segunda-feira, 22 de agosto de 2011

São Tomé e Príncipe: Fradique de Menezes sempre quis ser um bom presidente




CARLILE ALEGRE - TÉLA NÓN

Aclamado pelo povo como empresário visionário e político promissor, Fradique era  encarado pela classe política como detentor de um forte capital político. Chegou aos aposentos do Palácio do Povo em 2001.

O grande mérito para este feito foi certamente a sua posição empresarial e sua experiência política. Militante do MLSTP/PSD desde os  anos 70, antes de ser eleito presidente, já havia desempenhado vários cargos políticos na administração pública e na diplomacia santomense: de ministro a representante do país no exterior.

Essas experiências carimbadas na sua ficha pessoal foram suficientes para seduzir Miguel Trovoada, que ao final de seu segundo mandato, fez de Fradique seu principal herdeiro político. Miguel Trovoada foi o principal fiador e “padrinho” político de Fradique na operação  que o conduziu  ao cargo de chefe da nação. Função que desempenhou durante dez anos consecutivos, eleito em 2001, foi reeleito em 2006.

O legado

As funções de presidente da República no atual cenário institucional e constitucional concede poucas margens de manobra para o presidente empreender várias ações de iniciativa própria. A existência de um Primeiro Ministro como chefe do governo, cria automaticamente um sistema de travões e contrapesos ao presidente. Isso obviamente ofusca e limita o protagonismo do presidente em muitos aspectos.  E, Fradique conhece bem essa realidade. Pessoas mais próximas dizem que o presidente cessante, algumas vezes confidenciou que preferia ser primeiro ministro, pois nesta função teria mais protagonismos e vias de acesso para implementar seus projetos políticos.

Ao que consta, fazendo um balanço meramente superficial é difícil achar uma grande realização de Fradique que possa equivaler a um legado. Mas uma de suas grandes realizações que talvez esteja próximo de um legado, foi sem dúvidas a revisão, em 2003, da constituição em vigência no país. Mas convenhamos, foi praticamente uma obra colaborativa, que reuniu vários especialistas, incluindo portugueses.

A tensa relação entre autonomia e controle de poderes

No começo de seu mandato presidencial, a relação entre Fradique e o Poder Legislativo (Assembleia Nacional) foi sempre tensa. Com o Poder Executivo (governo), houve também algumas tensões. As sucessivas quedas de oito (08) governos reflete essas tensões. De Setembro de 2001 até a presente data, o país conheceu nove (09) Primeiros Ministros.

No começo de seu mandato, as relações com o parlamento não eram das melhores. Isso criou desequilíbrios institucionais e controvérsias de atuação.  A situação tornou-se insuportável quando em 2003, num verdadeiro jogo de braço de ferro, Fradique destituiu a Assembléia Nacional, demitindo todos os deputados eleitos.

Em política hesitação corresponde à insegurança

Após destituir a Assembléia Nacional, 48 horas (dois dias) depois, Fradique voltou atrás, anulando a sua decisão. Com este recuo estratégico, a decisão de Fradique sôo mais à indecisão e insegurança do que uma atitude de solução.  Essa situação acabou por reduzir o seu protagonismo político, expondo uma fraqueza do presidente: precipitação e imediatismo.

O Golpe de Estado

No dia 16 de julho de 2003, quando se encontrava em visita de estado à Nigéria, Fradique foi destituído por um golpe de estado conduzido por altas patentes militares do país.  O país estava em retalhos. O estado  fraturado e Fradique fragilizado. Os militares criaram a Junta Militar da Salvação Nacional, liderado por Fernando Pereira.   Pretendiam avançar com a criação de um governo provisório. Mas a idéia não vincou. Oito dias depois (23 de julho), graças a pressão da comunidade internacional, Fradique foi reconduzido no cargo. Mas o aviso estava dado: Setores da sociedade estavam descontentes. Os militares achavam-se os salvadores da nação. A ordem institucional estava em perigo. A partir daí, o país passou a viver de desconfianças. Fradique viu reduzido seus espaços de manobras.

A falta de habilidade política e cortesia diplomática para negociar situações delicadas
No estouro da crise do golpe de estado em 2003, face ao apoio da comunidade internacional, Fradique tinha tudo para se sair bem.  Mas em algum momento demostrou falta de habilidade política e cortesia diplomática para negociar situações delicadas. Isso o prejudicou, e muito.

Nas tensões políticas e diplomáticas pós-golpe, Fradique se desentendeu com o presidente angolano, José Eduardo dos Santos.  Algumas declarações públicas de Fradique desagradaram dos Santos.

Em uma delas, quando rumava para Libreville (Gabão), questionado por jornalistas santomenses sobre o suposto papel de angola na intentona golpista, Fradique respondeu ”… Seria bom perguntarem isto ao próprio Presidente José Eduardo dos Santos. Eu pago-vos a viagem e vocês vão a Luanda entrevistar o Presidente José Eduardo dos Santos. Está combinado? Quando eu regressar falaremos dos detalhes”.

Estas declarações foram amplamente reproduzidas pela imprensa angolana.  Dos Santos, ficou aborrecido.  No fórum diplomático, Angola exigiu a retratação pública de Fradique. Fradique não se rendeu aos apelos.  Os ânimos se exaltaram. Hoje, essa situação serve para justificar o fato de até agora, dos Santos não ter visitado São Tomé e Príncipe durante os dois mandatos de Fradique.  Espera-se que com a eleição de Pinto da Costa, muito respeitado e admirado por dos Santos, o estadista angolano pise finalmente o solo santomense.

Apesar de todas estas situações, Fradique conseguiu não só manter-se no poder, como ser reeleito em 2006. No fim de mandato, marcou no prazo certo as eleições. Nunca cogitou artimanhas constitucionais para conseguir um terceiro mandato. Teve durante a campanha eleitoral (antes e pós-eleições), uma postura digna. Por tudo isso, apesar das situações circunstanciais negativas registradas em seu reinado, como queda de governos, dissolução da Assembleia Nacional, tensões diplomáticas, ele conseguiu salvaguardar o seu cargo. Soube levar o seu mandato até ao fim. Embora esteja deixando o poder com o país mergulhado numa crise sócio-econômica, é visível a relativa estabilidade política-institucional que o país vive – a chave principal para vencer a crise social e econômica. Isso é suficiente para constatar que, ao longo dos dois mandatos, Fradique tentou ser um bom Presidente.

Carllile Alegre – carllilealegre@gmail.com

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