PCP
e BE acreditam, mas sabem que há um caminho de pedras até chegar ao poder.
"É possível, mas tem de se fazer tudo bem".
Rosa Pedroso Lima – Expresso
"Tudo
é possível em democracia, mas é óbvio que tem de se fazer tudo bem feito."
Marisa Matias, eurodeputada do Bloco de Esquerda, está "muito
confiante" na vitória do Syriza nas próximas eleições gregas. Mesmo assim,
sabe que "é errado fazer transposições" diretas para Portugal do
sucesso obtido pelo "partido-irmão" do BE. Por cá, a esquerda está
muito longe de poder sonhar com o poder, com escassos 15% de intenções de voto.
Mas, mesmo assim, capitaliza com o exemplo que vem de fora. Um governo de
esquerda deixou de ser uma miragem, passou para uma "possibilidade".
"Isto
dá muitas voltas", diz Marisa Matias. Há cinco anos, o Bloco estava em
alta e o partido-irmão grego estava "muito fragilizado".
"Dizia-se que o Syriza estava acabado, tinha 4% de votos", que não ia
a lado nenhum. Depois, em 2012, Alexis Tsipras chegou à liderança do partido
grego da esquerda radical e fez o Syriza subir para os 17% das intenções de
voto, mas continuava a ser "impensável" vê-lo como primeiro-ministro,
diz Marisa Matias.
O
quadro mudou em poucos anos. Não tanto por mérito partidário, mas pelas
circunstâncias gerais. A Grécia caiu a pique, "passou de uma crise
financeira para uma crise económica e, depois, social. Hoje, vive uma crise
humanitária", diz a eurodeputada do BE. O Syriza capitalizou "o
descontentamento dos eleitores da esquerda", dos que viram o governo
socialista da Grécia a pedir um segundo resgate e a adotar as mais duras
medidas de austeridade da história do país.
O
partido de Alexis Tsipras aproveitou a oportunidade "junto dos
desesperados, que são milhares de gregos que vivem numa situação de total
angústia" e que se tinham desligado da política. Como? Passando ao terreno
e provando "que sabe criar alternativas". Marisa Matias dá um
exemplo. Os sucessivos cortes no serviço nacional de saúde grego, impostos pela
redução da despesa pública, excluíram os desempregados e todos os que não pagam
impostos de aceder aos cuidados básicos. "Em resposta, o Syriza criou 40
centros de atendimento médico gratuito, 17 dos quais em Atenas", explica.
A assistência é prestada por voluntários, tudo sem custos. No final, as contas
acabaram por ser saldadas. Mas nas urnas e a favor do partido de Tsipras, que
chega domingo às eleições com todas as sondagens a garantirem-lhe uma vitória.
Acreditar,
mas com calma
Por cá, as transposições diretas entre a esquerda grega e a portuguesa "são um erro", diz Marisa Matias. Os programas do Syriza e do Bloco de Esquerda até podem "ser muito iguais", mas as realidades teimam em ser demasiado diferentes. "Não temos um partido socialista profundamente desgastado por anos de poder e, sobretudo, temos uma fragmentação total à esquerda, que não está a ser capaz de capitalizar o espaço político antiausteridade."
João
Ferreira, eurodeputado comunista, também acha que "é possível em Portugal
operar-se uma rotura com 38 anos de política de direita" e, mais do que
isso, assume que "existem as forças necessárias para operar essa
mudança". Os comunistas, garante, estão empenhados "na convergência
de todos os sectores, forças e personalidades democráticos", acreditam que
o objetivo é viável, mas também sabem que é melhor refrear os ânimos de quem
quer trazer o caso grego diretamente para Portugal. "São países
diferentes, com culturas, experiências e percursos históricos diferentes",
diz João Ferreira ao Expresso. "Não é nem possível nem adequado fazer
transposições mecânicas", apesar de as marcas de austeridade terem feito
de gregos e portugueses iguais "vítimas dos terríveis resultados das orientações
da União Europeia".
Paulo
Rangel, do outro lado do espectro político, tem uma leitura diferente da
realidade da esquerda portuguesa. "A nossa esquerda radical até tem, como
sempre teve, uma expressão eleitoral bem maior do que noutros países."
Quer isto dizer que, para o eurodeputado do PSD, comunistas e bloquistas
"são politicamente bem mais relevantes do que acontece em qualquer outro
país da UE". Aparentemente, partiriam com vantagem, Mas o que os
diferencia do Syriza é "a falta de vontade de se afirmarem como partidos
de poder", diz Rangel, para quem a opção do PCP e do BE pelo
"estatuto de partido de protesto" é a razão principal de se manterem
distantes do percurso do Syriza grego.
Aliás,
Paulo Rangel reconhece que o partido de Tsipras "mudou muito nos últimos
anos", acha que foi capaz de montar "uma autêntica operação de
relações públicas e de comunicação" para se aproximar das instâncias
europeias.
Na
verdade, querer chegar ao poder não basta, num país que integra o euro, está
financeiramente dependente da ajuda externa e obrigado a negociações diretas
com as autoridades da UE. "Foi visível o esforço feito pelo Syriza em
Bruxelas, junto da Comissão e do Parlamento Europeu", diz Paulo Rangel.
O
partido grego tem seis eurodeputados que se desmultiplicaram em "encontros
formais e informais" com os outros grupos parlamentares europeus no
sentido de "construir um discurso consistente e capaz de ser entendido
como de diálogo". Desta "suavização da mensagem" do Syriza fazem
parte as constantes garantias de que o partido não sairá do euro, uma
referência constante nas últimas intervenções de Alexis Tsipras. Afinal de
contas, por mais folgada que possa ser a vitória no próximo domingo, o day
after do Syriza já está traçado: o acordo com a União Europeia é inevitável e
mandam as regras que não se ataquem os credores antes de ter o cheque nas mãos.
Sem comentários:
Enviar um comentário