domingo, 25 de janeiro de 2015

ESQUERDA COM FÉ NUM SYRIZA PORTUGUÊS




PCP e BE acreditam, mas sabem que há um caminho de pedras até chegar ao poder. "É possível, mas tem de se fazer tudo bem".

Rosa Pedroso Lima – Expresso

"Tudo é possível em democracia, mas é óbvio que tem de se fazer tudo bem feito." Marisa Matias, eurodeputada do Bloco de Esquerda, está "muito confiante" na vitória do Syriza nas próximas eleições gregas. Mesmo assim, sabe que "é errado fazer transposições" diretas para Portugal do sucesso obtido pelo "partido-irmão" do BE. Por cá, a esquerda está muito longe de poder sonhar com o poder, com escassos 15% de intenções de voto. Mas, mesmo assim, capitaliza com o exemplo que vem de fora. Um governo de esquerda deixou de ser uma miragem, passou para uma "possibilidade".

"Isto dá muitas voltas", diz Marisa Matias. Há cinco anos, o Bloco estava em alta e o partido-irmão grego estava "muito fragilizado". "Dizia-se que o Syriza estava acabado, tinha 4% de votos", que não ia a lado nenhum. Depois, em 2012, Alexis Tsipras chegou à liderança do partido grego da esquerda radical e fez o Syriza subir para os 17% das intenções de voto, mas continuava a ser "impensável" vê-lo como primeiro-ministro, diz Marisa Matias.

O quadro mudou em poucos anos. Não tanto por mérito partidário, mas pelas circunstâncias gerais. A Grécia caiu a pique, "passou de uma crise financeira para uma crise económica e, depois, social. Hoje, vive uma crise humanitária", diz a eurodeputada do BE. O Syriza capitalizou "o descontentamento dos eleitores da esquerda", dos que viram o governo socialista da Grécia a pedir um segundo resgate e a adotar as mais duras medidas de austeridade da história do país.

O partido de Alexis Tsipras aproveitou a oportunidade "junto dos desesperados, que são milhares de gregos que vivem numa situação de total angústia" e que se tinham desligado da política. Como? Passando ao terreno e provando "que sabe criar alternativas". Marisa Matias dá um exemplo. Os sucessivos cortes no serviço nacional de saúde grego, impostos pela redução da despesa pública, excluíram os desempregados e todos os que não pagam impostos de aceder aos cuidados básicos. "Em resposta, o Syriza criou 40 centros de atendimento médico gratuito, 17 dos quais em Atenas", explica. A assistência é prestada por voluntários, tudo sem custos. No final, as contas acabaram por ser saldadas. Mas nas urnas e a favor do partido de Tsipras, que chega domingo às eleições com todas as sondagens a garantirem-lhe uma vitória.

Acreditar, mas com calma

Por cá, as transposições diretas entre a esquerda grega e a portuguesa "são um erro", diz Marisa Matias. Os programas do Syriza e do Bloco de Esquerda até podem "ser muito iguais", mas as realidades teimam em ser demasiado diferentes. "Não temos um partido socialista profundamente desgastado por anos de poder e, sobretudo, temos uma fragmentação total à esquerda, que não está a ser capaz de capitalizar o espaço político antiausteridade."

João Ferreira, eurodeputado comunista, também acha que "é possível em Portugal operar-se uma rotura com 38 anos de política de direita" e, mais do que isso, assume que "existem as forças necessárias para operar essa mudança". Os comunistas, garante, estão empenhados "na convergência de todos os sectores, forças e personalidades democráticos", acreditam que o objetivo é viável, mas também sabem que é melhor refrear os ânimos de quem quer trazer o caso grego diretamente para Portugal. "São países diferentes, com culturas, experiências e percursos históricos diferentes", diz João Ferreira ao Expresso. "Não é nem possível nem adequado fazer transposições mecânicas", apesar de as marcas de austeridade terem feito de gregos e portugueses iguais "vítimas dos terríveis resultados das orientações da União Europeia".

Paulo Rangel, do outro lado do espectro político, tem uma leitura diferente da realidade da esquerda portuguesa. "A nossa esquerda radical até tem, como sempre teve, uma expressão eleitoral bem maior do que noutros países." Quer isto dizer que, para o eurodeputado do PSD, comunistas e bloquistas "são politicamente bem mais relevantes do que acontece em qualquer outro país da UE". Aparentemente, partiriam com vantagem, Mas o que os diferencia do Syriza é "a falta de vontade de se afirmarem como partidos de poder", diz Rangel, para quem a opção do PCP e do BE pelo "estatuto de partido de protesto" é a razão principal de se manterem distantes do percurso do Syriza grego.

Aliás, Paulo Rangel reconhece que o partido de Tsipras "mudou muito nos últimos anos", acha que foi capaz de montar "uma autêntica operação de relações públicas e de comunicação" para se aproximar das instâncias europeias.

Na verdade, querer chegar ao poder não basta, num país que integra o euro, está financeiramente dependente da ajuda externa e obrigado a negociações diretas com as autoridades da UE. "Foi visível o esforço feito pelo Syriza em Bruxelas, junto da Comissão e do Parlamento Europeu", diz Paulo Rangel.

O partido grego tem seis eurodeputados que se desmultiplicaram em "encontros formais e informais" com os outros grupos parlamentares europeus no sentido de "construir um discurso consistente e capaz de ser entendido como de diálogo". Desta "suavização da mensagem" do Syriza fazem parte as constantes garantias de que o partido não sairá do euro, uma referência constante nas últimas intervenções de Alexis Tsipras. Afinal de contas, por mais folgada que possa ser a vitória no próximo domingo, o day after do Syriza já está traçado: o acordo com a União Europeia é inevitável e mandam as regras que não se ataquem os credores antes de ter o cheque nas mãos.

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