sábado, 9 de novembro de 2013

SOCIAL-DEMOCRACIA FRANCESA ABRE O CAMINHO PARA A DIREITA

 


A social-democracia francesa carece de projeto, de modelo. Sua doutrina é a austeridade como panaceia e sua bíblia os critérios de Bruxelas e Berlim.
 
Eduardo Febbro – Carta Maior
 
Paris - “Reformar, unir-se, triunfar”. As palavras do presidente francês soam como uma chuva triste. O socialista François Hollande foi eleito em maio de 2012 com uma missão histórica que ele mesmo definiu assim: liderar a renovação da social-democracia europeia, introduzir uma voz discordante dentro do liberalismo da União Europeia, colocar limites ao poderio da Alemanha de Angela Merkel e reformar a França com justiça social.

Pela segunda vez consecutiva, um candidato eleito com programa termina por fazer exatamente o contrário. A sensação é semelhante a que deixou seu antecessor, o conservador Nicolas Sarkozy, após sua eleição em 2007: uma espécie de fraude verbal cuja única meta consistiu na conquista do poder.

Nos dois casos, de Sarkozy e de Hollande, há muitas coisas parecidas. Em 2012, Sarkozy foi o homem que perdeu a sacrossanta “AAA”, a nota outorgada pelas agências de classificação de risco, neste caso a Standard & Poor’s (S&P). Hollande também perdeu, não um “A”, mas o sinal “ ” que Sarkozy deixou como herança. O mandato de Sarkozy terminou com um “AA ” e o de Hollande começa com “AA”. Ao cabo de mais de dez anos de presidências conservadoras, os socialistas não trouxeram nenhuma mudança. Parecem vazios, esgotados, sem recursos.

A lista de promessas essenciais deixadas nas gavetas é longa como uma canção de ninar. Hollande prometeu, em caso de vitória, renegociar o pacto orçamentário europeu firmado por Sarkozy sob o impulso de Angela Merkel. A negociação caiu no esquecimento. Outra promessa central chamada a marcar a política econômica do governo também resultou praticamente em nada: o imposto de 75% aplicável às pessoas com ganhos superiores a um milhão de euros. A proposta chegou a seduzir e provocou uma briga encarnada pela patética postura do ator Gerard Dépardieu, que fugiu da França para a Rússia e adquiriu de maneira automática a nacionalidade russa. Em dezembro de 2012, o Conselho Constitucional vetou o projeto. Em março deste ano, Hollande anunciou que o imposto seria aplicável às empresas, mas não aos particulares.

Outro notável retrocesso: a taxa ecológica para veículos pesados, a ecotaxa, foi suspensa após os protestos desencadeados na região da Bretanha. A taxa sobre os lucros resultantes da venda das ações de uma empresa teve o mesmo destino, assim como a taxa sobre o excedente bruto da exploração das empresas, ou a taxa sobre as transações financeiras, ou o aumento dos gravames sociais aplicados a produtos do sistema financeiro, ou o controle da remuneração dos grandes executivos.

A lista é longa. Os malabaristas das promessas também caíram da corda quando uma adolescente kosovar de 15 anos, Leonarda, foi expulsa da França junto com sua família. A expulsão obedecia aos termos da lei, mas não a metodologia: a polícia foi buscar Leonarda no ônibus escolar onde estava com seus companheiros particulares em uma excursão.

Hollande chegou ao poder com um luminoso ramo de promessas que contrastavam com a política de seu predecessor. O ramo serve hoje para enfeitar a tumba dessas promessas. O liberalismo europeus não se moveu um centímetro, os impostos aumentam para todos, as empresas fecham, o desemprego aumenta e a maioria socialista se desgarra publicamente em torno da pertinência da linha política e econômica adotada. Hollande havia desenhado um céu modesto, mas diferente. Uma presidência tranquila comparada com o estilo febril de Sarkozy, cortes atenuados no gasto público, aumento dos impostos unicamente para as categorias mais ricas, ao redor de 10%. Mas o leque se ampliou consideravelmente: em 2014, haverá cortes suplementares de 18 bilhões de euros e novos impostos.

Mais de um milhão de pessoas com rendas modestas deverão pagar no ano que vem. A sociedade tem a impressão de que estão tirando sua pele, sobretudo quando escuta seu próprio presidente dizer na televisão: “a imaginação fiscal não tem limites”. A decisão da Standard & Poor’s de baixar a nota da França foi recebida com mal estar pelo governo. Hollande respondeu dizendo: “manterei a estratégia, que é a nossa, o rumo, que é o meu”. O ministro da Economia, Pierre Moscovici, deplorou “os juízos críticos e inexatos” do informe. A agência de classificação fustigou o aumento dos impostos e disse que o país não tem espaço para reduzir a dívida que se aproxima de 100% do PIB.

As crises que sitiam o Executivo se escrevem com maiúsculas. Não falta nem a crise moral com o aprofundamento da xenofobia. Pode-se senti-la nas ruas, nos cafés, na imprensa, na rádio e na televisão. A palavra racial se liberou como um germe contaminante. A ministra francesa da Justiça, Christiane Taubira, foi retratada como um macaco por uma candidata da ultradireitista Frente Nacional e qualificada como “gorila” por manifestantes sem que ninguém do governo, tirando ela mesma, saísse em sua defesa. Silêncio presidencial, silêncio igualmente dos intelectuais moralistas.

A social-democracia francesa carece de projeto, de modelo. Sua doutrina é a austeridade como panaceia e sua bíblica os critérios ditados por Bruxelas e Berlim. A extrema direita e os conservadores populistas tem um caminho sem obstáculos. Não há inimigo com uma estratégia alternativa nem suficiente autoridade. O desenho socia-ldemocrata é débil, inconsistente, mutante, minguado pela ausência de coragem e criatividade política. Nicolas Sarkozy havia exasperado a sociedade por seus excessos. Os socialistas por sua mansidão. O passado é um desencanto, o presente uma nova decepção. O futuro, ajuste e austeridade.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
 
Créditos da foto: Arquivo
 

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