sexta-feira, 9 de abril de 2021

Portugal | Justiça fora de prazo

Manuel Molinos* | Jornal de Notícias | opinião

Hoje é um dia histórico. Já o lemos, já o ouvimos. É o dia em que José Sócrates pode tornar-se no primeiro ex-chefe de um Governo português a ser julgado por 31 crimes de corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal qualificada, caso seja pronunciado na instrução da Operação Marquês.

Mas é também o dia em que nos questionamos como é que um processo, por mais complicado e técnico que seja, pode demorar tanto tempo a chegar a esta fase. Neste caso seis anos e uns meses, desde o momento da detenção do antigo primeiro-ministro.

Para quem teve a sorte de nunca ter precisado que a Justiça fosse justa com a sua vida, a questão é mais retórica. Já para os cidadãos prejudicados pela demora dos processos, não há motivos para grandes surpresas.

É verdade que a Constituição da República Portuguesa e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem estabelecem que todos os indivíduos têm direito a que as suas causas sejam julgadas em prazo razoável. Existe, portanto, uma obrigatoriedade de cumprimento de datas-limite. Por outro lado, subsistem mecanismos de não cumprimento desses prazos. A morosidade da Justiça é objetiva. Além de constituir o maior problema no nosso sistema judiciário, a falta de celeridade em alguns processos causa danos irreparáveis às partes que pretendem fazer valer os seus direitos.

Casos sem a complexidade da Operação Marquês também demoram anos e anos a serem resolvidos, causando graves prejuízos a quem tem de ser ressarcido dos seus danos. Entre os atrasos mais escandalosos, estão os decorrentes de acidentes rodoviários. Se a vítima deduzir um pedido de indemnização civil contra uma seguradora por ter sofrido lesões graves irreversíveis, por culpa de outrem, em resultado das quais fica incapacitado de trabalhar e consequentemente sem rendimentos para fazer face às despesas diárias, a agonia a que é sujeita é desumana. E note-se que há mesmo casos em que as partes de um processo judiciário recebem notificações muitas vezes após terem falecido. O desfecho da decisão instrutória da Operação Marquês será sempre surpreendente, menos a lentidão e o provável arrastamento do processo por mais uns longos anos.

*Diretor-adjunto JN

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