sábado, 29 de março de 2014

Angola: FRENTE CLANDESTINA DE LUTA



Adalberto Ceita – Jornal de Angola

O processo dos 50 assinala hoje, sábado, 55 anos de existência. Hoje apenas dez estão vivos, numa lista de que fazem parte Amadeu Amorim, José Diogo Ventura, Carlos Alberto Van-Dúnem, Luís Rafael, Noé Saúde, Armando Ferreira, José Manuel Lisboa, António Matos Veloso, Miguel de Oliveira Fernandes e Manuel dos Santos Júnior “Capicua”.

Resultado de uma vasta onda de detenções efectuadas pela PIDE, entre 29 de Março e 24 de Agosto de 1959, o “Processo dos 50” foi a designação encontrada pelo povo de Luanda para o julgamento dos presos políticos acusados de conspiração contra o regime colonial português. 

Foi a 29 de Março de 1959 que a prisão em massa de nacionalistas angolanos por parte da PIDE dava início ao processo judicial que ficou registado na História como “Processo dos 50”.

Amadeu Amorim, um dos sobreviventes, recorda que o regime colonial se serviu da prisão, um dia antes, do jovem José Manuel Lisboa, no aeroporto de Luanda, quando embarcava para Leopoldville (Kinshasa) levando consigo um importante documento, que lhe foi entregue por alguém ligado ao Exército para a Liberdade de Angola (ELA).

Apesar da idade avançada, os acontecimentos nunca saíram da memória de Amadeu Amorim. Conta que foi num sábado que a PIDE decidiu iniciar as prisões em massa dos nacionalistas, dado que Luanda estava a ser inundada de panfletos que apelavam à insurreição contra o regime colonial. 

“Foi uma operação de prisões em massa de nacionalistas que na clandestinidade contestavam o regime colonialista em Angola”, afirma. 

Diogo Ventura, 85 anos, está entre os sobreviventes. Explica que o documento descoberto pela PIDE a José Manuel Lisboa se destinava a marcar presença de Angola na conferência pan-africana, em Accra, capital do Ghana e realça que o objectivo passava por saudar os seus participantes, e afirmar-lhes que Angola também estava a lutar pela sua libertação, reafirmar que o continente devia contar com os angolanos, esperando dos países já independentes a sua solidariedade.

Embora de forma clandestina, Amadeu Amorim insiste que era necessário trabalhar na mobilização popular e salienta que as prisões incidiram sobre elementos de três grupos clandestinos: “estamos a falar do Exército de Libertação de Angola (ELA), o Movimento para a Independência (MIA) e o Movimento de Libertação Nacional de Angola-Partido Comunista de Angola (MLNA-PCA)”. 

Amadeu Amorim esclarece que foi a partir dessas detenções e o conjunto dos três processos políticos que surgiu o nome “Processo dos 50”. Embora existam divergências sobre o número real de integrantes, porque muitos morreram nas cadeias, Diogo Ventura não disfarça a tristeza pela morte dos companheiros de luta. Neste momento, apenas dez estão vivos dos quais sete a residir em Angola e três em Portugal.

“A designação Processo dos 50 surgiu depois de Joaquim Pinto de Andrade ter enviado para o seu irmão que vivia no exterior, Mário Pinto de Andrade, um folheto, denunciando a prisão de 50 nacionalistas”, disse. A denúncia internacional e o facto de ter sido um número elevado de pessoas presas ao mesmo tempo, deu a conhecer ao mundo a situação política que se vivia em Angola.

Julgamento e revoltas

A prisão de elementos dos diversos grupos envolvidos na luta de libertação nacional em Angola deu origem ao maior julgamento político da época. Realizado em três fases, e com início em 1960, os réus contaram com a defesa de advogados como Diógenes Boavida, e António Águas Cruz. 

O julgamento no então Tribunal Militar Territorial de Angola teve também a presença da advogada Maria do Carmo Medina.

