Adalberto Ceita –
Jornal de Angola
O processo dos 50
assinala hoje, sábado, 55 anos de existência. Hoje apenas dez estão vivos, numa
lista de que fazem parte Amadeu Amorim, José Diogo Ventura, Carlos Alberto
Van-Dúnem, Luís Rafael, Noé Saúde, Armando Ferreira, José Manuel Lisboa,
António Matos Veloso, Miguel de Oliveira Fernandes e Manuel dos Santos Júnior
“Capicua”.
Resultado de uma
vasta onda de detenções efectuadas pela PIDE, entre 29 de Março e 24 de Agosto
de 1959, o “Processo dos 50” foi a designação encontrada pelo povo de Luanda
para o julgamento dos presos políticos acusados de conspiração contra o regime
colonial português.
Foi a 29 de Março de 1959 que a prisão em massa de nacionalistas angolanos por
parte da PIDE dava início ao processo judicial que ficou registado na História
como “Processo dos 50”.
Amadeu Amorim, um dos sobreviventes, recorda que o regime colonial se serviu da
prisão, um dia antes, do jovem José Manuel Lisboa, no aeroporto de Luanda,
quando embarcava para Leopoldville (Kinshasa) levando consigo um importante
documento, que lhe foi entregue por alguém ligado ao Exército para a Liberdade
de Angola (ELA).
Apesar da idade avançada, os acontecimentos nunca saíram da memória de Amadeu
Amorim. Conta que foi num sábado que a PIDE decidiu iniciar as prisões em massa
dos nacionalistas, dado que Luanda estava a ser inundada de panfletos que
apelavam à insurreição contra o regime colonial.
“Foi uma operação de prisões em massa de nacionalistas que na clandestinidade
contestavam o regime colonialista em Angola”, afirma.
Diogo Ventura, 85 anos, está entre os sobreviventes. Explica que o documento
descoberto pela PIDE a José Manuel Lisboa se destinava a marcar presença de
Angola na conferência pan-africana, em Accra, capital do Ghana e realça que o
objectivo passava por saudar os seus participantes, e afirmar-lhes que Angola
também estava a lutar pela sua libertação, reafirmar que o continente devia
contar com os angolanos, esperando dos países já independentes a sua
solidariedade.
Embora de forma clandestina, Amadeu Amorim insiste que era necessário trabalhar
na mobilização popular e salienta que as prisões incidiram sobre elementos de
três grupos clandestinos: “estamos a falar do Exército de Libertação de Angola
(ELA), o Movimento para a Independência (MIA) e o Movimento de Libertação
Nacional de Angola-Partido Comunista de Angola (MLNA-PCA)”.
Amadeu Amorim esclarece que foi a partir dessas detenções e o conjunto dos três
processos políticos que surgiu o nome “Processo dos 50”. Embora existam
divergências sobre o número real de integrantes, porque muitos morreram nas
cadeias, Diogo Ventura não disfarça a tristeza pela morte dos companheiros de
luta. Neste momento, apenas dez estão vivos dos quais sete a residir em Angola
e três em Portugal.
“A designação Processo dos 50 surgiu depois de Joaquim Pinto de Andrade ter
enviado para o seu irmão que vivia no exterior, Mário Pinto de Andrade, um
folheto, denunciando a prisão de 50 nacionalistas”, disse. A denúncia
internacional e o facto de ter sido um número elevado de pessoas presas ao
mesmo tempo, deu a conhecer ao mundo a situação política que se vivia em Angola.
Julgamento e revoltas
A prisão de elementos dos diversos grupos envolvidos na luta de libertação
nacional em Angola deu origem ao maior julgamento político da época. Realizado
em três fases, e com início em 1960, os réus contaram com a defesa de advogados
como Diógenes Boavida, e António Águas Cruz.
O julgamento no então Tribunal Militar Territorial de Angola teve também a
presença da advogada Maria do Carmo Medina.
“Essa mulher foi extraordinária no papel de advogada dos presos políticos.
Embora tivesse sido perseguida e ameaçada pela PIDE resistiu e por mim merecia
uma estátua pelo contributo à nossa libertação”, considera Amadeu Amorim.
