qualquer sensibilidade para com os
pobres nem para com a miséria. Mesmo quando alguns não sabem como alimentar os
filhos e saem do País. Note-se que o Presidente da República também não tem
nenhuma preocupação quanto a isso. No discurso de ano novo só falou dos
mercados. As pessoas e a política - que horror - parecem não lhe interessar.
Os pensionistas a
quem o Governo tirou parte das pensões são forçados a emigrar. Os suicídios
aumentam e a criminalidade também. Permite o Governo que se faça um referendo
para saber o que pensam os portugueses sobre a apregoada melhoria da atividade
governamental? Certamente que não.
O Governo fala
muito, diz coisas contraditórias, fala em números e mais números, mas nunca se
refere ao essencial. Por exemplo: quanto ganham os ministros, os secretários de
Estado, os chefes de gabinete e os múltiplos assessores no conjunto e cada um
de per si? Quanto gastaram nas últimas viagens que fizeram e quanto custaram as
respetivas comitivas? Ninguém sabe!
A desigualdade
entre os portugueses é cada vez maior, escandalosamente maior. Mesmo no tempo
de Salazar, porque Salazar não roubava, embora deixasse alguns fazê-lo. Nunca
foi tão longe, mesmo durante a guerra, na destruição do País. Nas vendas do
património, etc. É certo que as crianças na província andavam de pé descalço,
mas não tinham fome.
E por falar em
Salazar - o ditador que sempre combati e me enviou para São Tomé, sem
julgamento prévio -, será que a nova polícia especial que o atual Governo
anunciou criar vai ser uma outra espécie de PIDE? Estamos a caminho de uma nova
ditadura (embora sempre a falar de democracia) e há infelizmente tantos com
medo que lhe tirem ainda mais do pouco que tem, que estão cada vez mais
desesperados.
Talvez o Governo
tenha aceitado a minha advertência contra a violência (que tanto deu que falar)
e queira tão-só mais e melhor segurança, porque o diabo tece-as... Mas era bom
saber quanto isso vai custar ao Estado.
Repito, o Governo
fala mas pouco diz. Só o que lhe interessa. Dou exemplos. Quanto é que até hoje
pagou à troika e quanto vai pagar ainda? Por quanto é que vendeu o património
português (que já não é português) e como é que o gastou? Os portugueses
gostariam de saber tudo isso. Mas poucos sabem.
Quanto tem o
Governo recebido da Europa, nestes dois anos e meio, e para onde foi o
dinheiro? Era importante que os portugueses soubessem.
Considero que o
atual Governo não tem tido - julgo mesmo que nunca teve - uma estratégia para a
sua atividade política. Era importante que o tivesse feito, mas não me parece
que assim tenha sido. Em qualquer caso, nunca foi divulgada.
Estamos a poucos
meses das próximas eleições para o Parlamento Europeu. Era interessante que se
soubesse qual a estratégia a adotar - se é que têm alguma - pelos partidos do
Governo, que, ao que parece, cada vez mais se entendem pior.
A crise que vivemos
é evidente que não é só nossa. Deveu-se fundamentalmente à austeridade, tão
cara à senhora Merkel. Porque, como diz o Papa Francisco, a austeridade mata.
Sabem, com certeza, o senhor Presidente e o senhor primeiro-ministro que no
atual Governo haverá alguns católicos aos quais o bispo D. Januário disse, e
muito bem, que não podiam comungar porque não pensam nos seus compatriotas nem,
especialmente, nos pobres, alguns na total miséria. Têm as duas personalidades
citadas, e ainda o vice-primeiro-ministro que, depois de ter transformado o CDS
em PP, disse agora que é democrata-cristão, conhecimento do que diz e faz Sua
Santidade? Ou preconizam uma política de sentido contrário?
É certo que os
partidos da coligação não se entendem e, quando se irritam, falam em tons e
políticas diferentes. Mas por que razão continuam na coligação? Pelo gosto,
pelo poder, ou por medo do que aí virá quando saírem? Contudo, alguma vez,
será. E talvez mais próximo do que julgam.
Tanto quanto julgo
saber, o que os trabalhadores perderam, em média, de salários (privados e
públicos) desde a posse deste Governo é de 10%. Será assim? Para onde foi esse
dinheiro?
O Governo desde que
tomou posse teve, ao que julgo, 47,4 milhões de euros gastos em 2012; 49,2
milhões de euros em 2013 e em 2014, 50,7 milhões de euros, em despesas de
funcionamento do Governo. Se for assim, qual é o motivo por que o Governo
gastou sempre mais? E por que razão não explica isso aos portugueses? Será que
o senhor Presidente da República sabe isso tudo e nunca julgou necessário falar
disso aos portugueses?