“Essa mulher foi extraordinária no papel de advogada dos presos políticos. Embora tivesse sido perseguida e ameaçada pela PIDE resistiu e por mim merecia uma estátua pelo contributo à nossa libertação”, considera Amadeu Amorim. 

“Os momentos de terror, prisões, interrogatórios e torturas não demoveram os angolanos. Pelo contrário, criaram um sentimento maior de revolta”, disse.

E justifica a sua afirmação com o levantamento de Catete, em Dezembro de 1959, o da Baixa de Cassanje, em Janeiro de 61, o 4 de Fevereiro e o 15 de Março do mesmo ano. Ao mesmo tempo aconteceu a fuga de Portugal de dezenas de estudantes angolanos. 

“O movimento reivindicativo cresceu. Era um país inteiro com consciência revolucionária e quando chegou a fase da luta armada os combatentes avançaram”, disse Amadeu Amorim.

Campo de morte

Se existe inferno na terra, para Diogo Ventura ele revelou-se no campo de concentração do Tarrafal, local onde “foi sentida a saga assassina do colonialismo português”. Condenado a quatro anos de prisão e perda dos direitos políticos por 15 anos, acabou por permanecer sete anos preso.

“Os prisioneiros estavam desprovidos de todos os direitos e a tortura era física e psicológica. Não se podia assobiar, cantar, ou apreciar a luz do dia. Apesar das péssimas condições de higiene, da alimentação deficiente e dos trabalhos forçados o médico aparecia apenas uma vez por semana e o posto de saúde não tinha medicamentos”, lembra.

Inicialmente condenado a 18 meses de prisão e perda dos direitos políticos por cinco anos, Amadeu Amorim ficou sete anos preso no Tarrafal. Lamenta o isolamento imposto e o sofrimento dos familiares dos condenados do regime colonial.

“Apesar de em períodos prolongados permitirem a entrada de correspondência, as cartas eram manipuladas com o propósito de nos destruírem psicologicamente”, disse.

Amadeu Amorim destaca a resistência e o inconformismo do poeta António Cardoso e de Manuel dos Santos “Capicua”, diante das autoridades coloniais. 

A rebeldia de ambos provocou-lhes inúmeros problemas. António Cardoso foi o preso político que mais tempo permaneceu no Tarrafal, enquanto Manuel dos Santos “Capicua” perdeu a noção da realidade. Reside em Lisboa, mas tem graves problemas mentais em consequência dos maus tratos que lhe foram infligidos.

“Peço ao nosso Governo que o traga para Angola, porque o homem está perdido e doente em Portugal, dependente da ajuda de amigos e pessoas de boa-fé”, lamentou.

Reconhecimento e valorização

Composta por integrantes e seus descendentes, a Fundação Angolana de Solidariedade Social e Desenvolvimento (Fundanga) tudo tem feito para manter viva a chama do “Processo dos 50”. 

Pascoal da Costa, um dos descendentes, admite que a instituição já sente maior reconhecimento e sensibilidade por parte das autoridades e da sociedade.

“Nos últimos tempos o reconhecimento tem crescido, mas ainda enfrentamos muitas dificuldades para levar avante os nossos desafios. por isso, apelamos à sociedade em geral no sentido de não abandonar este grupo de homens que soube dar o melhor de si em defesa do país”, reclama.

Pascoal da Costa refere que existem filiados em idade avançada, que precisam de apoios e de sentir que valeu a pena combater o colonialismo. Revela que, dentro da Fundanga foi criado um órgão para perpetuar os feitos dos sentenciados no “Processo dos 50”. 

José Diogo agradece a Deus por lhe prolongar a vida e testemunhar a liberdade e as conquistas que o país tem vindo a alcançar e recorda que a independência foi arrancada com suor, sangue e lágrimas.

O presidente da fundação alinha no mesmo pensamento. Amadeu Amorim fala de pouca valorização da luta clandestina e do sacrifício consentido em relação à luta armada e reclama uma sede condigna para a fundação.

“Precisamos ganhar consciência de que a luta armada é uma sequência dos acontecimentos da luta clandestina”, concluiu.



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