segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Portugal: A QUEM SERVE A MARTIRIZAÇÃO POLICIAL?

 

Ana Sá Lopes – Jornal i, opinião
 
A martirização policial permitiu transformar as manifs em territórios de risco
 
A carga da polícia de choque que se seguiu à manifestação do dia da greve geral teve o condão de provocar um estranho unanimismo na opinião pública, partidária, etc. Avaliar a violência da polícia de choque ocupou nesse dia um lugar secundaríssimo – afinal, os polícias que faziam a segurança do parlamento estiveram sujeitos a uma martirização provocada por “meia dúzia de profissionais da desordem”, para usar a expressão do ministro da Administração Interna Miguel Macedo. E, feito inédito, essa circunstância transformou uma carga policial num feito de elogio unânime dos partidos do governo ao PS – ou de silêncio do quem cala consente do PCP e do Bloco de Esquerda. Como se uma interrogação sobre a proporção da intervenção policial pudesse ser automaticamente confundida com o apoio aos hooligans que atiraram pedras à polícia, o silêncio entupiu muitos daqueles a quem a actuação das forças da ordem – varrendo tudo à sua volta e detendo indiscriminadamente cidadãos pacíficos de São Bento até ao Cais do Sodré – perturbou profundamente.
 
Afinal, como é que a polícia não consegue neutralizar a “meia dúzia de profissionais da desordem” e parte para uma intervenção violenta em larga escala? Aqui ao lado, a jornalista Rosa Ramos explica que prevaleceu na polícia a teoria de que detenções cirúrgicas nas manifestações são excessivamente arriscadas e podem potenciar a violência. Uma fonte policial admite ao i que foi avaliado o risco de, “com detenções isoladas” se vir a “gerar uma situação de enorme instabilidade” – admitindo a polícia que os restantes manifestantes poderiam solidarizar-se com os “profissionais da desordem” – e que o desfecho final poderia ser uma carga policial “ainda pior”.
 
Numa manifestação maioritariamente pacífica, como até agora têm sido as manifestações, este risco foi sobreavaliado.
 
A edição do “Correio da Manhã” de ontem dava conta de um mal-estar instalado dentro da polícia pela demora em actuar. À pergunta sobre a demora em actuar ainda não houve uma resposta cabal. Não há uma única razão de segurança aceitável para manter a polícia e o parlamento sujeitos à martirização transmitida em directo. Mas pode haver razões políticas: o argumento da martirização conseguiu transformar uma carga policial num acto aceitável para a maioria dos portugueses; e em imediata sequência transformou as manifs em territórios de risco. Se isto interessa a alguém, não é seguramente ao Menino Jesus.
 

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