terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Portugal: Submarinos não foram única "retribuição extraordinária" da família Espírito Santo



Sílvia Caneco – jornal i

O ex-chairman da Rioforte tem-se esquivado à maior parte das perguntas alegando não saber ou não ter conhecimento. Mas já confirmou saber que sabia que conversas do Conselho Superior do GES estavam a ser gravadas

Manuel Fernando, ex-presidente da Rioforte, holding do braço não-financeiro do GES, e ex-membro do Conselho Superior do GES, admitiu hoje no Parlamento que Salgado “teve sempre a confiança total da família porque era um membro sénior com provadas dadas”: “Apesar de já haver críticas relevantes em relação a Salgado desde o segundo semestre de 2013, quando foram conhecidas as contas da ESI, o Dr. Salgado apresentou ideias e soluções e o Conselho Superior confiou nele.”

O ciclo de perguntas foi iniciado pela deputada do Bloco de Esquerda Mariana Mortágua, que se apressou a tentar saber que conhecimento teria Manuel Fernando Espírito Santo das contas da Espírito Santo International (ESI), a holding que em Setembro de 2013 tinha um “buraco” de 1300 milhões de euros. “Eu não sabia que o passivo tinha sido omitido ou que não estava todo nas contas. Só conheci no fim de 2013 com o exercício do ETRICC.”

E por que razão as contas não eram consolidadas, insistiu a deputada? “Sempre nos foi dito pelo nosso comissaire aux comptes [Francisco Machado da Cruz] que não era preciso consolidar a ESI.” As contas da Rioforte, lembrou, só começara, a ser consolidadas em 2009, 2010, razão pela qual acreditava que “o caminho natural” seria “que um dia a ESI também iria consolidar as suas contas”.

Mais à frente, Manuel Fernando voltou a repetir não ter tido conhecimento da ocultação do passivo da Espírito Santo International. “Eu não era responsável pelas contas da ESI.” E Salgado, sabia?, questionou a bancada social-democrata. “Não sei. Isso está a ser investigado no Luxemburgo e tudo isso se vai deslindar rapidamente.” E o que lhe diz a experiência: um contabilista faria isto tudo sozinho? “Às vezes há erros pontuais, mas o desvio é muito grande. Acho um pouco estranho.”

Tendo como ponto de partida uma notícia do i sobre uma reunião do Conselho Superior do GES onde foi dito por Salgado que a Eurofin, empresa suíça especializada em serviços financeiros, tinha lá escondidos “5% das acções da Financial (ESFG)”, Mariana Mortágua perguntou se o antigo administrador do GES confirmava que tal manobra servia para evitar uma OPA (oferta pública de aquisição).

Manuel Fernando disse não saber. “A Eurofin era uma boutique financeira mas se ela tinha acções da ESFG devia ser por razões de investimento.” Mas não se lembra desta conversa?, devolveu a deputada Mariana Mortágua. “Lembro-me que foi abordado ou mencionado, não me recordo bem qual era a percentagem, pelos vistos era 5%.” Que tipo de negócios é que a Resources tinha com a Eurofin? O representante do ramo Moniz Galvão não sabia responder.

“Não sei”, “Desconheço”, “Não tenho conhecimento”, foram as respostas até agora mais repetidas por Manuel Fernando. Nos últimos instantes, Manuel Fernando confirmou ter tido conhecimento de que as conversas do Conselho Superior estavam a ser gravadas e adiantou que teriam começado a sê-lo “a partir do momento em que o Conselho aumentou o número de membros”. Recorde-se que durante a audição, na semana passada, no Parlamento, Salgado disse que não sabia que as conversas estavam a ser gravadas. O i, que começou a divulgar o conteúdo das reuniões da cúpula em Outubro, mostrou então como as próprias gravações desmentiam as declarações do ex-líder do BES.

Siga a audição ao minuto:

10:15. Questionado pelo deputado socialista José Magalhães sobre as circunstâncias que rodearam a comissão paga pelos alemães à empresa do universo Espírito Santo, Escom, no negócio dos submarinos, Manuel Fernando Moniz Galvão Espírito Santo disse na comissão de inquérito à gestão do BES/GES não ter qualquer informação ou documentação em sua posse porque "foi tudo confiscado" durante as buscas. Confirmou que aderiu ao RERT -- programa que permite repatriar capitais do estrangeiro a uma taxa de 5% - logo em 2004 ou 2005 depois de ter recebido parte da comissão, mas não esclareceu o montante e disse desconhecer qual a trajectória dos cerca de 30 milhões de euros pagos à Escom.

E por que razão o Conselho Superior recebeu aquele montante, insistiu o deputado José Magalhães? "O Conselho Superior não era remunerado. E decidiu-se uma retribuição especial." Uma retribuição especial?, retorquiu o deputado. "Pagamento a uma sociedade pelos resultados obtidos." E qual o resultado obtido, insistiu José Magalhães? "Não tenho conhecimento do negócio, isso não tenho." Que intervenção é que tinha tido no sucesso desse negócio? "Eu não intervim nesse negocio, de maneira nenhuma. Quem o fez foi a nossa sociedade, a Escom. Eles tiveram um resultado. E desse resultado veio uma retribuição especial para o Conselho Superior."

