domingo, 26 de janeiro de 2014

Portugal: QUATRO EUROS DE AUSTERIDADE PARA QUÊ?

 


Manuel Tavares – Jornal de Notícias, opinião
 
O povo já percebeu duas coisas. A primeira: que vai ter de pagar o défice público acumulado até ao último cêntimo e sem desconto. A segunda: que nenhum dos responsáveis pela criação do monstro será responsabilizado, nem sequer pagando um pouco mais que o mais inocente e indefeso dos cidadãos sem a mínima culpa no cartório.
 
Digamos que os nossos brandos costumes permitem que façamos tábua rasa sobre as responsabilidades e até nos prestemos a tirar a nação da situação de caloteira sem olhar muito ao modo e à mais justa repartição dos sacrifícios.
 
Condescendermos com este modorrento fado sem, pelo menos, termos claro qual é o resultado do suplício e para onde nos levam como povo e nação já me parece algo que, para além de nós, os nossos descendentes jamais perdoarão.
 
Não nos devemos bastar com generalidades que parecem encerrar ideias da mais refinada e laboriosa análise, mas não passam de atoardas que carecem de legitimidade, seja ela a da lógica mesmo que dedutiva ou da matemática.
 
Refiro-me a frases que estamos fartos de ouvir. Retenho apenas duas pela sua exemplar falta de evidência científica e por isso legitimidade. A primeira: que estamos como estamos porque todos gastámos acima das nossas posses. A segunda: que jamais readquiriremos o que já desfrutámos.
 
A primeira destas ideias é evidentemente uma tentativa de englobar honestos e desonestos, governos assim ou assado, políticos que exerceram diretamente o poder ou os que nunca lá estiveram. Como se tivéssemos andado todos loucamente a gastar o que não tínhamos.
 
Todos devemos saber que não foi assim que o monstro nasceu e cresceu: foram mais os desonestos em conluio com o Estado e mais alguns governos que outros os grandes responsáveis pelos défices acumulados, os quais acabaram por se misturar explosivamente com os estilhaços da enorme vigarice que assaltou a alta finança americana e se propagou à Europa, designadamente através da Irlanda, nossa irmã em troika.
 
Quanto à ideia de que não voltaremos a ser o que fomos, também proclamada pela nossa ministra das Finanças, trata-se apenas de um exercício de futurologia encravado no intervalo de duas outras ideias igualmente populares: a de que o futuro a Deus pertence, partilhada por todos os crentes, e a de que prognósticos só no fim do jogo, tornada famosa pela boca de João Pinto, o antigo capitão da equipa profissional de futebol do F. C. Porto.
 
Ainda assim, tentemos raciocinar sobre este prognóstico da nossa ministra das Finanças: então, não havendo futuro idêntico ao passado, valerá a pena continuarmos com o sacrifício de 4 euros de austeridade para obtermos apenas 1 euro de consolidação orçamental?
 

Sem comentários:

Mais lidas da semana