segunda-feira, 24 de outubro de 2011

CRISE DO EURO - O CALDO ENGROSSA




FLÁVIO AGUIAR – CARTA MAIOR

A cúpula da União Européia sobre a crise da zona do euro deverá ter uma decisão final na próxima quarta-feira (26), após o impasse do último domingo (23). Há uma divergência conceitual entre os dois pesos pesados da região, Alemanha e França, quanto ao Fundo de Emergência para socorrer a moeda, os países e agora, também, as instituições financeiras em dificuldade. Sarkozy quer um fundo com uma política agressiva de salvamento, enquanto Merkel pretende dar a ele o papel de uma seguradora.

Os ingleses têm uma frase esplêndida para o momento em que as coisas se complicam: “the plot thickens”, o que, literalmente, quer dizer “o enredo engrossa”. Mas na nossa língua o que engrossa mesmo é o caldo, e pode embolotar.

É mais ou menos o que está acontecendo com a crise do Euro nesta semana.

Domingo terminou, sem terminar, a reunião da cúpula da União Européia para discutir o assunto. A decisão final ficou adiada para quarta-feira, como já estava previsto, para uma segunda rodada de emergência.

Na verdade a reunião de quarta-feira começou a se desenhar na semana passada quando, num encontro de despedida do presidente do Banco Central Europeu, Jean Claude Trichet, a chanceler Ângela Merkel anunciou, para estupefação (e fúria) geral que nada poderia decidir no domingo e pediu que a reunião fosse adiada. O presidente do Conselho Europeu, Hermann van Rampuy, e o da Comissão Européia, José Manuel Barroso, se opuseram com veemência ao adiamento. Como é do seu estilo, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, quase teve um ataque. Então ficou decidido que a reunião se realizaria no domingo, mas nova cúpula já seria chamada para a quarta-feira.

A reunião de domingo deveria, portanto, ser de um “esquentamento”. E de fato o foi: a temperatura subiu, houve vários confrontos e até um bate-boca no final.

Há uma divergência de fundo entre os dois pesos pesados da Zona do Euro, quanto ao Fundo de Emergência para socorrer a moeda, os países e agora também as instituições financeiras em dificuldade. Sarkozy deseja um fundo mais agressivo, capaz de comprar diretamente letras do tesouro dos países com problemas e também emprestar dinheiro a bancos e outras instituições financeiras com risco de descapitalização por causa da crise da dívida publica de Grécia, Irlanda e Portugal e também, potencialmente, da Espanha e da Itália.

Merkel quer que o fundo tenha o papel de uma seguradora, garantindo parcialmente investimentos de outras fontes na compra de letras dos países em dificuldade. Essas fontes iriam, potencialmente, até a China, além do Banco Central Europeu e instituições privadas.

Durante a semana houve uma queda de braço entre ela e Sarkozy. Aparentemente, no domingo, prevaleceu a posição de Merkel, que tinha o apoio da Holanda e da Finlândia, países onde a frente anti-euro e anti-ajuda é forte. Isso poderia explicar, em parte, o bate-boca que encerrou a reunião, entre um Sarkozy furioso e o primeiro ministro britânico, David Cameron.

Cameron está pressionado pelas dificuldades econômicas internas e por uma pressão crescente, inclusive em seu partido, para que a Grã-Bretanha ou renegocie sua posição na U. E. ou saia dela, o que provocaria um novo terremoto do Atlântico ao Oriente Médio. Ficou então cobrando com insistência, com outros países, soluções rápidas e profundas da parte dos países da Zona do Euro.

Lá pelas tantas Sarkozy se enfureceu e gritou que ele (Cameron) tinha perdido uma oportunidade de se calar e que ele, que nunca gostara do euro, deveria parar de se intrometer na moeda com conselhos, sugestões ou o que fosse.
Talvez, quem sabe, tenha sido um modo dele, Sarkozy, descarregar sua frustração diante da aparente (até o momento) vitória de Merkel.

Na verdade, a vitória de Merkel nem tão vitória é, pois corresponde também a dificuldades que ela encontra em sua própria casa, a Alemanha. Uma decisão da Suprema Corte alemã estabeleceu que o Bundestag, o Parlamento alemão, deve ter uma participação mais ativa na solução de crises internacionais, para não comprometer a soberania do país.

Até então o Parlamento se limitava a ratificar ou não decisões tomadas. Agora ele terá de ser ouvido pelo Executivo antes das decisões serem tomadas. E Merkel enfrenta dificuldades também com os inimigos ou simplesmente insatisfeitos diante do euro e da ajuda a países em dificuldades, além de ter de acalmar Josef Ackerman, o diretor-chefe do Deutsche Bank, um dos que será prejudicado por uma moratória ou reestruturação da dívida grega e outras.

Essas dificuldades partem de seu próprio partido, a União Democrata Cristã, e de seus aliados, o FDP (Partido Liberal Democrático, na tradução da Deutsche Welle) e a União Social Cristã, da Baviera. O SPD, Partido Social Democrata, se mostra favorável a ao apoio apenas de instituições bancárias que reformem suas práticas, e há também a oposição dos Verdes e da Linke, sendo este o único partido que, na verdade, tem posições completamente alternativas às “políticas de austeridade” implementadas a partir do “Consenso de Bruxelas” (sede da U. E.), que reavivou o moribundo Consenso de Washington.

De todas as maneiras, Merkel precisa, antes de bater o martelo em qualquer solução para a crise, garantir a sua aprovação no Bundestag. E a dimensão das tarefas não é pequena, para a agenda da quarta: aumentar o Fundo de Emergência, podendo ir até 02 trilhões de euros; aumentar a sua abrangência e alcance; de uma ou de outra forma recapitalizar os bancos e ao mesmo tempo estabelecer o tamanho do corte na divida grega e o quanto disso será repassado para os mesmos bancos. Também será fatal discutir as alternativas para Irlanda, Portugal,e, preventivamente, Espanha e Itália.

Por isso mesmo houve outros confrontos na reunião de domingo. Merkel e Sarkozy pressionaram Berlusconi para que este adote “medidas de austeridade” mais abrangentes e mais rapidamente na Itália. Berlusconi, por sua vez, junto a outros países, lamentou que, enquanto ele e outros ficam “fazendo a lição”, Merkel fica protelando soluções... Enfim, parece uma daquelas situações: casa em que falta pão todo mundo briga e ninguém tem razão...

Enquanto isso, a Argentina de Cristina Kirchner vai nadando de braçada, exatamente porque não está, ao contrário da Europa, seguindo a cartilha ortodoxa. Ela sim, depois da crise de 2000/2001, não só aprendeu como de fato fez a lição: rompeu com a ortodoxia (que a devastara antes), aumentou investimentos sociais, combateu a desigualdade, favoreceu o poder aquisitivo da população, portanto, a demanda. Enfim, tudo aquilo que os políticos presos na armadilha de Bruxelas não conseguem mais imaginar.

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