Eduardo
Oliveira Silva – jornal i, opinião
O
governo está a criar uma crise artificial, envolvendo o próprio Tribunal
Constitucional e aproveitando a confusão no PS
Qualquer
português com uma memória que recue até 17 de Maio se lembra que a data foi
vendida como a de uma verdadeira restauração, em que Portugal se
libertou da troika.
Na
sede do CDS havia um relógio simbólico que marcava ao segundo a aproximação do
momento final. Houve conselhos de ministros e sessões parlamentares alusivos à
efeméride. Produziram-se discursos e proclamações de vitória sobre a troika com
agradecimentos pungentes ao Zé Povinho. Só faltou um solene Te Deum, talvez por
o patriarca não ter mostrado disponibilidade.
É
claro que havia uns troikocépticos que iam dizendo que talvez não fosse bem
assim, para começar porque a última avaliação não estava fechada e porque a
pressão dos credores só passará quando Portugal pagar o último cêntimo dos 78
mil milhões de euros que recebeu acrescidos dos juros.
Indiferente
a tudo, o governo produziu e manteve um Orçamento do Estado que continha
manifestas inconstitucionalidades, não querendo deliberadamente saber dos
alertas, das reticências e das rejeições que anteriormente o Tribunal
Constitucional tinha manifestado.
Confrontado
com a mais recente decisão desse tribunal, o governo inventou um argumento
novo, reclamando uma aclaração das suas decisões, como se houvesse dúvidas de
substância sobre
o veto por causa de uma ou outra declaração de voto de um juiz ou quanto à data dos efeitos decisórios.
No
meio da confusão de declarações, a maioria acabou por reconhecer que a troika
está mesmo por cá e o processo de avaliação pode não ser fechado, admitindo
portanto que as festividades do 17 de Maio eram para pacóvio ver.
Mais
sóbrio esteve o Tribunal Constitucional, que fez saber que estava esgotada a
sua intervenção, nada tendo acrescentado ao que decidiu sexta-feira. Na busca
de mais um incidente, a maioria pretende agora que seja o parlamento a
interpelar o Tribunal, visto que as decisões resultaram de acções oriundas de
deputados. Nada como somar confusão à confusão.
A
fúria do governo contra o Tribunal Constitucional é tanto mais insensata quanto
é certo que, depois da sua recomposição recente, aquele órgão passou a ser
constituído por um número de juízes maioritariamente apontados pela área do
governo, o que pressupõe gente de um quadrante que, a priori, não lhe é hostil.
Se os juízes actuassem por seguidismo, as decisões teriam passado ou chumbado
por escassa margem, o que não aconteceu. Pelo contrário, as deliberações foram
esmagadoras ou até unânimes.
Importa
entretanto recordar que desde o início se anunciou que os cortes da função
pública e noutro tipo de rendimentos, como as pensões, tinham um carácter
transitório, pelo que não se pode invocar surpresa com a decisão de não aceitar
que se tornem permanentes.
Como
solução de via única, o governo e a maioria ameaçam agora com mais impostos,
dizendo-se empurrados pelo Tribunal, que legitimamente não aceita a
discriminação de grupos específicos e nega dar satisfações ao governo, que
parece tentar preparar uma crise política ao dramatizar o assunto,
eventualmente aproveitando a confusão que reina no PS com o avanço de António
Costa.
A
hipótese não é absurda, tanto mais que, se quisessem verdadeiramente resolver o
problema, Passos e Portas poderiam pegar nos excedentes orçamentais ou numa
ínfima parte dos 15 mil milhões que foram pedir para evitar sustos no tão
saudado regresso aos mercados e que custam muitos mais milhões em juros. Isto para não
falar em explicar à tal troika que o Tribunal Constitucional de cá é tão
respeitado como o da Alemanha.
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