10:44. Era a vez da bancada do CDS fazer perguntas a Manuel Fernando. A deputada Teresa Anjinho perguntou ao antigo chairman da Rioforte o que aconteceu ao contabilista da ESI, Francisco Machado da Cruz, depois de ser conhecida a ocultação do passivo no valor de 1300 milhões de euros. "Como as contas não estavam certas acho que não se manteve no grupo. Se não me engano ele ainda ficou numas empresas mas não teve mais nenhuma responsabilidade a partir de Abril." De seguida, Manuel Fernando explicou que Machado da Cruz era uma pessoa que tinha "muita informação": "Ele tratava das contas, por isso ele sabia de muita coisa." Um dos problemas que teria tido na ESI, quando fizeram o pedido de gestão controlada, recordou o membro do ramo Moniz Galvão, foi ter de "trabalhar durante três meses com os peritos do Luxemburgo" e constatar que "houve um historial que foi perdido.”

10:56. Manuel Fernando disse aos deputados ter ido ao Banco de Portugal três vezes, a primeira a 3 de Dezembro de 2013, no âmbito do Conselho Superior do GES. Sobre o facto de Ricardo Salgado ter respondido, logo no dia 5 de Dezembro, que esse plano era inexequível, o ex-chairman da Rioforte concordou com o ex-líder do BES. "Davam-nos até ao fim do ano para reduzir um passivo que era praticamente impossível."

11:09. O deputado do PCP Miguel Tiago perguntou a Manuel Fernando se subscreveu o célebre protocolo de José Maria Ricciardi. O antigo chairman da Rioforte confirmou: "Subscrevi em Outubro de 2013. E depois na reunião do Conselho Superior de 7 de Novembro demos o apoio ao dr. Ricardo Salgado." Até a essa data, acrescentou o representante do ramo Moniz Galvão, "a gestão do dr Ricardo Salgado nunca tinha sido posta em causa": "Foi sempre o líder do grupo. Nunca pus em causa a sua liderança, a sua gestão."

Manuel Fernando acrescentou ainda que durante o Verão de 2013 José Maria Ricciardi teria tido várias conversas consigo e com outros membros do Conselho Superior do GES revelando dados que até então não conheciam.

Seguiu-se a fatídica reunião de 11 de Novembro de 2013, em que Salgado ameaçou destituir Ricciardi do Conselho de Administração do BES e o líder do BESI devolveu prometendo divulgar publicamente as razões por que não lhe dera um voto de confiança. "Infelizmente no dia seguinte saíram muitas notícias nos jornais e esse foi um fim-de-semana muito atribulado. Houve muitas conversas. No próprio Domingo perguntei ao Dr. Ricardo Salgado se estaria disposto a falar com José Maria Ricciardi. E à noite fui à casa do dr. José Maria. Na manhã de segunda-feira falei com o presidente do grupo, comuniquei a possível destituição e que seria bom haver um Conselho Superior prévio ao conselho de administração do BES", contou.

11.44. A deputada Mariana Mortágua quis saber de onde tinha vindo a "retribuição extraordinária" para os membros da família no negócio dos submarinos. "Veio através de uma sociedade do seio da Escom, veio para uma conta minha declarada na Suíça." Manuel Fernando acrescentou ainda nunca ter tido "qualquer ligação com a Akoya".

12.00. Na segunda ronda de perguntas dos deputados, Manuel Fernando Espírito Santo teve de explicar porque não lutou "até à exaustão" para salvar a Rioforte. "Pus o chapéu no grupo e acreditei sinceramente que a Rioforte era a solução para salvar o grupo. Era uma empresa relativamente jovem e limpa. O plano de reestruturação previa logo um aumento de capital, não foi possível pelas autoridades do Luxemburgo. Eu acreditei nesse plano."

12:15. O deputado socialista José Magalhães tinha a dúvida recorrente. "E já agora, quem é o sexto homem?", perguntou, numa alusão à conversa do Conselho Superior do GES divulgada em Outubro pelo i, que dava conta de que Salgado teria dito aos familiares que os ex-administradores da Escom teriam dito que havia "uma parte [da comissão] que teve de ser entregue a alguém num determinado". Como o deputado tem repetido a pergunta em todas as audições, brincou: "É uma pergunta que se não a fizesse ficava cá."

Manuel Fernando limitou-se a dizer: "Não sei quem é o sexto homem." E insistiu na mesma defesa: o valor de cinco milhões de euros que terá sido repartido pelos cinco membros mais velhos do Conselho Superior do GES (os únicos à data) não foi "uma comissão" mas uma "retribuição extraordinária". A carta que assinaram em 2013 serviria simplesmente para falar de coesão e informar os novos membros do Conselho Superior que tinham recebido aquela recompensa, alegou o presidente da Rioforte.

12:35. O famoso protocolo assinado por seis membros da família no final de Outubro de 2013 a pedir uma série de esclarecimentos e a alteração da liderança de Ricardo Salgado, e que José Maria Ricciardi disse ter ficado guardado num cofre até Agosto de 2014, não foi esquecido pela deputada Teresa Anjinho. "Devo dizer-vos sinceramente. O documento ficou esquecido. Porque já tinha havido um debate entre o dr. Salgado e o dr. Zé Maria, o documento nunca foi apresentado." De qualquer forma, disse Manuel Fernando, este documento só seria apresentado com o acordo de todos os membros.

Questionado sobre se tinha alguma vez assinado de cruz documentos da ESI, Manuel Fernando confirmou-o por outras palavras: "Assinei muitos documentos à base da confiança."

13:30. Mesmo no final da audição, Manuel Fernando Espírito Santo fez uma revelação. Em resposta à pergunta do deputado Filipe Neto Brandão sobre qual o montante que constava da carta que Salgado lhe pediu para assinar na reunião do Conselho Superior do GES e qual o montante que efectivamente tinha recebido, o presidente da Rioforte disse não se recordar dos montantes, mostrou-se disponível para enviar depois o documento à comissão e explicou: "Houve uma pequena divergência realmente. Era outro montante que também foi extraordinário ao nível do grupo, não só dos submarinos. Daí a divergência."

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