É certo que o
número total de membros dos gabinetes dos ministros e dos secretários de Estado
somam 1023? Para que são necessários tantos, dadas as dificuldades enormes que
Portugal atravessa? Quanto custam? Será que os outros Estados europeus sabem
disso? Como a dívida não é amortizada devemos à troika 78 mil milhões de euros
(pagaremos algum dia?), além dos juros, que representam cerca de metade da
dívida. Pode o Governo explicar aos portugueses como e se vai pagar? Sobretudo
nesta fase em que grita que tudo vai no melhor dos mundos porque estamos a
vencer a crise? Mas então por que motivo é que os de-sempregados são cada vez
mais e tantos portugueses se veem obrigados a sair de Portugal? Como é que
vamos ter mais empresas e trabalho se a cada dia há mais escassez de
trabalhadores e técnicos qualificados, que foram obrigados a deixar o País?
O Governo tem vindo
a vender o património português sem dizer (com rigor) porquê nem por quanto.
Dada a euforia em que se encontra para o futuro próximo, seria útil que
dissesse aos portugueses como fará esse "milagre". Ou se isso vai
diminuir o desemprego e aumentar o crescimento da economia e como?
Mas, ao que dizem,
para os pobres pensionistas o roubo continua. Porque a contribuição
extraordinária de solidariedade passa a aplicar-se à totalidade das pensões,
3,5% progressivamente, a partir de mil euros. Como explica isto e as suas
consequências, o Governo?
Com tantas perguntas
não respondidas, é fácil chegar-se à conclusão de que não há nenhuma melhoria
nem esperança dela. Entretanto, o desemprego cresce, o Serviço Nacional de
Saúde está a ser destruído aos poucos, as universidades públicas, que eram de
longe as melhores, estão a ter cortes gravíssimos que, a prazo, as liquidam.
Os sindicatos,
cujos apoios tinham, também escasseiam e estão a ser dificultados pelo Governo.
Bem como os cientistas e tudo o que cheire a cultura ou a artes. O Governo fala
muito de democracia (voltou a ser útil), mas as liberdades escasseiam, na
comunicação social, por exemplo. O Estado social tem vindo a ser destruído. Os
municípios e o próprio Estado de direito sofrem de grandes carências. A crise
continua a avolumar-se em Portugal e em Espanha. Enquanto houver troika e
austeridade tudo se agrava. Mas na Europa há sinais de que as coisas vão mudar.
Contra o economicismo, os mercados usurários e insaciáveis. E em defesa das
liberdades e dos Estados sociais. Oxalá assim seja!
AS PRAXES SÃO
HORRÍVEIS
No meu tempo de
estudante universitário, em plena ditadura salazarista, praticamente não havia
praxes. Porquê? Porque eram malvistas e consideradas reacionárias. A capa e a
batina rarissimamente eram usadas. É certo que os estudantes salazaristas, às
vezes, atreviam-se a vestir a farda da Mocidade Portuguesa. Mas não me lembro
de que nas faculdades, todas públicas, da época, que frequentei em nome do MUD
Juvenil tivesse visto alunos de capa e batina. E quanto a praxes, zero.
Em Coimbra não era
assim. Fui lá várias vezes, até dormi numa república em que Salgado Zenha
habitava, aliás muito suja, onde não havia sequer lugar para um banho, e só vi
umas poucas batinas velhas e esburacadas.
Quanto a praxes, em
Coimbra, admito que houvesse algumas, mas em Lisboa, não. Era algo de
repugnante e considerado reacionário.
Creio que em
Lisboa, hoje, as praxes são mais frequentes nas faculdades privadas do que nas
públicas. Como vivo no Campo Grande e, quando há bom tempo, tenho o hábito de
passear no jardim, este ano vi imensos estudantes de capa e batina, julgo que
na maioria eram estudantes da Universidade Lusófona (privada). Falei com eles e
compreendi que estavam a ensaiar as praxes.
Os praxadores,
normalmente maus alunos, abusam em matéria de violência. Para mim é incompreensível
e inaceitável. Por isso acho que as praxes deviam ser proibidas. Naturalmente
que os mandam são os que têm menos cultura e inteligência e como estudantes
geralmente são fracos. Por isso se vingam nos caloiros. Há no praxismo um misto
de autoritarismo e até de fascismo.
O que se passou no
Meco, com a morte dos jovens engolidos pelas ondas gigantes, foi naturalmente
um azar e para os pais e para toda a gente bem-formada uma tristeza imensa. Mas
obriga-nos a pensar. É preciso tornar as praxes ilegais e acabar com elas.