quinta-feira, 3 de julho de 2014

Angola: PAÍS DESLOCADO, PAÍS EM CHAMAS



William Tonet – Folha 8, 28 junho 2014, opinião

Angola está a atraves­sar um dos piores mo­mentos da sua existên­cia como país, muito por culpa, não só da falta de visão políti­ca do líder de então, como das medidas e programas adoptadas pelo partido no poder desde 1975. Naquela altura, houvesse um verda­deiro espírito nacionalista e de cidadania, teriam sido lançadas as sementes para a concepção do novo ente ju­rídico, com a eleição de um órgão verdadeira e auten­ticamente representativo das sensibilidades políticas, sociais, culturais e tradicio­nais do espectro angolano, constituído por vários po­vos e sensibilidades.

Agostinho Neto, fosse um líder visionário e compro­metido com todo o espec­tro angolano, independen­temente das convicções ideológicas de cada cida­dão, elegeria ou formaria, uma assembleia consti­tuinte, ainda que tivesse de integrar, apenas elementos dos comités de acção e intelectuais próximos ao MPLA, para a elaboração da primeira Constituição. Preferiu caminho contrá­rio a lógica da imparciali­dade e fez, aprovar o mais importante instrumento jurídico de um país, ex­clusivamente, pelo comité central do MPLA, no 10 de Novembro de 1975, art.º 60.º da Lei Constitucional da República Popular de Angola (LCRPA).

E, para nossa desgraça colectiva, a maioria dos membros deste órgão não sabia, nem percebiam pata­vina de Direito, tão pouco de Direito Constitucional e nem mesmo os poucos juristas contactados, teme­rosos pelo seu futuro, limi­taram-se a respigar normas mal amanhadas, quando até poderiam socorrer-se da visão do constituciona­lista comunista português Gomes Canotilho, o ideó­logo da “constituição diri­gente”, que visa a implan­tação do comunismo como meta maior.

Com base nesta bestialida­de jurídica, o país nasceria torto, sendo o órgão má­ximo de poder de Estado, um denominado “Conse­lho da Revolução”, nada mais nada menos, do que uma ampla estrutura par­tidocrata, vide art.º 35.º LCRPA.

A Lei Constituicional de 1975 foi o grande marco da divisão e da guerra, entre os angolanos, enquanto instrumento autoritário e discriminador.

Esta, retirou o princípio colectivo de igualdade, para ostensivamente, afir­mar a supremacia dos an­golanos do MPLA sobre os demais, vide art.º 2.º da LCRPA(Lei Constitucional da República Popular de Angola) “toda soberania reside no povo angolano. Ao MPLA seu legítimo re­presentante”( …)

Como se pode verificar, nenhuma instituição nas­ceu Republicana, todas eram partidocratas, vassa­las do líder do partido dos camaradas.

O Presidente da República Popular de Angola é o Pre­sidente do MPLA, art.º 31.º LCRPA.

As Forças Armadas Popu­lares de Libertação de An­gola -FAPLA-, braço arma­do do Povo, sob a direcção do MPLA e tendo como comandante em Chefe o seu presidente, são insti­tucionalizadas como exér­cito nacional da República Popular de Angola, vide art.º 6.º.

Infelizmente, mesmo depois do fim do mono­partidarismo, através da lei 12/91, aprovada pela Assembleia do Povo, a adopção da democracia e da economia de mercado, com a Lei 23/92 de 16 de Setembro, pouco alterou, quanto a mentalidade di­rigente e as instituições, pelo contrário tudo piora, com a mesma ossatura de antes.

E, em pleno século XXI, em 2014, o mais grave é a Constituição de 2010, se assemelhar em muito a primeira Lei Constitucio­nal, onde todos órgãos são representativos do MPLA e, se antes, o presidente da Assembleia do Povo era o Presidente da República, hoje em 2014, o quadro em tudo se assemelha. Sendo o regime parlamentar, vide art.º 109.º da CRA, o actual Presidente da República que não é um órgão eleito, tomou posse primeiro que o órgão eleito e não renun­ciou ao mandato como de­putado, que é de lei fazê-lo. Nesta conformidade, ele é, ao abrigo da doutrina e ou analogia, também Pre­sidente da Assembleia Na­cional.

Basta ver a interpretação do Tribunal Constitucio­nal, que impede a Assem­bleia Nacional de interpe­lar o Governo, sob alegação de, se o fizer, atentar com outro órgão de soberania, que é o Presidente da Re­pública, a luz do art.º 105.º da Constituição da Re­pública de Angola. Nada mais falacioso e forçado, do ponto de vista consti­tucional, pois a instituição Presidência da República, não foi eleita, como tal, mas surge, ao abrigo do art.º 109.º, como cabeça de lista do partido ou coliga­ção de partidos políticos”. Significa dizer, com ho­nestidade intelectual, que mesmo que estivéssemos num regime presidencia­lista, a prestação de contas no parlamento é um impe­rativo incontornável, salvo a aceitação de estarmos diante de uma ditadura monárquica.

Uma assembleia Nacional, que não fiscaliza e que não legisla é um corpo morto, que nada representa aos olhos dos cidadãos, por­quanto os seus membros, amarrados a subserviência e as mordomias, adopta­ram a omissão e a cumpli­cidade como bandeiras de se manterem apegados as migalhas atiradas pelo po­der absolutíssimo do Pre­sidente da República, que controla os três órgãos de soberania, sem qualquer objecção e critica.

Por esta razão, muitos não acreditam estar o MPLA preparado para abandonar democraticamente o po­der, uma vez o seu líder, ser honesto, quando diz: “a democracia nos foi impos­ta”, deixando o recurso a violência e a guerra, como única saída para uma ver­dadeira mudança.


Ainda assim é preciso que todas as forças vivas do país, sejam suficiente­mente inteligentes, para não se deixarem cair na tentação guerreira, sorra­teiramente preparada pelo regime, lutando para uma nova aurora, com base nos instrumentos de pressão pacifistas. Pode ser difícil, mas é possível! Façamos tudo, pois este regime não pode ser eterno, causando tanto mal a maioria dos an­golanos.

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