Decisão
do STF contra financiamento empresarial dos partidos é histórica — mas Senado
pode revertê-la, como planejou Gilmar Mendes. Mobilização da sociedade anularia
risco e colocaria em xeque onda conservadora
José
Antonio Moroni – Outras Palavras - Imagem: Rubem Grilo, Desencaixe (2008)
Os
diferentes movimentos e campanhas da sociedade civil brasileira que interagem
nos debates sobre a reforma do sistema político identificaram três
questões centrais a ser enfrentadas inicialmente: a influência do poder
econômico nos processos decisórios (processos eleitorais, partidos, políticas
publicas, decisões de Estado etc), a sub-representação de vários segmentos nos
espaços de poder (mulheres, população negra, povos indígenas, juventude,
camponeses/as, homoafetivos, trabalhadores/as em geral) e ausência de
povo nos processos decisórios (democracia sem povo).
O
Congresso Nacional por anos se recusou a votar qualquer alteração substancial
sobre o tema. Este ano, resolveu votar. Analisamos que essa mudança de postura
do Congresso tem relação direta com a pressão exercita pela campanha do
plebiscito constituinte do sistema político e pela iniciativa popular pela
reforma política democrática; fragilidade do executivo (retira do processo um
ator importante, com poder de articulação) faz com que o Congresso vote uma
reforma política com a “sua cara”; ação no STF (Supremo Tribunal Federal) de
inconstitucionalidade do financiamento empresarial de campanhas e dos partidos;
composição ultraconservadora do Congresso Nacional (garantindo uma maioria
significativa pra votar uma contrarreforma). Todos esses fatores, associados ao
temor “vamos fazer antes que eles façam” – neste caso ‘eles’ é o povo -, fez
com que o Congresso Nacional, principalmente a Câmara dos Deputados, votasse
este ano uma contrarreforma política.
Para
entendermos melhor esse processo, precisamos dividi-lo em dois: uma parte diz
respeito a emendas constitucionais e outra, à votação de leis.
Nos
dias 16 e 17 de setembro, o STF concluiu o julgamento da ADI (ação direta de
inconstitucionalidade) do financiamento empresarial das campanhas e dos
partidos. O resultado da votação ficou em 8 a 3 pela
inconstitucionalidade. Uma vitória dos movimentos que lutam pelo fim da
influência do capital nos processos decisórios. Apesar de já batido, é
bom sempre deixar registrado que o ministro Gilmar Mendes ficou 17 meses
com pedido de vistas do processo, numa estratégia combinada com os segmentos
favoráveis ao financiamento empresarial, pra dar tempo de votar no Congresso
uma PEC (proposta de emenda constitucional) pra constitucionalizar este tipo de
financiamento. A estratégia deste grupo era aprovar no Congresso Nacional uma
emenda constitucional legalizando o financiamento empresarial e, com isso, o
julgamento do STF perderia efeito.
Em
agosto, a Câmara dos Deputados aprovou a PEC 330 (que apelidamos de PEC da
Corrupção), que constitucionalizava o financiamento empresarial aos partidos
políticos. Esta PEC só foi aprovada após manobras do grupo do presidente da
Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, sendo encaminhada depois para apreciação
no Senado, que ainda não votou a proposta. Vale lembrar que PEC não tem veto
presidencial e é sancionada pelo Congresso Nacional – só as leis aprovadas
pelos parlamentares podem ter veto e são sancionadas pela Presidência da
República.
Em
resumo: a tramitação de uma PEC no Congresso é a seguinte: começa por
iniciativa de um parlamentar (senador/a ou deputado/a). Se for deputado/a, tem
que ter o apoio de outros 171 deputados para começar a tramitar. Se for
senador/a, o apoio mínimo é de 27 senadores. A PEC é votada em dois turnos
(duas votações) na casa que iniciou a tramitação e, se aprovada em ambos
turnos, vai para a outra casa legislativa para ser apreciada. Se rejeitada, não
retorna à casa de origem. Se aprovada em dois turnos nas duas casas (Senado e
Câmara), é promulgada pelo próprio Congresso. A Presidência da República não
tem poder algum em relação à PEC. Para que a Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) seja aprovada na Câmara, é preciso ter o apoio de 308 deputados/as;
no Senado, o apoio mínimo é de 49 senadores/as.
