Agora o legislativo
e sua bancada ruralista que decidir e legislar em cima das áreas indígenas, o
que é um absurdo porque demarcar pressupõe esudos cartográficos, estudos
etnológicos, estudos antropolígicos. São técnicos que fazem isso
Elaíze Faria, do Amazônia Real – Brasil de Fato
O bispo da Prelazia
do Xingu, Dom Erwin Kräutler, é uma lenda das causas sociais da Amazônia. Sua
voz em defesa dos povos indígenas e de outros grupos minoritários se espalha em
várias esferas: nas aldeias, nas cidades, nas capitais, no parlamento e no
Executivo.
Nos últimos anos,
Dom Erwin tem sido um crítico severo da política indigenista do governo
brasileiro e um ativista contra a construção de barragens em Belo Monte e em
Tapajós, ambas no Pará. Sua decepção com o governo Lula e agora, com o governo
Dilma, é notória.
“Este governo é
anti-indígena, omisso e negligente”, disse Dom Erwin Kräutler ao portal
Amazônia Real, em entrevista exclusiva concedida em Manaus na semana passada,
onde esteve para participar do 1º Encontro da Igreja Católica da Amazônia
Legal.
A entrevista é de
Elaíze Farias, publicada por Amazônia Real e reproduzida por Combate ao Racismo
no início do mês.
Nascido na Áustria
em 1939, Dom Erwin chegou ao Brasil em 1965. Na década de 70 tornou-se cidadão
brasileiro. Foi nomeado bispo do Xingu em 1980, onde atua até hoje. É
presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), vinculado à Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
O bispo tem inúmeros
reconhecimentos, como o título de doutor Honoris Causa, dado pela Universidade
Federal do Pará, e o Prêmio Right Livelihood 2010, considerado um prêmio Nobel
Alternativo, concedido pelo governo da Suécia, mas composto por um júri
internacional. Por sua luta e engajamento, é constantemente ameaçado de morte.
Dom Erwin Kräutler
mora no município de Altamira (PA), para onde voltou logo depois que saiu de
Manaus na última quinta-feira (31).
Por email, ele
enviou um texto complementar para sua entrevista, onde acusa o governo
brasileiro e os grupos econômicos de usar da estratégia da divisão para “romper
ou enfraquecer a resistência dos povos indígenas”, numa referência aos
indígenas munduruku, que lutam contra a hidrelétrica do Tapajós.
Eis a entrevista.
Como o senhor
descreve a luta dos povos indígenas?
Lutamos ao lado dos
índios para que os direitos indígenas fossem inscritos e ancorados na
Constituição Federal de 1988. E conseguimos. A vitória dos índios foi a nossa
vitória e a nossa vitória foi a vitória dos índios. A constituição tem um
capitulo específico sobre os índios. E tem um artigo nas disposições
transitórias que significa uma virada copernicana. Antes os índios eram tidos
como estrangeiros neste país e, no entanto, eram os primeiros habitantes. Foram
tutelados pelo Estado e essa finalidade era a incorporação do silvícola à
sociedade nacional. A sociedade nacional até 1987 era apenas sociedade dos
não-indígenas. Aliás, não-indígena é aquele que veio de fora, de outro
continente.
Depois da
Constituição de 88, os direitos dos povos indígenas estão sendo respeitados?
Os indígenas têm o
direito às suas terras ancestrais, as suas religiões, às suas expressões
culturais. No caso de serem usadas as suas terras para minérios estratégicos ou
recursos hídricos, os índios têm que ser consultados.
O que o senhor acha
dos atuais projetos políticos e econômicos que afetam os povos indígenas?
Nós cantamos
vitória com a Constituição, mas de uns tempos para cá através da PEC (Projeto
de Emenda Constitucional) 215 estão querendo negar este dispositivo
Constitucional. Querem arrancar do Executivo o direito de demarcar as terras
indígenas. O artigo 67 das disposições transitórias previa em um período de
cinco anos a demarcação de todas as áreas indígenas. Das mil e tantas terras
indígenas, foram concluídas as demarcações de apenas 360. Menos da metade.
Agora o legislativo
e sua bancada ruralista quer decidir e legislar em cima das áreas indígenas, o
que é um absurdo porque demarcar pressupõe estudos cartográficos, estudos
etnológicos, estudos antropológicos. São técnicos que fazem isso.
Se essa desgraça da
PEC 215 passar não haverá mais demarcação das áreas indígenas e que se
encontram demarcadas são ameaçadas. Por isso que os índios se levantaram contra
essa possibilidade.
Como o senhor
avalia a política indígena do atual governo federal?
O governo deveria
defender a causa indígena como uma causa de minoria que está ameaçada. E não
faz. O governo atual é omisso. Eu digo que é omisso e negligente, mas atrás
disso tem as estratégias. Sua estratégia é rolo compressor. Passa por cima. O
governo é anti-indígena. O Lula falou isso em 2006. Quando estava na casa do Blairo
Maggi (então governador do Mato Grosso) ele colocou os índios como obstáculos
ao progresso e as leis ambientalistas como penduricalhos que têm que revistos.
Com a Dilma não avançou nada.
Apesar das
mobilizações sociais, a hidrelétrica de Belo Monte já está em construção. Como
o senhor vislumbra o futuro da obra para os povos que moram na região?
Belo Monte é aquele
paredão. O reservatório vai atingir 40 mil pessoas diretamente e os povos
indígenas na volta do Xingu estão com seus dias contados. A Volta Grande do
Xingu vai ficar seca. E tem toneladas de ouro. E a firma que vai explicar é
canadense, se chama Belo Sun.
Atualmente é a vez
dos munduruku lutar contra o projeto de outra hidrelética na Amazônia. Como o
senhor vem acompanhando essa mobilização?
Os indígenas munduruku
não vão silenciar. Mas o governo usa de todas as estratégias de dividir o
próprio povo. Escrevi um artigo sobre isso, onde digo que para dominar um povo
tem que dividi-lo entre si. No caso da hidrelétrica do Tapajós (Pará), a obra
está na ilegalidade, pois os índios munduruku não foram consultados.
O senhor tem
esperança que o governo vai reconsiderar sua política de crescimento econômico
às custas dos impactos ambientais e sociais?
Esperança sempre
tem. No mundo de hoje, há uma grande sensibilidade para os povos aborígenes e
autóctones. O Brasil não se pode dar o luxo de fazer um retrocesso no
tratamento dos povos indígenas. Isso vai repercutir muito mal. O Brasil sempre
queria primar pela defesa dos direitos humanos. O país é signatário de tratados
internacionais e não pode perder o limite.
Sobre o que os
bispos da Amazônia estão discutindo no encontro em Manaus?
Este encontro, que
é o primeiro dos bispos da Igreja Católica da Amazônia Legal, é para avaliar a
caminhada e dar respostas aos desafios da atualidade. Temos (a Igreja Católica)
duas dimensões. A dimensão vertical, que é nosso relacionamento com Deus, mas
temos a dimensão horizontal, que é o nosso relacionamento com os seres humanos,
na defesa da dignidade e dos direitos. A defesa da vida em todas as duas
dimensões.
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