“Os momentos de terror, prisões, interrogatórios e torturas não demoveram os
angolanos. Pelo contrário, criaram um sentimento maior de revolta”, disse.
E justifica a sua afirmação com o levantamento de Catete, em Dezembro de 1959,
o da Baixa de Cassanje, em Janeiro de 61, o 4 de Fevereiro e o 15 de Março do
mesmo ano. Ao mesmo tempo aconteceu a fuga de Portugal de dezenas de estudantes
angolanos.
“O movimento reivindicativo cresceu. Era um país inteiro com consciência
revolucionária e quando chegou a fase da luta armada os combatentes avançaram”,
disse Amadeu Amorim.
Campo de morte
Se existe inferno na terra, para Diogo Ventura ele revelou-se no campo de
concentração do Tarrafal, local onde “foi sentida a saga assassina do
colonialismo português”. Condenado a quatro anos de prisão e perda dos direitos
políticos por 15 anos, acabou por permanecer sete anos preso.
“Os prisioneiros estavam desprovidos de todos os direitos e a tortura era
física e psicológica. Não se podia assobiar, cantar, ou apreciar a luz do dia.
Apesar das péssimas condições de higiene, da alimentação deficiente e dos
trabalhos forçados o médico aparecia apenas uma vez por semana e o posto de
saúde não tinha medicamentos”, lembra.
Inicialmente condenado a 18 meses de prisão e perda dos direitos políticos por
cinco anos, Amadeu Amorim ficou sete anos preso no Tarrafal. Lamenta o
isolamento imposto e o sofrimento dos familiares dos condenados do regime
colonial.
“Apesar de em períodos prolongados permitirem a entrada de correspondência, as
cartas eram manipuladas com o propósito de nos destruírem psicologicamente”,
disse.
Amadeu Amorim destaca a resistência e o inconformismo do poeta António Cardoso
e de Manuel dos Santos “Capicua”, diante das autoridades coloniais.
A rebeldia de ambos provocou-lhes inúmeros problemas. António Cardoso foi o
preso político que mais tempo permaneceu no Tarrafal, enquanto Manuel dos
Santos “Capicua” perdeu a noção da realidade. Reside em Lisboa, mas tem graves
problemas mentais em consequência dos maus tratos que lhe foram infligidos.
“Peço ao nosso Governo que o traga para Angola, porque o homem está perdido e doente
em Portugal, dependente da ajuda de amigos e pessoas de boa-fé”, lamentou.
Reconhecimento e valorização
Composta por integrantes e seus descendentes, a Fundação Angolana de
Solidariedade Social e Desenvolvimento (Fundanga) tudo tem feito para manter
viva a chama do “Processo dos 50”.
Pascoal da Costa, um dos descendentes, admite que a instituição já sente maior
reconhecimento e sensibilidade por parte das autoridades e da sociedade.
“Nos últimos tempos o reconhecimento tem crescido, mas ainda enfrentamos muitas
dificuldades para levar avante os nossos desafios. por isso, apelamos à
sociedade em geral no sentido de não abandonar este grupo de homens que soube
dar o melhor de si em defesa do país”, reclama.
Pascoal da Costa refere que existem filiados em idade avançada, que precisam de
apoios e de sentir que valeu a pena combater o colonialismo. Revela que, dentro
da Fundanga foi criado um órgão para perpetuar os feitos dos sentenciados no
“Processo dos 50”.
José Diogo agradece a Deus por lhe prolongar a vida e testemunhar a liberdade e
as conquistas que o país tem vindo a alcançar e recorda que a independência foi
arrancada com suor, sangue e lágrimas.
O presidente da fundação alinha no mesmo pensamento. Amadeu Amorim fala de
pouca valorização da luta clandestina e do sacrifício consentido em relação à
luta armada e reclama uma sede condigna para a fundação.
“Precisamos ganhar consciência de que a luta armada é uma sequência dos
acontecimentos da luta clandestina”, concluiu.
- Imagem retirada do
livro Angola - 'O PROCESSO DOS CINQUENTA - Tempo de memória (1940-1962)', de Fernando Hedviges Chasse (Luanda 2002)
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