Outra
estratégia da Câmara dos Deputados foi votar, a toque de caixa, mudanças
na lei das eleições (lei 9.504) e no Código Eleitoral ( Lei 4737). Assim
como a PEC, que descrevemos acima, as alterações das leis tinham como elemento
central a legalização do financiamento empresarial, agregando um outro elemento
que é o de centralizar o poder. Isto é: dificultar ao máximo que partidos hoje
considerados “pequenos” possam ter instrumentos pra chegar ao poder. Foi com
essa lógica que a Câmara aprovou mudanças na lei das eleições e no Código
Eleitoral. O proposta aprovada na Câmara foi encaminhada para o Senado, que
rejeitou a parte que se referia ao financiamento empresarial de campanha.
Como eram mudanças em leis e não na Constituição, o projeto retornou à Câmara
(casa de origem) e esta manteve o financiamento empresarial como tinha aprovado
anteriormente.
Para
saber mais sobre o conteúdo do PL que foi aprovado no Congresso, acesse
este documento (PDF).
E
como funciona a tramitação de um projeto de lei (PL)? Começa por iniciativa de
um/a parlamentar (pode ser deputado/a ou senador/a). Tramita na casa de origem,
votado em um único turno. Se aprovado, vai para a outra casa. Caso sofra
modificações de conteúdo na outra casa, retorna para a casa de origem, que pode
aceitar as modificações ou não – voltando ao texto original. Concluída a
votação do PL no Congresso Nacional (Câmara e Senado), a nova lei é encaminhada
para a Presidência da República, que pode sancionar na íntegra, vetar
totalmente ou vetar parcialmente.
Em
relação às questões centrais pontuadas pelos movimentos, o que foi aprovado até
o momento no Congresso Nacional está contramão do que defendemos. Em relação ao
financiamento empresarial, o Congresso aprovou (ainda tem a votação da PEC no
Senado, conforme explicamos). Conseguimos derrubar no STF e agora precisamos
derrubar no Senado pra fechar o círculo. Em relação às sub-representações, não
tivemos avanço algum, pelo contrario, houve um retrocesso político e tanto. A
própria bancada feminina abriu mão de defender a paridade (para cada homem
eleito, uma mulher eleita), e apresentou uma proposta inicial de 10% de cota.
Mesmo assim os parlamentares, em grande parte machos, brancos, proprietários etc,
não aceitaram. No que diz respeito ao fortalecimento da democracia direta, a
Câmara aprovou uma PEC que diminuiu o número de assinaturas da iniciativa
popular de lei, de 1.500.000 (um milhão e meio) para 500 mil. Muito pouco
para quem quer construir o poder popular.
Diante
deste quadro quais são os próximos passos? Podemos definir em três deles:
1º) Pressionar
a presidenta Dilma pra que vete a lei aprovada pelo Congresso Nacional, a qual
chamamos de contrarreforma. O ideal é o veto total. Ou pelo menos vetar os
artigos que dizem respeito ao financiamento empresarial de campanhas. Mesmo o
STF decidindo que é inconstitucional, se a Dilma não vetar, a lei entra em
vigor e vamos precisar de uma nova ação do STF pra declarar essa lei
inconstitucional. Com isso, corremos o risco de ter as eleições municipais do
ano que vem ainda sendo financiada pelas empresas.
2º Pressionar
o Senado para que vote e derrote a PEC 330 (PEC da Corrupção), que veio
da Câmara dos Deputados.
3º Com
isso, zeramos o jogo da reforma política e podemos recolocar e fortalecer as
nossas propostas. Seja da convocação de uma constituinte exclusiva e soberana
do sistema político, ou mudanças importantes, via iniciativa popular, nas
regras do processo eleitoral e no fortalecimento da democracia direta.
Neste
sentido é importante a estratégia aprovada no ultimo encontro nacional do
plebiscito constituinte da realização de assembleias populares constituintes em
todo o Brasil. Com isso queremos ir discutindo que Nação queremos
construir, com quem e de que forma, acumulando forças para as disputas
cada vez mais explicitas, isso é ótimo, que estamos vivendo.
Como
podemos perceber, fomos e somos sujeitos políticos importantes, e fundamentais,
nesta disputa política. Conseguimos de certa forma, melar o acórdão, a
conciliação que estava sendo gestada. Agora é continuar na luta para
conseguirmos de fato ter um sistema político alicerçado na soberania popular,
no poder popular.
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