sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A “GUERRA” DO PACÍFICO



Hoje Macau

As relações sino-americanas têm andado algo agitadas. A declaração do Ministério da Defesa da China, em 23 de Novembro, de que armada chinesa iria realizar exercícios no Pacífico Ocidental, não teria significado especial se não se tivesse seguido ao anúncio do reforço da presença militar americana na Austrália. Os dois factos em conjunto não passariam de um vulgar desaguisado se não tivessem sido antecedidos por um importante artigo de Hillary Clinton sobre a estratégia americana para o Pacífico (America’s Pacific Century). Tudo junto adquire uma nova dimensão à luz das sucessivas afirmações do Presidente Obama sobre o papel fulcral da Ásia e da Região Ásia-Pacífico na geopolítica do século XXI.

Deve desde já salientar-se que não é correcta a afirmação de que os EUA se pretendem deslocar para o Pacífico, já que aí se encontram fortemente implantados, não apenas pela geografia, mas também, desde o fim da segunda guerra mundial, na política regional e na economia. Os sucessivos tratados de cooperação e segurança, de defesa ou alianças militares que foram celebrando ao longo dos anos 50 e 60 com a Austrália, Nova Zelândia, Filipinas, Coreia do Sul, Japão ou Tailândia, aos quais de resto o documento de Hillary Clinton faz expressa e enfática referência, são exactamente a expressão disso. Não se trata pois de um novo interesse, nem sequer de um regresso mas de um renovado empenho dos Estados Unidos na região.

Diga-se que o documento de Clinton não se furta à polémica e pode até dizer-se que a incentiva. Começando por assinalar objectivos consensuais para todos os actores da região (abertura de mercados, bloqueio da proliferação nuclear e manutenção da liberdade de circulação das rotas marítimas) aponta para objectivos como a renovação das alianças existentes, construídas no decurso da “guerra fria”, e expansão da aliança com a Austrália para uma parceria global com forte incidência na região indo-pacífica.

Por outro lado, o Pacífico é apenas o Pacífico distante mais os Estados Unidos, sem uma palavra para os parceiros mais próximos, também membros da APEC, como o Canadá, México, Chile, Peru ou mesmo a Rússia. Que nem referidos são quando se assinalam três gigantes da Ásia-Pacífico: China, a Índia e os Estados Unidos.

Este interesse pelo Pacífico distante desperta natural desconfiança na China que, em contraposição, anuncia exercícios militares da sua marinha no Pacífico próximo, ou seja, no Pacífico ocidental, procurando sinalizar um empenho circunscrito à área dos seus interesses específicos.

O renovado interesse americano suscita no entanto alguns problemas tanto para os Estados Unidos como para a China.

Se por um lado as alianças formadas pelos EUA na região nasceram contra a China e o perigo que esta representava de expansionismo comunista, o mundo hoje já se não desenha a preto e branco. A China é no presente um parceiro indispensável para qualquer dos seus vizinhos, em todos os domínios das relações internacionais, constituindo-se como um actor decisivo para a prosperidade e estabilidade da região. O relançamento, reorientação ou reforço de qualquer das alianças que aí foram sendo construídas não deixará de ter em conta esse factor e, nessa medida, conter ou até frustrar, em maior ou menor medida, a ambição americana.

Todavia, a crescente assertividade da China no que respeita às disputas territoriais com praticamente todos os seus vizinhos, torna bem-vinda por parte destes a presença americana, reconduzindo o protesto chinês contra o envolvimento americano nos assuntos da segurança regional e disputas territoriais no mar do Sul da China, a um lamento isolado.

O mais recente “white paper” sobre a defesa nacional da China, apresentado em Março deste ano, dá por irreversível a evolução para a globalização económica e um mundo multipolar. Todavia a multipolaridade tem também expressão regional, sendo impensável um mundo multipolar assente em nichos regionais de poder, que substituiria a globalização por partilha territorial. A globalização económica está naturalmente associada a outras manifestações de poder, que a acompanham, facto reconhecido por importantes teóricos militares chineses que, por exemplo, advogam a necessidade de a China se dotar de um forte poder militar naval para apoio da expansão económica chinesa para fora do continente.

Em toda esta questão há todavia que separar a questão de fundo da controvérsia.

A questão de fundo tem a ver com os interesses nacionais de ambos os países e, independentemente dos atritos a que as manifestações de interesse por qualquer deles possam dar lugar, contribui para a transparência das relações internacionais.

A controvérsia tem a ver com agendas de outra natureza. O endurecimento da posição americana em relação à China inscreve-se numa linha de acção política que tem tido tradução equivalente em outros domínios, não podendo ser dissociado das próximas eleições presidenciais americanas. Obama pretende reforçar a imagem de um presidente determinado, fortemente empenhado na afirmação dos interesses nacionais americanos.

Por sua vez este mesmo facto não deixará de ser aproveitado na China como factor de coesão nacional. O destaque dado às opiniões dos leitores, na esfera virtual, indicia um claro propósito de mobilização contra alegados propósitos de interferência em disputas da China com os seus vizinhos, que devem ser tratadas a nível bilateral.

A “guerra” será porém e apenas de palavras, já que o bom relacionamento sino-americano é demasiado importante para o interesse nacional de ambos os países, para a paz e a prosperidade mundiais. A guerra de palavras não irá pois para além isso. E não impedirá que o Pacífico continue a ser um “oceano harmonioso”.

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