quinta-feira, 30 de junho de 2011

RAPIDINHAS DO MARTINHO – 22




MARTINHO JÚNIOR 

A PODEROSA EMERGÊNCIA EURO ASIÁTICA

As posições geo estratégicas dos Estados Unidos no Médio Oriente, que se fundamentam na hegemonia energética e suas articulações, pouco a pouco têm que se ver com uma poderosa emergência que se vai construindo de forma paciente mas persistente, tendo como “catapulta” o imenso território da Rússia.

Se com Gorbatchov e Ieltsin, os interesses da aristocracia financeira mundial tiravam partido da dissolução da URSS e na Rússia consolidavam posições energéticas por via da associação Menatep – Yukos, com a ascensão de Putin a oligarquia russa e seus aliados internos começou a dar-lhe resposta, impondo-lhe o impedimento de participar nos projectos energéticos nacionais e nas suas articulações, desde logo com a neutralização dos interesses ocidentais no Menatep e na Yukos.

Acerca do desaparecimento da URSS, os analistas cubanos como Alejandro Castro Espin autor de “Império del terror”, (artigos em Cubadebate – http://www.cubadebate.cu/categoria/autores/alejandro-castro-espin/) não têm dúvidas:

(…)

“Porém a realidade histórica demonstra que não foram precisamente as ineficiências produtivas soviéticas, nem a capacidade de resposta da economia dos Estados Unidos para assumir os requerimentos da estratégia militarista do seu executivo, o que provocou o ocaso e a ulterior derrocada do Socialismo no colosso euro-asiático, foi a traição de importantes expoentes da sua cúpula dirigente, que amparados na suposta pretensão de rectificar erros cometidos e aperfeiçoar o sistema político, sabotaram os pilares históricos, culturais e pátrios que conformaram a complexa e heterogénea identidade nacional soviética”.

(…)

Na esteira das “transformações” encetadas por Gorbatchov e Ieltsin, a própria biografia de Mikhail Khodoskovsky ilustra bem o momento da traição como o momento do “efeito boomerang” para os interesses anglo-saxónicos em relação à Yukos e a perda de capacidade de penetração nos bancos e petroleiras russas, que passaram inteiramente para as mãos do crescente poder da oligarquia nacional em ascensão após a introdução da lógica capitalista na Rússia  (http://en.wikipedia.org/wiki/Mikhail_Khodorkovsky).

O crescimento do poder da oligarquia russa com a exclusão dos interesses da aristocracia financeira mundial, uma manobra que visava a conservação dos recursos estratégicos em mãos dos russos, deve-se à tomada de medidas sobre os interesses que se conjugavam no Menatep e na Yukos, o que possibilitou o início duma enorme capitalização, em função do crescimento bancário em estreita sincronização com o crescimento da indústria energética na Rússia.

Os oleadutos e gasodutos cresceram primeiro em direcção a uma Europa ávida, que é obrigada a ir buscar longe de suas fronteiras a capacidade energética que a faz mover, um factor em contradição com o “diktat” geo político e geo estratégico da OTAN, para de seguida a expansão das articulações se dirigir para a China e agora para o Paquistão e a Índia, passando pelo Afeganistão.

Os Estados Unidos dão sinais, particularmente nas fileiras mais conservadoras, da “afronta”, pelo que várias ementas geo estratégicas (algumas de recurso) estão a ser seguidas.

De entre essas ementas geo estratégicas, os Estados Unidos deram “carta branca” aos Europeus para, como recurso alternativo ao “diktat” russo – chinês, actuar da forma que está patente sobre a Líbia.

Sem Kadafi e depois de tanta “ajuda” que deram e continuam a dar aos “rebeldes”, a Líbia será uma alternativa dócil para a Europa em concorrência à Rússia, pelo menos na década corrente, a fim da Europa ir buscar com vantagens e a seu bel prazer aquilo que tanto necessita em petróleo e gás.

