quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Portugal: OS TEMPOS DA DEMOCRACIA



Domingos de Andrade – Jornal de Notícias, opinião

Na política há sempre uma grande tentação para extrapolar leituras para lá das fronteiras da ação em causa. E há na nossa memória, poética ou científica, a ideia da teoria do caos e do efeito borboleta, segundo o qual um bater de asas no Japão, por exemplo, pode provocar um tsunami do outro lado do Mundo. A vitória do Syriza na Grécia presta-se a todo o tipo de leituras, que rapidamente se estendem aos países do canto mais ocidental da Europa, como se o bater de asas pudesse ser causa de um terramoto deste lado.

Mas vamos por partes. Primeiro, lá: o voto dos gregos nos extremistas deve ser olhado como o triunfo da democracia e de o tempo da política se sobrepor ao tempo da finança. E como sinal de cansaço de um povo sujeito a uma alternância entre socialistas e sociais-democratas que, no Governo, se esquecem da obrigação de servir e de não se servirem. O partido de Alexis Tsipras, se primeiro causava arrepios com um programa de governo radical, na verdade limou mais tarde essa agressividade, moderando a sua linha de atuação. A aliança à extrema-direita para a formação de um Executivo pode, à primeira vista, não prenunciar nada de bom; mas poderá ser uma bengala conveniente para que o Syriza encontre o caminho do meio.

A última palavra será sempre de uma Europa com povos pouco confiantes no futuro e varrida por eleições este ano.

Por cá também. Embora em Portugal não exista nenhum partido capaz de protagonizar uma rutura: o Bloco de Esquerda vive dias de amargura e dificilmente se erguerá; o PCP é um trunfo seguro de protesto ortodoxo; o partido de Marinho e Pinto apenas gere a simpatia da figura e de quem está cansado da alternância do bloco central. Não há, portanto, um Podemos, como em Espanha, que possa causar realmente mossa.

Claro que vamos estar atentos nos tempos mais próximos ao que a Europa de Merkel, a principal derrotada das eleições, irá fazer. Qualquer aligeirar das políticas de austeridade na Grécia será fatal para a coligação PSD/CDS, que seguiu cegamente as demandas da troika e sublinhou querer ir mais além por "não haver alternativa". Esse vai ser o foco de toda a campanha eleitoral em curso. Também para António Costa, que pode ficar quieto por mais um tempo sem se comprometer com qualquer programa de Governo.

No limite, cansam-se os portugueses do jogo de póquer. E o drama passará a estar, quando muito, na manta de retalhos saída das legislativas, que obrigará a ter um presidente da República firme. Por pouco tempo Cavaco Silva, que estará de saída, mas mais o que for eleito em 2016. A Democracia também é isso. Ou não?

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