Paulo
Guilherme – África Monitor, opinião
Com
as prateleiras vazias em várias cidades do país e filas à porta de mercados e
supermercados para comprar bens essenciais, é difícil de acreditar que Angola
tenha encaixado 468 mil milhões de dólares durante o “boom” petrolífero dos
últimos 13 anos. Muitos se perguntam agora: para onde foi este dinheiro?
Enquanto
o Jornal de Angola faz (quinta-feira) manchete com a aprovação de “Programas
dirigidos para o aumento da produção na Agricultura e Indústria” – ilustrada
com uma foto do presidente José Eduardo dos Santos, a realidade, fora de
Luanda, parece ser mais complicada. Segundo a DW África, a falta de alimentos
está a “gerar desespero e revolta em Cabinda”. “O acesso aos produtos já é
limitado e as filas para comprar alimentos aumentam diariamente.
Um
vídeo partilhado nas redes sociais mostra um grupo de populares a invadir um
estabelecimento para tentar obter alimentos básicos. Em Benguela, relatos de
grupos de populares de madrugada à porta de armazéns. Mesmo a agência oficial
Angop relata a escassez de produtos básicos, como arroz, fuba de milho, açúcar
e óleo no Namibe. No Africa Monitor Intelligence, damos conta da escassez em
muitos supermercados. Mesmo os de cadeias detidas por elementos da elite e/ou
ligados a empresas de distribuição influentes.
Como
pode um país que encaixou quase 500 mil milhões de dólares nos últimos anos
estar a restringir importações para poupar divisas? Para onde foi o dinheiro?
"O
sentimento geral em Angola é que o dinheiro do petróleo ou foi mal gasto ou foi
gasto no estrangeiro, e que muito pouco contribuiu para criar postos de
trabalho ou para o desenvolvimento de comunidades locais ", diz a
antropóloga social Cristina Udelsmann Rodrigues, num artigo para o Instituto
Africano Nórdico.
Os
anos de crescimento económico após os acordos de paz de 2002 levaram à criação
de “uma classe de novos ricos dispostos a gastar sua riqueza em carros de luxo,
casamentos caros e viagens de compras para Europa e EUA”, refere o artigo do
IAN.
Luanda
passou a ser conhecida como a cidade mais cara do mundo para expatriados.
Apesar de alguns investimentos na economia local, a crise de preços de petróleo
em 2014 apanha o país totalmente dependente da indústria petrolífera. As
receitas e as divisas começaram a escassear e os “kinguilas” (cambistas)
devolta às ruas de Luanda trouxeram de volta memória do passado da guerra. Os
bancos deixaram de emitir cartões de crédito para uso no exterior.
"A
falta de moeda estrangeira está a afetar a todos em Angola de uma maneira ou
outra. Os ricos têm parado viajar para o exterior, e os pobres têm dificuldade
em comprar produtos importados como arroz, carne ou medicina em mercados locais
como os preços sobem ", diz Udelsmann Rodrigues.
De
um ponto de vista otimista, esta pode ser a oportunidade de que Angola
precisava. Um choque que obriga o país a virar-se para a criação de riqueza
fora do petróleo, diversificando a economia e gerando mais empregos.
Muitos
angolanos “esperam que o financiamento internacional para o desenvolvimento, há
muito em baixa, possa ser reactivado, uma vez que os líderes angolanos, humilhados
pela recessão económica, podem não ser mais capazes de resistir a ofertas de
ajuda do FMI e outros”.
Para
Udelsmann Rodrigues, a crise é também uma lembrança da capacidade de a
sociedade angolana se adaptar a novas realidades. "As pessoas se adaptam.
Se uma fonte de renda desaparece, eles buscam diferentes maneiras de ganhar a
vida".
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