Enquanto com a Rússia é difícil ou mesmo impossível negociar com vantagens, com uma Líbia “domesticada” a Europa pode chegar facilmente e sem obstáculos maiores até à rapina, que já começou aliás, desde o não pagamento das dívidas correntes do petróleo e gás fornecidos imediatamente antes da guerra de agressão à Líbia, ao congelamento dos fundos líbios no exterior, um congelamento que não terá mais “retorno”!

Incapazes de segurarem os interesses e conveniências noutras latitudes, as extremas vulnerabilidades de África fazem do continente um dos alvos preferenciais das políticas de ingerência, como atestam por exemplo as estatísticas de chefes de estado, ou de figuras notáveis que vão ficando à mercê dum Tribunal Penal Internacional instrumentalizado pela hegemonia, mesmo que sejam importantes para os contenciosos em curso em relação aos seus países, povos e regiões.

O caso do Sudão é outro “dossier” flagrante e o Sudão pode ser também considerado um “ensaio” para o que a hegemonia está a fazer com a Líbia e o que pretende continuar a fazer em África.

De “ensaio” em “ensaio”, quantos não poderão vir a ser tocados em África pelas ingerências da hegemonia nos termos em que ela se vai manifestando?

Enquanto as articulações do Brasil e da África do Sul com os outros BRICS terão de levar em conta as distâncias e os oceanos, o que obrigará antes de mais às ligações no âmbito das regiões em que estão inseridos, as articulações da Rússia, da China e da Índia, desde logo em termos de interesses energéticos entre si, estão condenados a ser desenhados por dentro do imenso continente Euro Asiático e à ilharga do Médio Oriente, agenciando outras potências produtoras regionais e outras potências médias.

Os meios mais conservadores norte americanos, ligados aos “lobbies” da energia e do armamento resumem assim a “afronta” russa (http://www.outraspalavras.net/2011/06/09/energia-e-geopolitica-a-batalha-pela-asia-central):

– “O Kremlin vê a energia como ferramenta para perseguir uma política exterior assertiva.

– O nível de dependência da Europa em relação à Rússia, no campo da energia, é inaceitavelmente alto.

– A Rússia tem tentado excluir os EUA dos mercados de energia da Ásia Central e do Cáspio.

– A Rússia usa a energia para “reengajar” a Índia, o Sudeste da Ásia, o Oriente Médio, a África e a América Latina.

– A Rússia força países vizinhos a dirigir suas exportações de energia, via seu sistema de oleodutos e gasodutos.

– A ausência do império da lei impede empresas ocidentais entrarem no setor russo de energia.

– A Rússia continua não interessada em desenvolver laços de energia com os EUA”.
É evidente que não há emergência alguma, mesmo seguindo uma lógica capitalista, que se possa fazer com dependência, ou sem vantagens recíprocas que promovam os interesses conjugados dos estados e dos povos.

Os próprios países emergentes estendem esse entendimento aos seus relacionamentos com estados mais vulneráveis, promovendo parcerias, o que é, face à hegemonia anglo-saxónica, uma nova forma de negociar que, dada a natureza de sua orientação política, econômica e financeira, é proibida.

A natureza da hegemonia protagonizada pelos interesses da aristocracia financeira mundial choca com a natureza da emergência.

A emergência fere o “modus operandi” que recorre à força militar e à guerra, essencial para a hegemonia e essa “afronta” pode estar na base duma nova “Guerra Fria”.

Os Estados Unidos e a Europa, cada vez mais debilitados sob o ponto de vista financeiro, por outro lado começam a dar sinais de ter de recuar no Iraque e no Afeganistão: as políticas de ingerência militar tornam-se com o tempo obsoletas, não integram o sentido de vida e procuram conformar tudo aos interesses que foram impostos pela força a partir de fora, excluindo todos os outros interesses.

Ninguém para além dos promotores da hegemonia anglo-saxónica, está interessado que uma situação dessas se prolongue, pelo que são as ingerências militares que mais contribuem para se criar espaços vazios abertos às aptidões da emergência.

O “efeito boomerang” é para a hegemonia, muito difícil de entender, será ainda mais difícil de digerir.

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