domingo, 28 de dezembro de 2014

Grécia: MAIS PRÓXIMA DO PODER, NOVA ESQUERDA MANTÉM SEU PROGRAMA




Tsipras: se o mundo anulou dívida da Alemanha, em 1953, por que não a da Grécia, agora?

“Fim das políticas de ‘austeridade’ é inegociável”, diz Alexis Tsipras, do Syriza. Se eleições forem antecipadas para janeiro, sua eventual vitória sacudiria Europa

Antonio Martins – Outras Palavras, em Blog da Redação

O líder da Frente de Esquerda Radical (Syriza), Alexis Tsipras, concedeu entrevista à Agência Reuters ontem (18/12), em Atenas. Tinha atrás de si, em seu gabinete na sede do Syriza, uma pintura grega recém-instalada — dois touros sobre um fundo vermelho. “Representam força e otimismo”, explicou. Em seguida, expôs em mais detalhes o que seu movimento-partido fará, caso chegue ao governo em janeiro. Em parte, seu discurso é o oposto ao de Lula, na “Carta aos Brasileiros”, de 2002. Está mantido (“é inegociável”) o compromisso de romper o acordo com a União Europeia, que exigiu dos gregos, há três anos, um pacote de renúncia a direitos sociais, redução de salários e desmonte de programas sociais. O orçamento do Estado será reequilibrado: os impostos pagos pela população não serão desviados para cumprir compromissos com os mercados financeiros.

Por outro lado, Tsipras evitou dar brechas às alegações — cada vez mais frequentes, na mídia de seu país e de todo o mundo — segundo as quais seria um “incendiário”, ou “populista”. Frisou que não romperá nem com o euro, nem com os credores da Grécia. Espera renegociar a dívida. Recorreu a um exemplo histórico, que coloca na berlinda a chanceler alemã Angela Merkel, partidária mais intransigente das políticas de “austeridade” na Europa. Em 1953, lembrou, dezoito países credores (entre eles, a Grécia…) concordaram em perdoar totalmente a dívida externa da Alemanha, por razões humanitárias. O país havia sido destruído por uma guerra que provocara. A população não deveria ser obrigada a sofrer ainda mais intensamente.

Por que a Grécia de hoje — que não instigou guerra alguma e já vive seis anos de recessão e declínio social — não teria direito a idêntico tratamento? Tsipras procurou colocar seus adversários na defensiva. Não queremos terremoto algum, disse ele. Mas a hipótese de uma crise europeia, provocada por um eventual não-pagamento da dívida grega, pode se converter numa “profecia que se auto-realiza”, caso não haja abertura para negociações…

A hipótese de um governo do Syriza na Grécia surgiu há poucas semanas, após um lance político arriscado do primeiro-ministro Antonis Samaras, de centro-direita. Responsável por um governo cada vez mais antipopular, Samaras procura coesionar, em torno de si, todo o arco das forças conservadoras do país. Amedronta-se com as pesquisas de opinião pública, segundo as quais a esquerda vencerá com certa tranquilidade as próximas eleições gerais, que em situação normal ocorreriam em 2016. Serve-se de uma brecha na Constituição e faz uma ameaça à velha política.

Além do primeiro-ministro, chefe de Estado, os gregos têm um presidente, com papel quase decorativo. É eleito pelo Parlamento e, nos prazos normais, a eleição ocorreria no primeiro semestre de 2015. Mas há um detalhe. Se o partido no poder não consegue eleger o presidente, após três tentativas, novas eleições gerais precisam ser convocadas.

Diante de seu crescente desgaste e do avanço do Syriza, Antonis Samaras apelou para o medo. Antecipou a escolha do novo presidente para este mês. Acena com o fantasma da vitória da esquerda. Diz que, neste caso, a integração da Grécia à Europa está em risco. Precisa reunir 200 votos, entre os 300 membros do Parlamento — ou 180, no terceiro turno.

A primeira tentativa, nesta quarta-feira, foi um fracasso. A coalizão no poder (que reúne a “Nova Democracia” de Samaras e o partido ex-social-democrata) conseguiu agregar apenas 5 votos aos 155 que já detém no Legislativo. As próximas ocorrerão nos dias 23 e 29 deste mês. O resultado final é incerto, mas inquieta a Europa dos mercados — tanto que The Economist, tão contemporânea, comemora discretamente o fato de que, no turno final, talvez alguns parlamentares deixem-se influenciar pelo desejo de preservar seus mandatos e privilégios por mais tempo, e votem no candidato presidencial de Samaras…

Enquanto isso, um Tsipras esperançoso dizia ontem à Reuters, após o fracasso da coalizão conservadora: “Não vale a pena chantagear a democracia”…

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