quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Portugal: LÍDERES PARLAMENTARES? DEIXEM-ME RIR!

 

Henrique Monteiro – Expresso, opinião
 
A definição de um líder é a de alguém que exerce influência sobre o comportamento, pensamento ou opinião dos outros. Àqueles políticos que seguem a opinião da turbamulta e dos ventos do momento chamam-se, no geral, oportunistas.
 
Ontem, os líderes parlamentares discutiram a trasladação do corpo de Eusébio para o Panteão; mas, para cumprir a Lei, terão de esperar um ano para aprová-la.
 
Aquando do falecimento de Amália, os "líderes" eram outros e fizeram mais ou menos o mesmo, conseguindo uma coisa espantosa: alterar um decreto de 25 de setembro de 1836, assinado por Passos Manuel, para diminuir o tempo que devia mediar entre o falecimento e a honra de ir para o Panteão. Achou Passos Manuel (e a Rainha D. Maria II assinou) que esse período deveria ser de cinco anos. Os nossos deputados, em 2000, acharam que um ano basta. Eu pergunto: hoje, não bastará uma semana? Um grito, que seja, de um cidadão emocionado não chega?
 
Irrita-me solenemente as leis em Portugal serem adaptadas à medida dos acontecimentos. Se o Parlamento sabe que não pode decidir antes de um ano por que agendou para ontem essa discussão? A resposta é: oportunismo, populismo e falta de liderança!
 
Há 164 anos todas as personalidades tinham de ter falecido há mais de cinco anos para que o Parlamento decidisse sobre a sua presença no Panteão. Por que razão se alterou a lei para Amália Rodrigues? A resposta é: oportunismo, populismo e falta de liderança!
 
Até parece que tenho qualquer coisa contra Amália (nada, pelo contrário, foi uma cantora fora de série) ou Eusébio (deu-me muito mais alegrias do que a maioria dos portugueses). Mas se pego nestes exemplos é só para sublinhar como este país se trata mal a si próprio e tem um Parlamento e uns líderes parlamentares que nem sabem liderar, nem sabem impor uma lei. É uma vergonha.
 
Como é uma vergonha que nomes como os que ontem aqui referi (e outros que me apontaram e concordo, como Aristides Sousa Mendes) não tenham quem no Parlamento os proponha, apenas por não haver quem na rua grite por eles. Como um comentador ontem escreveu a propósito do meu artigo: "Pessoa, Camões, Herculano estudam-se nas escolas. Não consta que se vá estudar Eusébio ou Amália". Os seus contributos para o país (nomeadamente no estrangeiro) foram grandes, foram enormes mas foram de qualidade diferente e, no caso específico de Eusébio - e sublinho sem o querer minorar -, não condizentes com o que a própria Assembleia da República decidiu em 2000: "As honras do Panteão destinam-se a homenagear e a perpetuar a memória dos cidadãos portugueses que se distinguiram por serviços prestados ao País, no exercício de altos cargos públicos, altos serviços militares, na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica e artística ou na defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa humana e da causa da liberdade".
 
Adaptar as leis às circunstâncias, às emoções momentâneas, aos oportunismos da caça ao voto é a melhor prova de que pouco aprendemos ainda sobre a qualidade da democracia e da racionalidade que ela tem de comportar. Dirão, somos latinos, somos emocionais. Eu respondo: tretas! Falta-nos quem não tenha medo de afrontar o ar do tempo!
 
Nota histórica: O Panteão Nacional congrega também a Igreja de Santa Cruz, em Coimbra, onde estão sepultados D. Afonso Henriques e D. Sancho I; de início, consagrou-se como Panteão o Mosteiro dos Jerónimos, onde estão sepultados Camões e Pessoa, mas um decreto de 1916 mudou-o para o então "antigo e incompleto templo de Santa Engrácia", que, na verdade, só ficou concluído em 1966 (daí a expressão "isto é como as obras de Santa Engrácia"). Foi a partir de 1916 que se começaram a colocar os túmulos que ainda hoje lá estão e os cenotáfios que representam outros grandes vultos da História.
 

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