terça-feira, 15 de outubro de 2013

Angola: JUSTIÇA DISCRIMINATÓRIA PROTEGE OS RICOS

 


QUEM COMETE CRIMES E É FILHO DO REGIME NÃO É CONDENADO
 
William Tonet – Folha 8 – edição 12 outubro 2013
 
A segurado­ra AAA, que surgiu como um monstro no ramo dos seguros e resseguros, foi à falência devido não só à má gestão atribuída ao seu presidente do Conselho de Adminis­tração, o economista São Vicente, culminado com o desemprego de mais de um milhar de trabalha­dores, como também por outros motivos “Emepeliá­rios” recorrentes.
 
Ao que parece, o busílis da questão foi uma zanga entre comadres, quando o principal cliente-investi­dor, SONANGOL, através do seu presidente, decidiu bater com a porta, dei­xando o economista São Vicente com as calças nas mãos, assistindo, “pávido e insereno”, ao esvair da sua imperial utopia.
 
E, como é de utopia que estamos a falar, socorri­-me de um especialista na matéria, o meu compa­nheiro e amigo do peito, António Setas, para subsí­dios sobre a psique deste economista, cujo “des­mérito” foi arrastar para a lama milhares de famílias e uma empresa, sem que lhe sejam assacadas res­ponsabilidades, pela única razão e mérito de andar mancomunado com o re­gime, sendo um dos bene­ficiários do lema “jobs for the boys”.
 
Mas vamos ao que inte­ressa, na forma megaló­mana do pensamento do economista São Vicente.
 
Recordemo-nos do mag­nífico monumento edito­rial publicado pela Fun­dação Agostinho Neto, intitulado “Agostinho Neto e a liderança da luta pela independência de Angola 1945-1975”, que se apresenta a público sob forma de uma colectânea em cinco volumes, alguns dos quais com mais de 900 páginas preenchi­das com documentos da PIDE/DGS e que mere­ceu da parte desse escri­tor, pensador, colunista e homem de negócios, São Vicente, um prefácio que ele próprio classificou de «versão parcial, resumi­da e compacta para servir de introdução à presente colectânea (…)». Ao que ele acresce, «A versão completa, com fotografias, será publicada brevemen­te em livro com o mesmo título, “Agostinho Neto e a liderança da luta pela independência de Angola 1945-1975».
 
O “monumento” em si, tem no total mais de 4 mil páginas, das quais 465 são consagradas a essa dita introdução, que, de facto, é muito mais do que isso. A ela, sem qualquer for­ma de transição, segue-se a exposição pura e sim­ples, sem comentários nem adendas, de todos os documentos oriundos da PIDE/DGS e encontra­dos até hoje na Torre do Tombo em Lisboa, Portu­gal, relacionados com as actividades de naciona­lista atribuídas a António Agostinho Neto.
 
Eis uma primeira surpre­sa, uma introdução com mais de 400 páginas!
 
Outra enorme surpresa, no entanto, apresenta­-se antes, na introdução à obra, feita pelo próprio punho da senhora Eugé­nia Neto, “presidenta” da Fundação Agostinho Neto e ex-esposa do presidente Agostinho Neto.
 
No último parágrafo da segunda página da referi­da apresentação, a Senho­ra Eugénia Neto escreve uma frase que, tomada por ter sido voluntária, deno­ta grande coragem da sua parte, na medida em que se inscreve em contramão a todas as teorias dos his­toriadores oficiais do Mo­vimento Popular de Liber­tação de Angola (MPLA).
 
Atentemos à sua revela­ção: “Parte para Luanda (Agostinho Neto) em 1959 e aí chega em finais do mês de Dezembro comigo e com o filhinho de dias. Abre consultório médico e inicia também o trabalho político de aglomerar to­dos os grupos nacionalis­tas num só movimento, a que se deu posteriormen­te o nome de Movimen­to Popular de Libertação de Angola. Foi eleito seu presidente, lugar que não chegou a ocupar por ter sido preso a 8 de Junho de 1960 pelo próprio director da PIDE”.
 
Isto quando foge a boca pra verdade é um proble­ma levado da breca…
 
Ao escrever o que aqui transcrevi, Eugénia Neto confirma simplificadamen­te e em linha recta, que a propagada data de funda­ção do MPLA, tida como sendo o 10 de Dezembro de 1956, não passa de uma efeméride simbólica que nada tem a ver com factos, do mesmo modo que o dia 25 de Dezembro celebra simbolicamente a nascen­ça de Jesus Cristo.
 
Seja dito aqui e agora que São Vicente, mais adiante no seu texto de “introdu­ção” (!?), abunda igual­mente numa argumen­tação que desmistifica a data tradicional de funda­ção do MPLA. A História de Angola agradece.
 
No que toca ao extenso texto que serve de intro­dução a esta magnífica colectânea – a mania das grandezas deste passa­geiro regime -, à parte o facto de a sua exagerada extensão denotar alguma ambição de levar para o cunho pessoal a autoria de um trabalho de História e não um prefácio, ou seja, aquilo que ele próprio classificou de «versão par­cial, resumida e compacta para servir de introdução à presente colectânea (…)» apresenta-se, ademais, com a ameaça de vir a ser a breve trecho completa­do e seguramente aumen­tado, o que nos levará a um “prefácio” de 500 ou 600 páginas, quiçá 700 ou mesmo mil, se se lhe juntarem as anunciadas fotografias, aberração que escapa a todas as normas e entra de rompante no clube de tudo aquilo que é atípico e quase sempre es­trambólico em Angola!
 
Estamos em crer que São Vicente avançou nesta empreitada, talvez, preso pela falta de tempo. Não teria tido tempo de rever o seu manuscrito numa leitura mais atenta, o que lhe teria dado a descobrir um certo número de apro­ximações, gralhas e mes­mo erros que poderiam ter sido evitados facilmen­te. Por outra, o seu texto logo de entrada afasta-se e muito de uma obra de his­toriador, para enveredar alegremente pela prosa panegírica e descritiva.
 
Portanto, aqui chegados, forçados somos a cons­tatar que o tipo de abor­dagem optada por São Vicente para apresentar uma resenha de docu­mentos relacionados com a actividade de agitador social e de líder atribuí­da a António Agostinho Neto, enquanto estudante agregado ao MUD (orga­nização ligada ao Partido Comunista de Portugal), nacionalista, em seguida guerrilheiro, militante e, finalmente, presidente de um movimento de liber­tação, por um lado dificil­mente pode ser cataloga­do de prefácio, dada a sua exageradíssima extensão de mais de 400 páginas, por outro, também não será nada cómodo inseri­-lo na categoria de texto histórico e para isso bas­ta ler a primeira página na qual podemos ler ex­pressões e frases como, “Agostinho Neto é a maior e mais importante figura da história angolana da 2ª metade do século XX”, “A independência era um objectivo épico (…)”, “E tornou-se o gigante ango­lano da história africana”, que distanciam São Vicen­te do patamar de equidade e rigor mínimos exigidos a um historiador.
 
Vai de si que o seu posi­cionamento se compreen­de, dada a sua origem e militância política, mas quem sofre é a credibili­dade do texto das mais de 400 páginas restantes que se seguirão a esta entrada em matéria, claramen­te compreensível, mas, a meu ver, partidária.
 
Definitivamente o homem gosta de projectos mega­lómanos, principalmente, quando o dinheiro é dos outros.
 
E depois se esfumam com um simples estalar de de­dos.
 

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