sábado, 13 de fevereiro de 2016

ÁFRICA-MULHER, ÁFRICA-FUTURO



Rui Peralta, Luanda

Especiais agradecimentos a Mahawa Kaba Wheeler (Libéria), directora da Comissão da União Africana para as Mulheres, Género e Desenvolvimento, órgão executivo da UA.

Apesar de todos os desafios que África enfrenta, os representantes dos 1,2 milhões de habitantes decidiram assumir os Direitos Humanos, com um especial enfase para os Direitos da Mulher, durante a XXVI Cimeira celebrada em Addis-Abeba, Etiópia, no período de 21 a 31 de Janeiro último.

Chegou o momento de actuar contra os muitos obstáculos e barreiras á igualdade do género, obstáculos que incluem a exclusão económica e os sistemas financeiros que perpetuam a descriminação das mulheres, a sua limitada participação na vida pública, na Politica, a constante falta de acesso á educação e a escassa assiduidade das estudantes nas escolas, a violência baseada no género, as práticas culturais nocivas e a exclusão das mulheres nas negociações de paz, seja como mediadoras ou como parte integrante das equipas de negociação.

A UA tem plena consciência que estas barreiras impedem as mulheres de desfrutar em pleno dos seus direitos e que a eliminação destes obstáculos potenciará o continente, que neste momento se encontra num ponto de inflexão. África é uma das regiões da economia-mundo onde se processou um rápido desenvolvimento económico, com níveis de crescimento entre os 2% e os 11%. Embora as mulheres façam enormes esforços, contribuindo de forma impar e resoluta para o desenvolvimento das economias africanas, continuam a ser afectadas de forma desproporcionada pela pobreza, pela descriminação e exploração. As desvantagens socioeconómicas que as mulheres sofrem manifestam-se nas desigualdades de acesso ao mercado de emprego, ao direito á propriedade e á obtenção de serviços sociais, incluindo a saúde e a educação.

A 26ª cimeira da UA proclamou o ano de 2016 como o “Ano Africano dos Direitos do Homem, com especial enfase sobre os Direitos da Mulher”. 2016 é um ano que marca importantes datas na agenda das mulheres, tanto no continente, como mundialmente. A nível continental este ano comemora-se os 30 anos da entrada em vigor da Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos, de 1986 e o começo da segunda fase da década das mulheres africanas 2010/2020. A nível mundial comemora-se os 36 anos da aprovação da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Descriminação contra a Mulher (CEDAW), considerada uma declaração internacional de direitos das mulheres. Comemora-se, também o 21º aniversário da Declaração de Beijing e da sua Plataforma de Acção, de 1995, crucial nas políticas globais de igualdade do género.

15 Estados africanos figuram entre os primeiros 37 da classificação mundial de participação feminina nos parlamentos nacionais, com mais de 30%: Ruanda (63,8%), Seychelles (43,8%), Senegal (42,7%) África do Sul (42%), Namíbia (41%), Moçambique (39,6%), Etiópia (38,8%), Angola (36,6%), Burundi (36,4%), Uganda (35%), Zimbabwe (31,5%), Camarões (31,3%), Tunísia (31,3%), Argélia (31%) e Sudão (30,5%). Ao nível dos Executivos os números são substancialmente diferentes. Enquanto o Ruanda encabeça a lista mundial em matéria de representação feminina no Poder Legislativo, no que respeita a cargos no Executivo esta representação é nula e em contraste Cabo Verde tem o maior número de mulheres a ocupar cargos ministeriais em África: dos seus 17 ministros, 9 são mulheres. Dos 54 chefes de Estado e do Governo, 3 são mulheres: a presidente da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf; a presidente das Maurícias, Ameenah Gurib-Fakim; e a presidente interina da República Centro-Africana, Catherine Samba Panza.

A UA estabelece que as mulheres representem 50% dos cargos de tomada de decisão e é o inico organismo multilateral que mantem a paridade do género no seu mais alto nível de decisões. Com uma mulher na presidência, 5 comissárias (num total de 10), a UA esforçasse para que a paridade de género seja uma realidade nos demais órgãos e instituições como a Comissão dos Direitos Humanos e dos Povos ou o Tribunal Penal Africano, onde as mulheres são a maioria. Para a UA, uma vez que as mulheres representam metade da população do continente, o objectivo da paridade do género gerará um efeito de dominó nas sociedades africanas, á medida que as mulheres sejam impulsionadas a aspirar a postos de direcção. Contar com as mulheres em posições de liderança, nos diversos sectores da sociedade, conduz a uma melhor qualidade de vida para as famílias, em geral, e para as crianças em particular.

Embora existam grandes avanços em matéria de participação política democrática no continente, as mulheres africanas continuam sofrendo de uma significativa descriminação. Em alguns países africanos a legislação e as constituições nacionais afectam negativamente a participação feminina na vida pública ao limitar o seu papel através de cláusulas de exclusão, absolutamente discriminatórias. Ainda que muitas constituições articulem um compromisso com a igualdade do género, as normas consuetudinárias minam seriamente este compromisso, ao impedirem que as mulheres recorram às esferas jurídicas e que sejam reguladas pelas tradições.

Por outro lado as mulheres africanas produzem mais de 60% da agricultura, constituem mais de 50% da população rural e são as principais guardiãs da segurança alimentar, mas encontram-se muito afastadas da capacidade de investimento e estão sujeitas a baixo rendimento, o que não lhes permite aproveitar devidamente o seu potencial. Dedicam 80% do seu tempo na produção agrícola e nos sectores secundários relacionados com as actividades rurais, contribuem de forma dominante para a produção de alimentos, cuidam da família, exercem actividades de assistência social, são a maioria do sector dito informal, mas o seu esforço não se contabiliza no PIB nem nas estatísticas nacionais. Não possuem terras e carecem de acesso às infra-estruturas agrícolas, têm dificuldades em aceder ao crédito e são excluídas do direito á terra, á tecnologia da agricultura moderna e aos serviços de capacitação. A maioria das mulheres residem em zonas rurais sem acesso a boas estradas, á água e electricidade.

A maioria das mulheres não são donas da terra mas produzem a maior parte dos produtos agrícolas na situação de simples arrendatárias sem direitos de herança. O direito á terra para as mulheres (e em alguns países para os cidadãos em geral) é uma das causas do empobrecimento económico e social. Apenas 1% das mulheres africanas possuem terras, embora produzam mais de 65% da produção de alimentos.

A grande maioria da população feminina africana vive com menos de 1 USD por dia. Segundo dados de 2012 mais de meio milhão de mulheres morrem anualmente, no mundo, por razões relacionadas com problemas de parto e gravidez. 99% destas mortes ocorrem nos países em desenvolvimento, sendo 50% ocorrem em África (excepto no norte do continente e na África do Sul). Por cada morte, 20 outras mulheres sofrem enfermidades ou lesões relacionadas com o parto e gravidez. Uma em cada 22 mulheres morrem durante a gravidez ou o parto (contra uma em cada 8 mil no mundo industrializado). 80% dessas mortes poderiam prevenir-se mediante acções simples, básicas e de baixo custo.

É, pois, longa a caminhada da mulher africana. Que 2016 seja um marco fundamental neste longo trilho da libertação, um contributo essencial para o desenvolvimento social, económico e político do continente e um passo importante no aprofundamento da democracia em todo o continente.

Sem comentários:

Mais lidas da semana