Rodolpho Motta Lima
– Direto da Redação
O dicionário define
maniqueísmo, em seu sentido extensivo, como uma “doutrina que se funda em
princípios opostos, bem e mal”. Suas origens remontam a uma concepção religiosa
surgida na Pérsia e disseminada pelo mundo, mas não é minha intenção aqui ir
além dessa consideração histórica. Importa-me, nesta oportunidade, perceber que
tal visão – presente como fundamental em praticamente todas as religiões -
espalha-se para outros domínios, sendo exaustivamente encontradas nas
narrativas mais antigas e nas contemporâneas, nos dramas de então e de agora,
em um rol de dicotomias de tipo mais que variado. Pense, por exemplo, na
Cinderela e na madrasta má do conto infantil, no lobo e na ovelha da fábula, no
lado luminoso e no escuro da Força na Guerra das Estrelas. Pense nas incontáveis
histórias que envolvem os bons terráqueos e os terríveis extraterrenos. Pense
nos fundamentalismos maniqueístas espalhados pelo mundo, no Oriente e no nosso
Ocidente. Pense em Carminha e Nina, se quiser... .
O problema é que, a
partir dessa visão dualista, um lado sempre se arvora como representativo ou
exemplificativo do Bem, reservando para o outro as características negativas,
tudo isso cercado de profunda radicalização absolutista.
Li em algum lugar –
como exemplo dessa ótica enraizada desde tenra idade nas nossas mentes e nos
corações – a história de um pai que, ao perguntar à sua filha de 4 anos o que
era o Bem, ouviu dela, com a honestidade que cerca as palavras das crianças, a
resposta : “Ué, o Bem somos nós”...
O dia a dia nos
apresenta no mundo de hoje diversos exemplos dessa visão maniqueísta que parte
de dois princípios antagônicos e irredutíveis. No futebol, centenas de exemplos
copiam o carioca Vasco x Flamengo ou o gaúcho Grêmio x Internacional, para
ficarmos apenas em mínimos exemplos da realidade nacional. Como em outras
esferas, ouso dizer que em todas elas, o pensamento e as ações alheias são
desqualificadas como malignas, negativas, irreversivelmente dignas de repúdio,
e as nossas ideias ,atitudes e gostos, mesmo estranháveis, têm sempre uma
justificativa positiva...
Vendo a vida e o
mundo por um único e inarredável prisma, temos profunda dificuldade em
reconhecer as virtudes do Outro, ou a existência de uma zona cinzenta onde a
razão e a verdade se diluem através das contribuições de ambos os lados. Na
História do mundo, é recorrente esse posicionamento de negar validade aos
valores alheios, invariavelmente “errados” diante dos nossos “acertos”. Os
“bárbaros” de todo gênero, os arrogantes romanos conquistadores, os fanáticos
cruzados da Idade Média, os brutais colonizadores espanhóis, os ingênuos
soldados americanos de muitas invasões, e os iludidos soldados nazistas
alemães, por exemplo, provavelmente se enxergaram como agentes do Bem...
Por tudo isso, o
raciocínio maniqueísta – enraizado na maioria das cabeças – é , para muitos
espertos, um instrumento de manipulação de pessoas incapazes de distinguir ,
entre todas as cores e seus matizes, algo além do preto e do branco.
Estigmatizando os outros como exemplares do Mal, pretensiosos representantes do
Bem já levaram massas humanas à desgraça, ao sofrimento, quando não à
destruição.
A política é um
campo fértil para o germinar do maniqueísmo e todos devemos estar sempre
atentos diante desse perigoso inimigo do homem. Não me excluo dessa atenção e,
embora procure sempre ter cuidado ao despir minhas posições de sectarismos ou
reducionismos, talvez nem sempre o consiga, no afã de defender uma causa que
julgo justa ou de criticar posturas que considero indignas.
Esses comentários
vêm a propósito da indisfarçável intenção, por parte de alguns setores da mídia
nacional, de estigmatizar todo um segmento político-ideológico, em uma falsa
generalização a partir de erros cometidos por alguns. São pessoas e
organizações que usam da sua influência e de um posicionamento nem sempre
meritório que a democracia ironicamente lhes confere para demonizar todo um
projeto que busca, através de programas sociais, mitigar (na impossibilidade de
extinguir ) as profundas desigualdades sociais que recheiam a nossa realidade.
Para essa turma, a
corrupção foi introduzida no país pelos segmentos de esquerda que foram levados
ao poder pela “equivocada” eleição popular. Para eles, a corrupção jamais
existiu antes entre nós, e seguramente não existirá no futuro, desde que consumada
a derrubada do Mal encastelado no atual poder, se possível por um golpe sutil
que se vá construindo vagarosamente. Para esses hipócritas do Bem, antes não se
compraram votos de congressistas para permitir reeleição de Presidente, não se
escreveu a triste história da Privataria Tucana, e, mais recentemente, não
jorraram as pérfidas águas de uma cachoeira de malfeitos da quadrilha goiana,
não existiu um cada vez mais sepultado mensalão mineiro, Arruda e Demóstenes
foram seres de ficção, provavelmente inventados pelo Mal.
Estamos no limiar
de momentos sérios por que passarão a cidadania e a democracia brasileiras. Há
indícios de um conluio (uma quadrilha?) para provocar a instabilidade social e,
como objetivo final, o descrédito do Governo, através de uma posição
fundamentalista de causar inveja às seitas mais radicais. Para nos convencer de
que esse perigo não existe, é muito simples: queremos um poder judiciário, um
Supremo, que nos mostre, com ações tão contundentes quanto as de agora, que não
se encontra a serviço desse tal maniqueísmo, enxergando as falcatruas, fraudes
e corrupções onde quer que estejam, principalmente no seio de falsos
representantes do Bem.
* Advogado formado
pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa
do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições
do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura,
particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do
Brasil.
1 comentário:
resumo da ópera: outra bosta de artigo para defender o PT.
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