quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Portugal: UM PAÍS INOPERÁVEL

 
André Macedo – Diário de Notícias, opinião
 
O Ministério da Saúde lamentou ontem "profundamente" a situação de uma doente oncológica que esperou dois anos por uma colonoscopia que depois confirmou um cancro em estado avançado, inoperável. Em declarações à agência Lusa, fonte oficial do Ministério da Saúde disse ser uma situação "intolerável", que "lamenta profundamente".
 
É interessante a estratégia do ministro da Saúde, Paulo Macedo. Revolta-se, junta-se ao coro, acha inaceitável - a palavra da moda é "indigna-se" -, talvez até tenha dado um murro na mesa e exigido o "apuramento imediato de responsabilidades", embora neste caso talvez seja uma investigação inoperável para a Inspeção-Geral das Atividades de Saúde. Terá pessoas suficientes para a fazer? Será que além de incompetência e desmazelo hospitalar - explicações sempre à mão - é mais um caso para a PJ investigar?
 
Se for um caso para a Judiciária não vai ser fácil. Disse anteontem o respetivo sindicato que há um volume anormal de inspetores experientes a sair para o sector privado e que esse, digamos, fluxo contínuo, essa corrida para a porta de saída, persiste há ano e meio sem esmorecer. Imagino o ministro da Administração Interna declarar com valentia, depois de um assalto mais vistoso, uma desgraça qualquer, uma família de turistas em apuros - em situação, digamos, inoperável - que realmente é um episódio que lamenta "profundamente". Vai mandar investigar a investigação, sim, sim, embora seja preciso olhar para números e estatísticas, todas elas, não apenas as relativas ao crime, para compreender e captar o contexto. Um país que não se mede é um país que não se conhece, é um país que não se gere, não é?
 
Parece no entanto que o Instituto Nacional de Estatística (INE) pode não ter os números no final deste ano, mesmo os mais simples e terrenos; ou então podem ser menos precisos e fiáveis, piores, enfim, talvez mesmo inoperáveis para os técnicos que os têm de trabalhar para ajudar a definir as políticas públicas que, supõe-se, ajudam a melhorar as decisões. Imagino então o ministro Poiares Maduro, que tutela o INE, dizer que se trata de uma situação "intolerável" e que a lamenta "profundamente".
 
Desta vez não mandará investigar nada. Não vale a pena. Pode ter sido o corte de 30% no orçamento do INE. Talvez tenham sido os inspetores da PJ que saíram por falta de condições. Ou se calhar Portugal transformou-se apenas num caso clínico onde tudo existe pela metade, um país amputado, coxo, manco, em permanente lista de espera, à espera de melhor governo e um sinal de vida inteligente na oposição. Nessa altura ficará claro que a reforma do Estado não podia ter sido apenas uma promessa para iludir os tolos; mas uma verdadeira política capaz de reduzir a despesa pública (uma inevitabilidade) sem tornar o País e as pessoas irremediavelmente inoperáveis.
 

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