quarta-feira, 4 de junho de 2014

Portugal: Foguetórios de ilusão e políticas chantagistas



 Eduardo Oliveira Silva – jornal i, opinião

O governo está a criar uma crise artificial, envolvendo o próprio Tribunal Constitucional e aproveitando a confusão no PS

Qualquer português com uma memória que recue até 17 de Maio se lembra que a data foi vendida como a de uma verdadeira restauração, em que Portugal se libertou da troika.

Na sede do CDS havia um relógio simbólico que marcava ao segundo a aproximação do momento final. Houve conselhos de ministros e sessões parlamentares alusivos à efeméride. Produziram-se discursos e proclamações de vitória sobre a troika com agradecimentos pungentes ao Zé Povinho. Só faltou um solene Te Deum, talvez por o patriarca não ter mostrado disponibilidade.

É claro que havia uns troikocépticos que iam dizendo que talvez não fosse bem assim, para começar porque a última avaliação não estava fechada e porque a pressão dos credores só passará quando Portugal pagar o último cêntimo dos 78 mil milhões de euros que recebeu acrescidos dos juros.

Indiferente a tudo, o governo produziu e manteve um Orçamento do Estado que continha manifestas inconstitucionalidades, não querendo deliberadamente saber dos alertas, das reticências e das rejeições que anteriormente o Tribunal Constitucional tinha manifestado.

Confrontado com a mais recente decisão desse tribunal, o governo inventou um argumento novo, reclamando uma aclaração das suas decisões, como se houvesse dúvidas de substância sobre 

o veto por causa de uma ou outra declaração de voto de um juiz ou quanto à data dos efeitos decisórios.

No meio da confusão de declarações, a maioria acabou por reconhecer que a troika está mesmo por cá e o processo de avaliação pode não ser fechado, admitindo portanto que as festividades do 17 de Maio eram para pacóvio ver.

Mais sóbrio esteve o Tribunal Constitucional, que fez saber que estava esgotada a sua intervenção, nada tendo acrescentado ao que decidiu sexta-feira. Na busca de mais um incidente, a maioria pretende agora que seja o parlamento a interpelar o Tribunal, visto que as decisões resultaram de acções oriundas de deputados. Nada como somar confusão à confusão.

A fúria do governo contra o Tribunal Constitucional é tanto mais insensata quanto é certo que, depois da sua recomposição recente, aquele órgão passou a ser constituído por um número de juízes maioritariamente apontados pela área do governo, o que pressupõe gente de um quadrante que, a priori, não lhe é hostil. Se os juízes actuassem por seguidismo, as decisões teriam passado ou chumbado por escassa margem, o que não aconteceu. Pelo contrário, as deliberações foram esmagadoras ou até unânimes.

Importa entretanto recordar que desde o início se anunciou que os cortes da função pública e noutro tipo de rendimentos, como as pensões, tinham um carácter transitório, pelo que não se pode invocar surpresa com a decisão de não aceitar que se tornem permanentes.

Como solução de via única, o governo e a maioria ameaçam agora com mais impostos, dizendo-se empurrados pelo Tribunal, que legitimamente não aceita a discriminação de grupos específicos e nega dar satisfações ao governo, que parece tentar preparar uma crise política ao dramatizar o assunto, eventualmente aproveitando a confusão que reina no PS com o avanço de António Costa.

A hipótese não é absurda, tanto mais que, se quisessem verdadeiramente resolver o problema, Passos e Portas poderiam pegar nos excedentes orçamentais ou numa ínfima parte dos 15 mil milhões que foram pedir para evitar sustos no tão saudado regresso aos mercados e que custam muitos mais milhões em juros. Isto para não falar em explicar à tal troika que o Tribunal Constitucional de cá é tão respeitado como o da Alemanha.

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