Mais
uma vez, vemos um julgamento se dar inteiramente na imprensa. Qual o preço
dessa irresponsável promiscuidade entre Ministério Público e mídia?
Miguel
do Rosário – Carta Maior
Agora
entendo porque os procuradores da Lava Jato e o juiz Sergio Moro “pediram à
mídia” para pressionar as instâncias superiores do Judiciário.
O
espetáculo não pode parar. E tem de ser rápido, para confundir a opinião
pública, produzindo um clima de caos.
A
mídia sempre gostou de coisas rápidas e confusas, que ela controla em função
das enormes equipes que só ela consegue mobilizar para manter o controle sobre
esse tipo de narrativa.
As
redes sociais, apesar de grandes e múltiplas (e justamente por serem tão
múltiplas), e a sociedade civil, reagem atônitas e lentamente a esse tipo de
escândalo. Não tendo um comando centralizado, precisam digerir as acusações,
tentando separar o que é sério, o que é exagerado, o que é falso, o que é
misturado indevidamente.
Depois
de paralisarem as construtoras e firmas de engenharia que prestam serviços a
Petrobrás, a “força-tarefa” formada por mídia, Moro e procuradores agora
avançam sobre as maiores produtoras de vídeo do país.
E
aí vazam, sem critério nenhum, planilhas de pagamentos, sigilos bancários,
fiscais e telefônicos.
Moro
mandou quebrar o sigilo de todos, mandou prender um monte de gente
provisoriamente.
No
Estadão, destaca-se o pagamento de R$ 200 mil da JBS à uma empresa dos irmãos
Vargas. Uma coisa que não tem nada a ver com a Lava Jato.
Escondida
no último parágrafo da matéria, encontramos a informação da JBS, afirmando que o
depósito se deu por serviços prestados e a declaração do próprio juiz, que
admite não ser “possível afirmar por ora que [os depósitos] eram destituídos de
causa lícita”.
Não
interessa. O espetáculo está dado.
Culpado
ou não culpado, a condenação já está feita na mídia.
Mais
uma vez, vemos um julgamento se dar inteiramente na imprensa.
Juiz
comenta casos na mídia, sem respeitar minimamente a discrição que deveria
guardar sobre o caso, e age notoriamente ao lado da acusação, sem demonstrar a
mínima preocupação em salvaguardar direitos.
Quebrando
sigilos indiscriminadamente, claro que o juiz e os procuradores encontrarão
irregularidades.
Descobrirão
mil tretas, muitas sem nenhuma ligação entre si.
Tretas
que, ao invés de serem investigadas separadamente, são usadas para formar a
teoria política que interessa à mídia naquele momento.
Os
valores de notas fiscais e serviços prestados (ou não) são lançados na mídia
com estardalhaço, ao lado de teses de acusação ainda sem nenhuma base concreta.
Empresários
conhecidos na praça, que nunca demonstraram qualquer contrariedade em prestar
depoimentos, recebem mandados de “condução coercitiva” para depor na PF. Isso
quando não são presos sumariamente, sem ao menos acesso às acusações que se
lhes fazem.
E
tudo feito sob os holofotes histéricos da mesma imprensa que passou a convocar
“manifestações de rua”.
Em
outro momento, e por muito menos, quando a mídia não tinha domínio da
narrativa, e, sobretudo, quando as operações não eram conduzidas por um juiz
“premiado pela Globo”, ergueu-se na imprensa um grande clamor contra o Estado
Policial.
Gilmar
Mendes, ministro do STF, dava entrevistas diárias contra isso, e até hoje não
se explica o “grampo sem áudio”, uma acusação feita por Mendes e Demóstenes
Torres que serviu de base para demitir o então diretor-geral da Polícia
Federal, Paulo Lacerda.
Hoje
a mídia assumiu o controle. O procurador que chefia a força-tarefa da Lava Jato
vai almoçar na Folha. Outro afirma que a mídia precisa pressionar o Judiciário
a julgar a toque de caixa.
Qual
o preço dessa irresponsável promiscuidade entre Ministério Público e mídia?
Qual
o objetivo?
Montar
conspiratas políticas e espetáculo midiáticos?
Subsidiar
uma narrativa cuja sinopse já foi previamente escrita?
A
luta contra a corrupção, naturalmente, é essencial, mas o que dizer de
operações anticorrupção manipuladas politicamente, feitas sem critério,
investigando indiscriminadamente, quebrando sigilos de maneira generalizada,
prendendo indivíduos muito antes de qualquer condenação?
Pior,
prendendo gente que não representa nenhum perigo à sociedade, nem oferece
qualquer obstáculo às investigações, apenas para oferecer um sacrifício humano
à malta excitada?
Enquanto
isso, na Operação Zelotes, o mesmo Judiciário nega sistematicamente todos
pedidos de prisão temporária. Não se prende ninguém sequer por um dia. Já na
Lava Jato, prisões “temporárias” duram seis meses.
Na
força-tarefa criada pelo Ministério Público, para cuidar da operação Zelotes,
os procuradores não podem se dedicar com exclusividade.
O
juiz da Zelotes não ganha prêmio da Globo.
Sergio
Moro já escreveu que admira a Operações Mãos Limpas, que resultou numa Itália
destruída politicamente, com partidos criminalizados, um país entregue à
extrema-dreita de Berlusconi, que controlava a mídia e, portanto, conseguiu se
manter incólume das acusações.
Uma
Itália que emergiu ainda mais corrupta do que antes.
Entretanto,
ninguém lembra do mais importante: os traumas provocados pelos desmandos da
Mãos Limpas fizeram a Itália debater e aprovar uma lei que responsabiliza
juízes e promotores que extrapolam suas funções.
Por
que a nossa imprensa não discute isso na opinião pública? O Cafezinho já
escreveu sobre o tema, no post intitulado “Os perigos da delação premiada“.
O
Conjur, site especializado em debates jurídicos, também alertou, recentemente,
para o perigo dessas delações premiadas.
A
entrega do prêmio Faz Diferença, da Globo, ao juiz Sergio Moro, já indicou que
o caminho a seguir deve ser o mesmo das Mãos Limpas.
Não
deveríamos ao menos aprender com os erros cometidos pelos italianos, debatendo
o que eles fazem hoje para se salvaguardarem contra histerias judiciais?
Afinal,
quem vigia os vigias?
Créditos
da foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil
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